Zona eleitorais fora da França abrem votação; candidatos da América Latina correm contra o tempo

Nesta terça-feira (25) acontece o primeiro debate oficial na TV entre os candidatos às legislativas francesas, mesmo dia em que começa a votação de forma on-line para quem mora fora da França. A curta campanha, que iniciou quase imediatamente após a dissolução da Assembleia Nacional pelo presidente Emmanuel Macron, no dia 9 de junho, conta também com candidatos a cadeiras representativas dos franceses que moram no exterior.

O primeiro turno das eleições começou nesta terça-feira ao meio-dia hora de Paris (7h no horário de Brasília), com a abertura da votação on-line para os cidadãos franceses que vivem no exterior e que estão devidamente inscritos nos consulados para votar à distância. Há também a tradicional votação em cédulas nos consulados franceses pelo mundo, marcadas para o sábado, 29 de junho, véspera da data do pleito na França.

São ao todo 11 zonas eleitorais (circunscrições) estrangeiras e a 2ª circunscrição é a que compreende a América Latina e o Caribe. Nesta fatia de franceses expatriados ou que escolheram viver fora da França, o Brasil possui o segundo maior número de eleitores, com mais de 16.600 inscritos para votar pela França em solo brasileiro, segundo dados de registro consular de 2023. O México tem o maior número de eleitores registrados no consulado francês (20.794) e a Argentina tem o terceiro contingente de franceses inscritos, 11.545.

Candidata à reeleição na zona eleitoral América Latina e Caribe, Eléonore Caroit, 38, do partido Renascimento, mesmo partido do presidente Emmanuel Macron, conversou com a RFI sobre a "surpresa" de uma nova campanha em tão pouco tempo - as últimas foram em abril de 2023, quando a advogada foi eleita - e lamentou a guinada à direita nas eleições europeias. "Eu não esperava ter que voltar a fazer eleições em tão pouco tempo. E também eu achei uma derrota muito grande, uma decepção para todos ver a extrema direita chegar tão grande, tão forte na votação europeia", declarou Caroit. 

Bertrand Dupont, 52, candidato a deputado na mesma zona pelo partido Republicanos (LR, de direita) é atualmente conselheiro local eleito no Brasil (cargo que, segundo ele, corresponde a de um vereador). À RFI, o político criticou a manobra de Macron: "Considero que ele provocou um caos adicional no momento que não precisava (...) Hoje a França está numa situação extremamente complicada, com finanças que estão destruídas, com pressões internas gigantescas, como o crescimento dos extremos, tanto da direita como da esquerda". 

De volta à disputa ao cargo de deputado da zona eleitoral América Latina e Caribe, o candidato ecologista da coligação de esquerda Nova Frente Popular, Sérgio Coronado, 54, é franco-chileno e foi deputado entre 2012 e 2017. Ele afirma que a base política de Macron perdeu peso e aposta que nestas novas eleições os macronistas não irão alcançar maioria. Por isso, defende sua candidatura na coligação, que, segundo ele, reúne republicanos, democratas e legendas de esquerda e ecologistas, para barrar a ascensão da extrema direita na França.

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Embates entre extremos também fora da França

O tempo da campanha legislativa foi curto, o 1° turno é em 30 de junho na França, mas para os franceses no exterior a votação é ainda mais cedo e acontece em alguns países ao longo desta semana on-line e presencialmente no sábado, 29 de junho.

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O desafio se torna ainda maior para os candidatos como Eléonore que considera "muito importante ouvir a voz dos franceses da América Latina no debate francês" e fez críticas às coligações formadas pelas alas da esquerda e da direita francesas.  

A macronista acusa "a oposição política de não querer fazer uma oposição sobre as ideias", mas sobre princípios, e, em seguida, defende a decisão do chefe de Estado usando como argumento as alianças formadas após a dissolução da Assembleia Nacional.

"Eu não achava necessária a dissolução da Assembleia Nacional, mas depois vendo o que aconteceu, a oposição dos Republicanos (direita), por exemplo, com Éric Ciotti, que se aliou com o Reunião Nacional (RN, de extrema direita) e vendo depois que a esquerda, que tinha feito campanhas separadas do (Raphaël) Glucksmann, que criticava muito Jean-Luc Mélenchon (líder do LFI, França Insubmissa, de extrema esquerda), e eles voltam juntos como se nada tivesse acontecido... Eu achei que no final não era possível (para Macron) fazer de outra maneira", acredita a advogada.

Por outro lado, o candidato Sérgio Coronado, defende que não há nenhuma novidade na coligação da Nova Frente Popular, pois de acordo com ele, as forças de esquerda e organizações democráticas, sempre se unem "quando há o perigo de extrema direita".

Para Coronado, "a novidade foi a decisão do presidente da República que, sem nenhuma obrigação, resolveu dissolver a Assembleia Nacional e convocou eleições em três semanas". O ex-deputado denuncia que "o debate vai ser limitado. É uma maneira de 'maltratar' a democracia e os eleitores", condena.

Ele defende a "Nova Frente Popular como a única opção" contra a extrema direita e aposta de que os apoiadores de Macron não conseguirão chegar ao segundo turno marcado na França para 7 de julho (nas zonas do exterior em 6 de julho). Segundo a legislação eleitoral francesa, um candidato vai ao segundo turno se obtiver ao menos 12,5% de votos no primeiro turno. 

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Referindo-se a questões defendidas pelos ambientalistas, sobre evitar meios de transporte poluentes, em suas redes sociais o ecologista se queixa por ter como única opção o avião para seus deslocamentos, na reta final da campanha na América Latina e Caribe.

Para tentar diminuir sua pegada de carbono, Coronado revelou aos seus seguidores nas redes sociais que leva pouca bagagem, nunca no porão, sempre apenas mala de mão, roupas confortáveis e um par de tênis para encontrar os franceses de países onde ele foca sua campanha, como o México. 

Dupla-nacionalidade e acesso à cidadania francesa 

Sobre o assunto que gera grande interesse, o republicano Bertrand Dupont defende a ideia de aquisição de nacionalidade francesa por estrangeiros que cumpram requisitos para a naturalização e que aceitem "os valores da República francesa".

Aos 52 anos, Dupont vive há 26 na América do Sul, sendo o Brasil sua casa desde 2004. O político apoia a reformulação dos critérios para entrada de imigrantes em solo francês, pois, segundo ele, "a França não tem capacidade" para receber tantos estrangeiros.

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"A França tem uma tradição para o que se chama de direito de asilo. A gente sempre teve uma tradição de acolhimento de quem é perseguido no seu país, que seja por religião, sexo, orientação sexual. E isso tem que continuar, faz parte da nossa tradição, faz parte dos nossos valores. Mas sobre a imigração descontrolada ou ilegal, estou a favor, sim, de uma política muito mais rígida", explica o conselheiro local do Brasil, que é pai de dois franco-argentinos.    

Já a candidata da extrema direita pelo Reunião Nacional (RN) ao cargo de deputada da zona eleitoral América Latina e Caribe, Marie-Nathalie Gonçalves, 51, procurada pela RFI, ainda não respondeu às perguntas sobre imigração e as propostas do partido sobre o tema. Ela, atualmente assistente parlamentar do RN, é filha de imigrantes: mãe brasileira e pai português.

Marie-Nathalie republicou, na sexta-feira (21), em sua conta no Tik Tok (@rn.33.medoc) onde tem mais de 4 mil seguidores, uma lista de medidas defendidas pelo RN, dentre elas "deter o fluxo de imigrantes" e a favor do "fim do direito de solo", que garante aos filhos de estrangeiros a possibilidade de obter nacionalidade francesa quando nascidos na França. 

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A macronista Eléonore Caroit que é dominicana, francesa e suíça, acredita que é preciso romper com a narrativa defendida pela extrema direita de que seja preciso escolher uma única pátria. "Isso é um perigo bem forte, mas a extrema esquerda também tem um discurso forte contra os franceses (que vivem) no estrangeiro", aponta ela.   

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Os franceses da América Latina e do Caribe 

Os três candidatos ouvidos pela reportagem concordaram em alguns pontos principais de preocupações dos franceses de sua circunscrição. Sendo os mais comentados por eles a acesso aos serviços consulares, educação dos filhos e a saúde. 

O republicano Bertrand Dupont estima que o "perigo" vem tanto "da coligação de esquerda quanto da deputada macronista", a quem acusa de apenas adotar "ações de marketing". Ele destaca em sua página na internet de campanha que "conhece bem as preocupações se seus compatriotas" e destaca seu trabalho a favor da Previdência Social dos Expatriados (CFE, Fundo francês no exterior), que passou a funcionar pela primeira vez no Brasil. 

Dupont contabiliza apenas três liceus franceses no Brasil e diz que há um projeto de aumentar os estabelecimentos educacionais no país. Talvez o único ponto no qual concorda com os rivais Sergio Coronado e Eléonore Caroit.

A candidata macronista destacou a importância das instituições de ensino e de acesso à cultura e língua francesas no exterior como um de seus trabalhos primordiais em seu curto mandato, interrompido após pouco mais de um ano como deputada da 2ª circunscrição. 

Eléonore também defendeu uma maior proximidade entre Brasil e França. "Como deputada, eu trabalhei muito em reforçar essa relação França-América Latina e França-Brasil, em particular, pois acho que é um bom momento", disse ela, referindo-se ao ano de 2025, que será a temporada de trocas culturais entre a França e o Brasil.

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O ex-deputado Sérgio Coronado (Nova Frente Popular) lamentou o "desaparecimento da América Latina da agenda política francesa" e destacou a importância da região sobre "desafios contemporâneos" os quais, ele acredita que o presidente Emmanuel Macron não dá a devida importância como líderes franceses anteriores.

Coronado cita "ecologia na Amazônia, o extrativismo petroleiro e mineiro, o combate feminista, a luta pelos direitos das minorias e desigualdades" como temas fortemente debatidos nos países latinos e que deveriam pautar a agenda francesa.

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