'Não desejo isso para ninguém': brasileiros relatam infestação de percevejos em Paris

A menos de um ano dos Jogos Olímpicos e em plena Copa do Mundo de Rugby e da Semana de Moda de Paris, um pequeno inseto do tamanho de uma semente de maçã mobiliza o governo francês. Brasileiros contam à RFI como foram surpreendidos e enfrentaram a praga de percevejos na França. 

Ana Carolina Peliz, da RFI

A carioca estudante de História da Arte na Sorbonne, Anara Junger, tinha acabado de se mudar para um pequeno apartamento no bairro de République, em Paris, quando viu seus objetos pessoais serem invadidos por vários "bichinhos" escuros.

"O apartamento estava vazio. Eu recebi a ajuda de amigos para limpar, comprei um sofá-cama, meu ex-namorado montou e fomos dormir", conta. No dia seguinte "eu vi um monte de bichinhos nas minhas coisas. Era tudo novo. E o meu [então] namorado estava cheio de picadas. Ele ficou com muita alergia. Eu fiquei desesperada", relata.

Anara ligou para uma amiga para saber se os insetos poderiam ter vindo de um gato que ela estava cuidando antes de se mudar. "Aí eu descobri que eram percevejos [punaises de lit, "percevejos de cama" em francês]", diz. "Eu não sabia da existência desse bichinho. E aí foi um desespero, estava infestando o apartamento inteiro", diz, contando como entrou em contato pela primeira vez com a praga que está tirando o sono de muitos parisienses.

Nas últimas semanas, imagens de percevejos passeando em bancos do metrô de Paris e de trens e fotos de pessoas picadas depois de irem ao cinema circulam nas redes sociais e semeiam o pânico. A tal ponto que o porta-voz do governo francês, Olivier Véran, informou em entrevista a uma rádio nesta terça-feira (3), que uma reunião inter-ministerial para discutir e achar soluções para o tema será realizada na próxima sexta-feira (6). 

Mais cedo, a primeira ministra Elisabeth Borne havia anunciado que um "observatório" sobre o problema dos percevejos estava em "curso de criação". Na França, o inseto virou assunto de Estado.

Não é para menos, já que o caso de Anara não é isolado. De acordo com um relatório da Agência Nacional de Segurança Sanitária e Alimentar (Anses), publicado em julho, mais de uma residência sobre 10 foi infestada por percevejos entre 2017 e 2022 no país. 

"Fiquei desesperada porque estava na metade do meu semestre na faculdade e foi muito cansativo. A gente avisou para a agência imobiliária, aí eles mandaram uma empresa para dedetizar", diz Anara. Mas se livrar do "bichinho" se revelou uma árdua tarefa. 

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Ela conta que a empresa usou um inseticida e que ela foi obrigada a deixar o apartamento por horas. Mas a companhia acabou avisando que o tratamento era inútil porque o prédio inteiro estava infestado. "A agência não tinha avisado para a gente que os percevejos estavam ali há meses, talvez anos, e eram colônias, famílias, muito mesmo, e não ia adiantar", conta.  

A carioca ficou apenas uma semana no apartamento e nesse tempo, teve que embalar todas suas coisas em sacos de lixo e depois lavá-las a altas temperaturas. "Foi uma experiência horrorosa", relembra.

"A experiência é horrorosa, a gente fica muito afetado com isso, a gente passa a olhar em tudo. Quando me mudei para outro apartamento, cada coisinha, bichinho que eu via, eu ficava desesperada. Meu ex-namorado também ficou cheio de alergias. Depois ficávamos sempre estressados, com medo de contaminar outros lugares, porque basta uma para proliferar. Realmente mexe muito com o mental", relembra. 

"Eu lembro que na época eu estava fazendo um projeto profissional na minha faculdade e eu não estava conseguindo dormir e estava muito mal. Eu não desejo isso para ninguém", diz. 

"Chorei literalmente"

No caso de Anara, a agência imobiliária arcou com os custos do tratamento contra os percevejos, mas esta não é a regra.  

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Adriene Paiva, educadora especializada, de Itaporanga, São Paulo, e moradora de Le Pecq, na região metropolitana de Paris, descobriu os percevejos através das picadas. "Comecei a reparar que nos meus braços, minhas mãos, meu pescoço, todos os dias tinha um monte de picadas. No começo eu achei que era mosquito, mas como estava sendo muito recorrente e eram sempre muitas, não eram uma ou duas, eram quatro, cinco, eu pesquisei no Google e vi que isso era sintoma de percevejo", diz. 

Na internet, ela também se informou sobre como se livrar deles. Seguindo as recomendações encontradas, Adriene primeiramente  lavou todas suas roupas e tecidos do quarto a 60°C. Ela também usou uma máquina de vapor que chega a 120°C para limpar as paredes, o chão do quarto e a cama. Mas o tratamento não deu resultado. 

"Eu continuava sendo picada e aí que eu decidi contratar uma empresa de dedetização', diz. "Quando o dedetizador veio aqui em casa, ele atestou que era uma infestação de percevejos e me propôs o tratamento de fumigação com um veneno", explica.

Adriane conta que o preço era muito alto. "O primeiro preço que ele deu para o meu quarto de 12 m² foi de € 500 (R$ 2.697)", relata. "Mas eu chorei! Literalmente! Eu comecei a chorar na frente dele, porque era muito caro e ele fez para mim o tratamento por € 300 (cerca de R$ 1.618)", conta. 

Apesar do preço salgado, o tratamento valeu a pena e ela conseguiu se livrar dos percevejos. Mas o medo dos insetos persistiu. 

Fobia

"Depois disso eu peguei uma certa fobia, com medo mesmo, não me sinto segura porque elas estão por todos os lados. Aparentemente, você não pode ir ao cinema tranquilo, pegar o metro tranquilo, e é uma coisa que não tem prevenção, que não dá pra se prevenir. Na verdade você pode pegá-los em qualquer lugar, sua casa se infestar e aí vira um pesadelo, e me preocupa muito, não me sinto segura", diz.

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"E eu acho um absurdo! Tinha que ter uma campanha do governo. Ele tinha que educar as pessoas para saberem como se prevenir. Eu não sabia nem o que era isso, porque no Brasil eu nunca ouvi falar de infestação de percevejo. Eu tenho medo de pegar de novo. É uma picada que dói, fica feio na pele da gente", afirma.

Devolução apenas de taxa de limpeza

Mas o que acontece em caso de pessoas que estão de passagem pela França? O piauiense radicado em São Paulo, Lucas Mancini, reservou um através do site Airbnb um apartamento de 11m² para sua estadia em Paris na última semana de setembro. "O apartamento estava fechado, com uma obra acontecendo ao lado. Enfim, tudo o que os percevejos pedem", conta. 

Na primeira noite, além do calor, ele sentiu muitas picadas e não conseguiu dormir e achou que eram mosquitos. Na noite seguinte, todo seu corpo estava coberto de lesões. "Eu tive medo pela minha vida. Porque eu estava em um país estrangeiro viajando sozinho", diz.

O dono do apartamento não se prontificou a ajudá-lo e se negou a devolver o dinheiro da diária, de 250 euros. A plataforma de reservas Airbnb devolveu apenas a taxa de serviço de limpeza do apartamento. "No dia seguinte ele disse que teria um hóspede. Então ele está pouco se importando de acabar com essa praga no apartamento dele", lamenta Lucas. 

Lucas, que visitou outros países e conversou com o correspondente da RFI na Espanha, disse que foi a primeira vez que isso aconteceu com ele durante a viagem. 

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"O apelo que eu deixo para as pessoas é: nunca chegue em um lugar em que você nunca dormiu e onde você vai dormir e não inspecionar colchão, paredes", diz. 

Como evitar a contaminação

De acordo com empresas especializadas, existem maneiras de evitar os percevejos. O uso de roupas de cama especiais anti-insetos, que isolam os travesseiros e o colchão, pode impedir a instalação. Sofás e poltronas devem ter atenção especial, sobretudo os comprados de segunda mão. 

O site do Ministério da Transição Ecológica francês recomenda a "limpeza com um aparelho de vapor especializado (disponível para aluguel) dos móveis recuperados na rua ou comprados em vendas de garagem, antes de introduzi-los em casa".

Outras dicas são não colocar bagagens no chão de hotéis,  albergues e apartamento alugados e ainda menos em cima da cama quando chegar em casa. Além disso, isolar objetos contaminados fora de casa e lavar as peças de roupa a 60 graus são outras medidas. Para as roupas delicadas, a solução é o congelamento a -18ºC durante ao menos três dias. 

Algumas empresas se especializaram neste tipo de dedetização na França. Em média, o preço de uma intervenção de um profissional contra os percevejos pode custar por volta de 866 euros, de acordo com a Anses.

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