Governo iraniano usou estupro e violência sexual para reprimir protestos, diz Anistia Internacional

Num relatório publicado esta quarta-feira (6), a Anistia Internacional (AI) documenta as violações e a violência sexual perpetradas no Irã para silenciar o movimento "Mulheres, Vida, Liberdade". Entre as milhares de pessoas detidas durante as manifestações, a ONG recolheu cerca de quarenta testemunhos que descrevem a utilização destes métodos pelas forças de segurança, enquanto o sistema de Justiça faz vista grossa. 

De acordo com o relatório, 45 pessoas - sendo 26 homens, 12 mulheres e sete menores - afirmam que foram vítimas de violências sexuais, após terem sido presas nos protestos contra a morte de Mahsa Amini, uma curda iraniana de 22 anos.

"O interesse deste relatório é de questionar sobre esta arma sistemática e massiva, que são as violências sexuais cometidas contra os e as manifestantes", diz à RFI Domitille Nicolet, encarregada da advocacia contra a violência policial da AI.  

"Foi um longo processo de investigação realizado pela nossa equipe iraniana. Os testemunhos foram recolhidos à distância, em persa (farsi), principal língua utilizada no Irã", explica.

"Entre estas 45 pessoas, três decidiram testemunhar por escrito. A sensibilidade, a dificuldade dos depoimentos e a dureza do que descrevem compõem este relato. É um relatório de mais de 120 páginas, composto principalmente por depoimentos. Este foi um exercício muito, muito doloroso, mas crucial para a nossa equipe iraniana", relata Nicolet.

Muitos homens e meninos estão entre as vítimas registradas. Para a representante da ONG, o dado não é "surpreendente". "Eu não usaria este termo, porque o governo iraniano demonstrou o desejo de punir, reprimir e humilhar a população iraniana como um todo, todas as pessoas que tiveram a coragem de se pronunciar contra as medidas tomadas pelo governo, especialmente contra as mulheres", analisa.

"Entre estas pessoas, há homens que obviamente apoiam as vozes das mulheres. E as autoridades, na sua estratégia de detenções para limitar este movimento, também visaram e capturaram homens. A violência a que foram submetidos está descrita no relatório", diz.

Arma sistemática e massiva

Para ela, a violência sexual é uma "arma sistemática e massiva" do governo iraniano, como estratégia de humilhação. Nicolet afirma que as 45 pessoas que aparecem no documento são apenas uma parte das que sofreram agressões  

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"A maioria deles testemunhou que também ouviu ou testemunhou outras vítimas da mesma violência durante a detenção. Existe realmente uma arma utilizada por este governo para reprimir, humilhar, punir as pessoas que tiveram a coragem de se manifestar desde a morte de Mahsa Amini", afirma.

O relatório da Anistia revela também a indiferença do sistema de Justiça iraniano com as vítimas e, às vezes, a cumplicidade. Segundo Nicolet, as pessoas que quiseram apresentar queixa depois de terem sido vítimas de tortura e violência sexual foram desencorajadas. 

"Das três pessoas que tiveram coragem de apresentar queixa entre as 45 entrevistadas, duas foram intimidadas e obrigadas a retirar a queixa. E o terceiro ainda está em andamento", relata.

"Houve também desprezo, por essas pessoas quando elas se apresentaram ao Ministério Público e tiveram a coragem de dizer 'olha as marcas que tenho no corpo, olha o estado em que me apresento a vocês, tenho revelações para fazer, fui vítima de violência'. Houve, por parte dos procuradores, o desejo de não levar em conta estas palavras. Ninguém foi processado, até onde sabemos", afirma.

Ela espera que os Estados e a comunidade internacional denunciem o tratamento dado à aplicação da lei pelas autoridades iranianas.

Após o relatório, o que a Anistia Internacional espera é que a comunidade internacional solicite a prorrogação do mandato da missão de informação da ONU no Irã. Votada em novembro de 2022, ela inclui três membros responsáveis ??por documentar e investigar os fatos ocorridos no país desde setembro do ano passado.

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