França se despede da cantora Françoise Hardy, ícone da 'chanson française' e da cultura pop

A cantora francesa Françoise Hardy faleceu na terça-feira (11), aos 80 anos, após uma longa luta contra o câncer. A artista deixa como legado clássicos da "chanson française" que a tornaram ícone da cultura pop, além de sua militância pelo direito à eutanásia, um combate que se acentuou nos últimos anos de sua vida.

Foi o filho de Françoise Hardy, o cantor Thomas Dutronc, quem anunciou o falecimento da artista. "Mamãe se foi", escreveu nas redes sociais ao lado de uma foto dos anos 1970, em que a cantora aparece junto a Dutronc, na época bebê.

O cantor é fruto do casamento de Hardy com Jacques Dutronc, outra estrela da "geração rebelde". A infidelidade do artista colocou fim à relação do casal, uma experiência que marca a obra de Hardy, em títulos como "Message personnel", de 1973, em que a cantora descreve a tristeza de um amor impossível.

A melancolia, aliás, marca a obra de Hardy. Nascida em 1944 em Paris, filha de uma mãe solo e um homem casado, a cantora carregava o peso de ser fruto de uma relação extraconjugal. Solitária, tinha sempre a tendência a ver "a metade do copo mais vazio que cheio", diz o jornal Le Parisien.

Aos 16 anos ganhou sua primeira guitarra e estudou música em um pequeno conservatório da capital francesa. Dois anos depois, aos 18, interpretou um de seus maiores sucessos, "Tous les garçons et les filles". 

O enorme impacto dessa faixa em toda uma geração de jovens franceses a encaixou no estilo musical "yê-yê", mas Hardy também soube explorar outros terrenos musicais sem perder sua popularidade. Sua ousadia e coragem também a ajudaram a se destacar na efervescente cena cultural parisiense dos anos 1960. Durante toda essa década, a cantora marcou a "chanson française" com faixas como "Mon amie la rose" e "Comment te dire adieu", composta por Serge Gainsbourg.

Sua beleza única contribuiu para que a cantora se tornasse um ícone da moda, com seu físico andrógino e discreto que a distanciaram do estilo de estrelas exuberantes, como Brigitte Bardot. A modernidade da sua silhueta, seu estilo único e elegância inspiraram as passarelas do mundo inteiro. Hardy vestiu com perfeição os futuristas vestidos metálicos de Paco Rabanne, as criações de Courrèges e Saint Laurent, e estampou capas de revistas, sendo imortalizada pelas lentes do célebre fotógrafo de moda William Klein.

Sucesso no Brasil

Como outras estrelas francesas, Hardy aproveitou sua popularidade internacional para se aventurar em outras línguas. Em espanhol, lançou duas músicas em 1970: "El teléfono corté" e "Sol". No ano seguinte, lançou o álbum "La question", realizado em colaboração com a guitarrista brasileira Tuca. A faixa que dá o nome ao álbum fez um enorme sucesso no país por integrar a trilha sonora da novela Selva de Pedra, em 1972.

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"Durante toda a minha vida, busquei belas melodias. Ouvi-las me leva ao êxtase", explicou a cantora em uma entrevista à AFP em 2018. "As canções melódicas mais belas são sempre melancólicas ou românticas", acrescentou.

Hardy encerrou sua carreira musical em 1988, mas nos anos 2000 voltou a retomá-la, apoiada por estrelas de sua geração. Em 2004, foi diagnosticada com um primeiro câncer. Embora tenha se curado, sofreu outros tipos de câncer nos anos seguintes.

Em uma entrevista ao jornal Le Parisien, em 2021, já com a saúde fragilizada, a cantora defende a eutanásia e lamenta que a França "não tenha humanismo suficiente para legalizá-la". "A morte afeta apenas o corpo. Ao morrer, o corpo libera a alma. Mas, de qualquer forma, a morte do corpo é uma prova considerável, e eu a temo, como todo mundo", confessou à AFP em 2018.

De acordo com o jornal Libération, Hardy dizia que sua existência tinha se transformado em "pesadelo" pelas consequências de inúmeras radioterapias, desde dificuldades respiratórias até à ausência de saliva, incluindo surdez parcial, que tornaram sua vida muito difícil.

Imprensa francesa homenageia Françoise Hardy

Durante cinco décadas, Hardy foi "uma presença constante, permanecendo o símbolo de uma juventude passageira", diz o jornal Le Monde. Sua voz indescritível, diáfana, contava sua melancolia e sua tristeza, completa a publicação que destaca a paixão de Hardy pela astrologia, sua relação com o cantor francês Jacques Dutronc e a timidez da artista que a levou a abandonar os palcos em 1969. Le Monde lembra que a cantora também foi compositora e que acrescentou algumas obras-primas à música francesa. 

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"Como lhe dizer adeus?", pergunta o jornal Le Parisien fazendo alusão a um de seus maiores sucessos, "Comment te dire adieu". Françoise Hardy não buscava agradar e dizia muitos "nãos", diz o diário que descreve a cantora como uma pessoa muito franca e lúcida sobre ela mesma e seus limites. 

Tímida, esbelta e de voz frágil, Hardy se tornou, com o tempo, uma solitária que cultivava sua melancolia, diz o jornal Libération. Fugindo do sucesso fácil, ela concentrou toda a sua vida no conteúdo de seus discos. Para afugentar o rótulo de "boneca linda e triste" que grudou em sua pele, nos últimos anos optou por cabelos brancos e curtos. Segundo o diário, a cantora será lembrada como "uma mulher chique", que se transformou ao longo das décadas, e "que nos deu 28 álbuns no total". 

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