Coligação da esquerda francesa propõe ruptura com Macron e bloqueio da extrema direita

Os quatro maiores partidos da esquerda francesa apresentaram nesta sexta-feira (14), em Paris, um programa comum para as eleições legislativas antecipadas dos dias 30 de junho e 7 de julho. A Nova Frente Popular promete barrar a extrema direita e uma ruptura total com o governo do presidente Emmanuel Macron. 

Daniella Franco, da RFI

Lideranças dos partidos França Insubmissa (LFI), Socialista (PS), Europa Ecologia Os Verdes (EELV) e Comunista (PCF) propuseram nesta sexta-feira um "contrato de legislatura" em 20 principais diretivas que pretendem aplicar imediatamente se vencerem o pleito. Entre as principais metas, está a revogação de medidas-chave do governo Macron, como as impopulares reforma da Previdência, da imigração e do seguro-desemprego.

O programa da Nova Frente Popular também traz propostas como o reforço do apoio à Ucrânia e a defesa de um cessar-fogo imediato na Faixa de Gaza, além de apresentar planos audaciosos como o bloqueio de aumento das tarifas de energia elétrica e dos produtos alimentícios, a taxação dos super-ricos e o aumento do salário mínimo para € 1.600, entre outras. 

A aliança da esquerda foi organizada logo após o anúncio do presidente francês, Emmanuel Macron, de dissolver a Assembleia dos Deputados e convocar eleições legislativas antecipadas, no último domingo (9). A medida mergulhou a França em um caos político.

A inesperada decisão foi tomada após a vitória esmagadora do partido da extrema direita Reunião Nacional (RN) nas eleições europeias. Os ultranacionalistas obtiveram mais de 31% dos votos, mais do que o dobro do partido governista Renascimento (14,6%). 

Na última quarta-feira (12), Macron realizou uma coletiva de imprensa e explicou que, com sua decisão, espera vencer o que chama de "extremos", tecendo duras críticas à aliança da esquerda. Comparando a Nova Frente Popular com o partido ultranacionalista Reunião Nacional, o presidente afirmou que "os dois blocos empobrecem o país", e defendeu que seu campo é o único com "um projeto de governo coerente", e que pode "responder aos desafios" da França.

No entanto, a 16 dias do primeiro turno das eleições legislativas, a extrema direita segue liderando as pesquisas, com cerca de 31% das intenções de voto, muito à frente do partido liderado por Macron, Renascimento, com cerca de 18% da preferência. Até o momento, a aliança da esquerda é a única com potencial de barrar a ascensão dos ultranacionalistas, acumulando 28% de previsão de escolha do eleitorado, de acordo com a sondagem Elabe realizada no começo da semana. 

Outra pesquisa, divulgada nesta quinta-feira (13) pelo Opinionway, aponta resultados semelhantes: 32% para o RN, 25% para a Nova Frente Popular e o partido de Macron, 19%. 

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a direita é palco de um racha depois que Éric Ciotti, líder dos Republicanos (LR) se aliou com os ultranacionalistas do Reunião Nacional. Após se trancar na sede de seu partido, Ciotti está em vias de expulsão desta que é a maior legenda conservadora da França. Com exceção da ala que o apoia, boa parte dos republicanos participará da chapa de Macron. 

Momento histórico para a esquerda 

Membros da Nova Frente Popular comemoraram "um momento histórico". "Será ou a extrema direita ou nós", afirmou Marine Tondelier, líder do partido Europa Ecologia Os Verdes. "Podemos mudar tudo se o povo francês quiser", indicou Manuel Bompard, coordenador nacional do França Insubmissa. 

Em tempo recorde, as maiores legendas da esquerda conseguiram encontrar consenso sobre questões que as dividiam até então, como a classificação do grupo Hamas como terrorista, sobre a qual alguns deputados do França Insubmissa expressaram resistência no início da guerra na Faixa de Gaza.

Outro assunto que deixou de suscitar divisão entre os partidos é a personalidade que assumirá o cargo de primeiro-ministro, em caso de vitória nas eleições legislativas. O líder da esquerda radical, Jean-Luc Mélenchon, que perdeu popularidade após protagonizar uma série de polêmicas nos últimos anos, parece ter desistido da ideia, abrindo caminho a novas lideranças. 

Apesar da proposta de ruptura com o governo Macron, o principal objetivo da aliança é barrar a extrema direita. "Estamos demonstrando que quando o essencial está em jogo, estamos aqui", afirmou nesta sexta-feira o chefe do Partido Socialista, Olivier Faure. 

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Inspiração vem de movimento nos anos 1930

A coligação progressista se inspira na união histórica das forças de esquerdas na França, em 1936. No início da década de 1930, a associação entre socialistas e comunistas franceses, na época inimigos, parecia improvável. No entanto, a ascensão ao poder de Adolf Hitler, na Alemanha, e de Benito Mussolini, na Itália, deixou os progressistas em alerta. A esquerda francesa, então dividida, se uniu em uma Frente Popular para barrar o crescimento do fascismo na França.

Com uma expressiva vitória nas eleições legislativas de 1936, a coligação obteve 386 deputados entre os 608 assentos na Assembleia de Deputados. O socialista Léon Blum formou um governo de coalizão e, em menos de dois meses, a semana de trabalho de 40 horas, as férias remuneradas e vários acordos coletivos foram votados.

A nova união das forças da esquerda irrita a cúpula do governo francês, que deve perder a maioria da Câmara baixa do Parlamento com a realização das novas eleições legislativas. Desde o anúncio da formação da coligação progressista, representantes do governo atacam lideranças progressistas que a integram. 

Para Macron, que classificou de "indecente" a iniciativa, "Léon Blum deve estar se revirando em seu túmulo". Já o ministro francês da Economia, Bruno Le Maire, afirmou que o programa da Nova Frente Popular é "um delírio total".

O primeiro-ministro Gabriel Attal prevê que para que as medidas da coligação de esquerda sejam colocadas em prática, haverá um expressivo aumento nos impostos, "uma má notícia para a França que trabalha". 

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