Ascensão da extrema direita na França preocupa africanos, que temem ainda mais discriminação

A possível chegada do partido Reunião Nacional ao poder na França preocupa os africanos que têm parentes no país. O temor cresceu desde que o líder do partido, Jordan Bardella, anunciou na segunda-feira (24) sua intenção de proibir os cidadãos com dupla nacionalidade de ocuparem cargos públicos "sensíveis". Ele será nomeado primeiro-ministro caso a legenda vença as eleições legislativas antecipadas, que acontecem nos dias dias 30 de junho e 7 de julho.

A dois dias do primeiro turno das eleições legislativas a extrema direita lidera as pesquisas, à frente da Nova Frente Popular. A ascensão do Reunião Nacional está sendo acompanhada de perto no continente africano.

A indignação cresceu principalmente depois de o RN ter deixado clara sua intenção de proibir que certos cargos "sensíveis", como na área da defesa por exemplo, sejam proibidos para cidadãos com dupla nacionalidade.

Alioune Tine, fundador do think tank AkricaJom Center, vive em Dacar e atua em questões de democracia e paz na África Ocidental. Ele pediu aos líderes africanos que se manifestem contra a extrema direita e está preocupado com o programa do RN. "Os líderes africanos devem assumir a sua responsabilidade e pedir que a diáspora africana não dê um único voto para a extrema direita", alerta. 

"Quando ouvimos o que Jordan Bardella diz, ficamos totalmente indignados, especialmente em relação aos franceses que têm dupla nacionalidade e que não poderiam ocupar certos cargos", lamenta. "É espantoso que possamos considerar que, agora, há dois tipos de franceses na República: os franceses da França, de origem. E os outros. Isso é uma prática racista. É extremamente perigoso e seria um retrocesso enorme para a França", completa.

Na Universidade Cheikh Anta Diop, em Dacar, muitos estudantes têm laços acadêmicos ou familiares com a França. Ousmane Diangar está no primeiro ano de Nutrição e tem acompanhado de perto a política francesa e os debates das últimas semanas. "O RN defende opiniões que dividem. Quando dizem que vão limitar a dupla nacionalidade, isso me preocupa porque tenho uma família na França que nos ajuda aqui e seus empregos são mais estáveis", contou à Juliette Dubois, correspondente da RFI no Senegal.

Estudante desiste de vir à França

Ousmane também planeja continuar seus estudos na França, mas questiona se isso será possível. "Depois que terminar meu curso de Nutrição, só poderei fazer o mestrado aqui, não tem doutorado. Então obviamente os países que me receberiam mais facilmente seriam a França e o Canadá. Com a França, seria muito mais fácil, mas tenho medo do que pode acontecer quando os extremistas chegarem ao poder".   

Oum Kalsoum Ba está em seu primeiro ano de Direito. Ela desistiu de vir à França para continuar seus estudos. "Estava nos meus planos, mas deixei para lá. Tenho medo de ser mal recebida e maltratada, principalmente nós, mulheres que usamos véu. Somos marginalizados", diz. Segundo a OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, cerca de 160 mil emigrantes senegaleses residiam na França em 2020.

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Mundo artístico africano também teme ascensão do RN

O artista, bailarino e coreógrafo burquinense Serge Aimé Coulibaly exporta os seus espectáculos há mais de 20 anos para França e para o resto do mundo.

Da Austrália, onde fará um show no início de julho, ele também acompanha a política francesa. Para ele, a ascensão ao poder da extrema direita provavelmente terá sérias consequências para os artistas africanos, que já vinham enfrentando dificuldades - ele lembra que as restrições de visto já estavam impedindo um grande número de artistas africanos de se apresentarem na Europa.

"Isso terá um impacto enorme no nosso trabalho e no nosso trânsito entre os países. Mas o impacto será talvez menos importante do que pensamos, porque já o vivenciamos. Sempre foi algo muito complicado para nós, artistas do continente africano, que só queremos circular. É como se não fizéssemos parte do mundo", denuncia. "Nos últimos anos, tem havido cada vez mais atos racistas, mais e mais ações contra estrangeiros, especialmente africanos. Também sentimos isso na nossa posição, na frequência e apresentação dos nossos espetáculos na França", resume.

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