Relatório sobre taxação de super ricos prevê arrecadação de até US$ 688 bilhões

Ficou pronto o relatório encomendado ao economista francês Gabriel Zucman pela presidência brasileira do G20 sobre a taxação dos super ricos como forma de levantar recursos para enfrentar as grandes questões globais. O documento é o ponto de partida das discussões das 19 maiores economias do mundo, mais a União Europeia (UE) e a União Africana. A aplicação de uma taxa de pelo menos 2% sobre o patrimônio dos bilionários pode gerar receitas extra aos países de cerca de US$ 250 bilhões ao ano.

Vivian Oswald, correspondente da RFI no Rio de Janeiro

Em um segundo momento, esse universo de contribuintes poderia incluir as pessoas com patrimônio superior a US$ 100 milhões. Neste caso, a arrecadação poderia chegar até US$ 688 bilhões anuais, ou cerca de R$ 3,7 trilhões, anualmente. Entretanto, tudo tem de ser negociado entre os países.

A ideia é uma das "meninas dos olhos" do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e bandeira do governo brasileiro neste G20. Embora ainda encontre resistências, já tem adeptos. Conta com apoio, por exemplo, da França, Bélgica, África do Sul, Colômbia, União Africana e a simpatia de alguns sul-americanos, mas não dos Estados Unidos. 

Os números são de Zucman, que é diretor do Observatório Fiscal Europeu. Este é o potencial da arrecadação. As receitas vão variar de acordo com o universo de pessoas que se escolher tributar, o percentual do imposto a ser criado e as ferramentas que terão para identificar, fiscalizar e cobrar os contribuintes. Está tudo sobre a mesa de negociações.

Há muitas tecnicidades e especificidades. Não é fácil encontrar um padrão tributário comum entre os países. Aliás, tampouco é fácil entrar em acordo sobre quem deverá ser tributado. Por isso Zucman propõe começar com os bilionários, pessoas cujo patrimônio seja superior a US$ 1 bilhão. Se a tributação incidir só sobre os ativos dessas pessoas, que, acredita-se, sejam três mil pelo mundo, a arrecadação anual será de US$ 250 bilhões.

Hoje, segundo dados apresentados por Gabriel Zucman, essas pessoas pagam quase nada em imposto de renda. Zero na Holanda. Na França, um dos países entusiastas da criação do tributo, 0,8% e nos Estados Unidos, 8%. Para se ter uma ideia, do final da década de 1980 até este ano, esses contribuintes terão recolhido uma média de 0,3% em imposto de renda por ano. Nesse mesmo período, a riqueza dessas pessoas teve um ganho de 7,5% ao ano, já descontados os efeitos da inflação. A média do aumento da renda de adultos no mundo não passou de 1,3%. Isso explica por que esse 0,0001% da população mundial passou a deter 14% do PIB global, em vez dos 3% de 40 anos atrás.

Ponto de partida

Zucman diz que seu relatório é ponto de partida para as conversas técnicas, que devem alimentar o debate político. Deve demorar anos até que a ideia saia do papel. Ele disse ainda que, se perguntassem a ele uma década atrás se achava viável esse tipo de tributação, responderia que jamais. Mas admite que os tempos são outros e que as desigualdades sociais são crescentes.

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Ele ainda lembra que mais de 130 países firmaram acordo parecido para tributar em pelo menos 15% empresas multinacionais. Até pouco tempo, muitas mudavam seus endereços fiscais para se beneficiar de tributos mais baixos mundo afora. O acordo entrou em vigor este ano, mas as discussões em torno dele começaram em 2015. Zucman diz que a experiência com essas negociações pode ajudar na implementação do tributo sobre os bilionários, que não precisa do aval de todos os países do mundo para passar a valer. O das multinacionais existe sem os Estados Unidos, que nunca tiveram o acordo aprovado pelo Congresso.

Zucman defende, porém, que quanto mais adeptos, mais eficiente. Ele ainda sugere a criação do chamado "imposto de saída". Este último seria adotado para tributar os bilionários que mudassem seus ativos para nações que estejam fora do acordo. Seria uma forma de compensar o país onde deixou de pagar tributos e até de estimular os que não aderiram, a querer para eles essas receitas.

A maioria dos países já dispõe de métodos para avaliar a riqueza de topo da cadeia, porque têm impostos sobre herança (ou propriedade) e outras ferramentas. Isso é o início natural para a implementações do padrão proposto. Ainda assim, há entraves para que se calcule de maneira exata o valor dos ativos desses bilionários. De acordo com os dados disponíveis, segundo o relatório, cerca de metade da riqueza dos bilionários globais está em ações de empresas listadas publicamente, que são fáceis de avaliar. A outra metade está em ações em empresas privadas. Ele sugere maneiras de se chegar aos seus valores. Outras formas de riqueza, como obras de arte, representam uma pequena fração do patrimônio dos bilionários, mas também há como se chegar aos seus valores, já que obras de arte valiosas em geral têm seguro. Zucman sugere que os valores desses seguros sejam reportados às autoridades fiscais.

O economista afirma que a tributação dos super ricos mexe com a regressividade dos impostos de renta no topo da cadeia, é o futuro das sociedades modernas e da coesão social. A situação como está hoje, segundo ele, é insustentável. A agenda agrada a população de diferentes países e deve ajudar as democracias mundo afora.

As discussões devem ir além da presidência brasileira do G20, que termina em novembro durante a reunião de cúpula de chefes de Estado e de governo, no Rio de Janeiro.

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