Entenda o que está em jogo nas eleições legislativas na Índia

A campanha eleitoral para eleições gerais acontece na Índia num ambiente carregado de paixões, debates e protestos, um momento importante na vida política do país que se orgulha de ser "a maior democracia do mundo". Na véspera da votação, o BJP, partido do primeiro-ministro Narendra Modi, é favorecido por seus resultados econômicos. Um sucesso, no entanto, contestado, inclusive no meio empresarial. Com opositores importantes na prisão, para especialistas o que está em jogo é a própria democracia no país.

Com quase um bilhão de eleitores chamados às urnas para eleger, entre 19 de abril e 1 de junho, a 18.ª legislatura do "Lok Sabha", a câmara baixa do Parlamento, a excitação é real, mesmo que, segundo as sondagens, não haja muitas surpresas na votação deste ano.

A vitória do BJP, o partido dos nacionalistas hindus no poder em Nova Délhi, estaria garantida. Se fosse bem-sucedido, o seu líder Narendra Modi seria automaticamente reconduzido como primeiro-ministro para um terceiro mandato consecutivo, um feito que apenas Nehru, o primeiro de seus 16 antecessores desde a independência, tinha conseguido.

As eleições opõem o Partido Aam Aadmi, cujo líder, Arvind Kejriwal, preso por suposto envolvimento em um caso de corrupção, foi erigido mártir político, e o BJP, de Modi. A oposição espera infligir uma sanção simbólica ao primeiro-ministro, ao menos na capital, Nova Délhi, se posicionando como guardiã da democracia. Resta saber se o tema mobiliza eleitores, mais preocupados com o desemprego.

Potência mundial até 2029

Narendra Modi promete que a Índia se tornará a terceira potência mundial até 2029, ou seja, antes do final do seu próximo mandato. O chefe de governo tem argumentos sólidos a seu favor. O crescimento tem sido vigoroso há vários anos, 6,8% em 2024, de acordo com as previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI).

Os grandes projetos lançados desde que chegou ao poder melhoraram significativamente a vida cotidiana dos indianos e impulsionaram a atividade econômica. O país também se beneficia de investimentos de multinacionais que deixaram a China desde a Covid-19.

O BJP e Narendra Modi estão aproveitando da boa fase. Mas, na realidade, a Índia ainda é um país com muita pobreza e esse enriquecimento é muito relativo.

O crescimento ultrarrápido, apesar de sólido, não é suficientemente forte para melhorar o nível de vida dos 1,4 bilhões de habitantes do país. A renda per capita é de apenas US$ 2.600 (cerca de R$ 13.600) por ano. Este é o nível mais baixo dos Brics, e do G20, colocando a Índia no 139º lugar no ranking mundial em termos de riqueza per capita.

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Nos últimos dez anos, o número de bilionários triplicou, mas o rendimento da grande maioria dos indianos estagnou. Com tão pouca redistribuição, é difícil ver como o mercado interno pode sustentar o crescimento. O sintoma mais flagrante desta pobreza é o desemprego de 8% - a taxa de atividade é muito baixa, as mulheres estão quase ausentes do mercado de trabalho. A maioria dos indianos ganha a vida graças ao setor informal, a anos-luz de distância da prosperidade da classe média empregada nos serviços.

Nenhum milagre chinês no horizonte

A abertura de fábricas orientadas para a exportação, como a da Apple para fabricar iPhones, é um benefício para a indústria e, portanto, para o emprego indiano, mas com efeitos limitados. Os investidores estrangeiros pensam na diversificação, já não querem depender de um único país, mas a Índia só se beneficia de uma pequena parte deste vasto movimento de deslocalização.

O apoio à tecnologia, apresentado como uma prioridade pelo governo, é bom por si só, explica o ex-executivo do Banco Central, Raghuram Rajan, muito crítico da história muito romantizada dos sucessos econômicos do primeiro-ministro indiano. Mas, segundo ele, isso é insuficiente para dar trabalho a todos. Devemos, recomenda ele, olhar para as indústrias tradicionais do país e melhorar o ambiente de investimento. Uma área onde ainda há muito o que fazer, acreditam os empresários indianos.

Alguns preferem ir a Singapura para criar start-ups, devido à falta de confiança no ambiente de seu país. A arbitrariedade política, as medidas protecionistas, ainda demasiado numerosas na indústria, e a fragilidade do mercado interno estão entre os obstáculos mais frequentemente identificados, incluindo entre as grandes dinastias econômicas totalmente conquistadas por Modi.

Democracia em perigo

No comando do país desde 2014 e reeleito em 2019, Narendra Modi é um líder popular e populista. Ele vem do poderoso movimento nacionalista hindu, o RSS (Rashtriya Swayamsevak Sangh), do qual o seu partido, o BJP, é o braço político. Fervoroso defensor do Hinduísmo, a matriz ideológica do "majoritarismo hindu", Modi pretende transformar a Índia moderna e secular em um estado hindu ("Rashtra hindu") onde as minorias religiosas serão relegadas à categoria de cidadãos de segunda classe.

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Para muitos especialistas, o processo de hinduização já em andamento no país, juntamente com a tendência autoritária do regime no poder, afasta a Índia de seus valores democráticos e fundadores do secularismo, da liberdade e do pluralismo multicultural.

As mudanças em sua democracia, que se aceleraram desde o segundo mandato de Narendra Modi, fizeram com que a Índia fosse degradada nos rankings internacionais de democracia e descrita como uma "democracia parcialmente livre", ou mesmo de "autocracia eleitoral". Por tudo isso, a sobrevivência da democracia na Índia deve ser a verdadeira questão dessas eleições.

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