Prata de Caio Bonfim coroa história familiar com a marcha atlética, esporte negligenciado no Brasil

O Brasil conquistou a sua segunda prata nos Jogos Olímpicos de Paris: Caio Bonfim ficou em segundo lugar na marcha atlética, disputada na manhã desta quinta-feira (1?º) em frente à Torre Eiffel. A medalha de Caio coroa uma história familiar com essa modalidade do atletismo, um esporte negligenciado no país.

"Difícil não foi aqui. Difícil foi desde o primeiro dia que eu comecei a marchar até chegar aqui. Vencer o preconceito, chegar nessas provas na América do Sul e todo mundo: 'quem é esse cara? Brasil? Brasil não tem nem embaixador' [do esporte]", contou Caio, emocionado, depois da competição.

"Eu tive que conquistar, marchar não como latino-americano, mas como europeu. A rejeição, desacreditado, injustiçado. Ouvi muita coisa", disse, entre as lágrimas. "A gente chegou aqui e é o trabalho de uma vida. Eu não sei dizer para vocês o que significa isso tudo."

Caio cresceu sob a influência do esporte: ele é filho de Gianetti Sena Bonfim, oito vezes campeã brasileira, e João Bonfim, também marchador. Nos anos 1990, João foi técnico de "Gia", como é conhecida, e os dois se casaram. Hoje é ela a técnica da equipe brasileira em Paris.

"Eu só comecei com 16 anos porque era muito difícil ser marchador. Em Londres, eu falei para a mãe: quem disse que você não é atleta olímpica? Hoje nós estamos na quarta olimpíada e eu posso dizer para ela: nós somos medalhistas olímpicos", celebrou o atleta.

Medalha é de toda a família 

Pelas ruas da capital francesa, a família de Caio engrossava a torcida pelo brasileiro, que disparou na primeira das 20 voltas no circuito no Trocadéro e chegou a abrir sete segundos de margem para os adversários. Durante toda a marcha, ele esteve entre os cinco primeiros, e finalizou o percurso atrás do equatoriano Brian Daniel Pintado.

"Até agora eu estou sem palavras com o que aconteceu. Não consegui nem chorar ainda, acho que não caiu a ficha. Muito feliz pelo Caio, pelo pai, a minha mãe", disse o irmão de Caio, Evam. Ele conta que o atletismo sempre foi o assunto dos almoços de família.

"É atletismo o tempo inteiro. Minha mãe quase veio numa Olimpíada, mas não deu certo", recorda-se. "Estamos aqui na quarta do Caio e ganhamos essa medalha de prata para coroar esse momento tão importante. O ritmo estava muito tranquilo para ele. Para um brasileiro, que em Brasília nessa época faz 35 graus muito cedo, para ele foi tranquilo e ele conseguiu até o final."

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Evam lembra que, nos Jogos de Londres, a primeira de Caio e na qual o marchador encerrou em 39?ª posição, havia "três ou quatro" brasileiros torcendo pelo irmão. A Olimpíada do Rio de Janeiro foi especial por acontecer no próprio Brasil, mas em Tóquio Caio completou a marcha sem público, devido à pandemia de Covid-19.

"Aqui é muito diferente do que foi Londres, em que a gente estava mais sozinho. Agora, com a medalha, a gente tem com quem comemorar, se abraçar e chorar junto: tio, tia, primos, a sogra dele, esposa. Estão todos aqui. E no Brasil, medalha não tem cor. Medalha é medalha, e a prata é uma alegria imensa, é um presente."

'Vaquinha' para comprar passagem

O tio de Caio, Giscard, tem o sobrinho como um filho: era ele quem cuidava do menino quando a mãe, Gia, viajava para competir pelo país. "Ela começou quando ninguém sabia que a marcha existia, e ele cresceu vendo ela e optou pela marcha. Hoje, a medalha veio aqui na França, uma medalha que é dele, é de toda a família e também de um clube, o CASO (Centro de Atletismo de Sobradinho-DF), que forma, não só atletas, mas cidadãos, num esporte que é tão difícil no Brasil."

Menos conhecido e prestigiado que outras modalidades, o atletismo não desfruta dos mesmos investimentos que o futebol ou o vôlei recebem. "As famílias têm que fazer vaquinha para comprar passagem, para poder ir competir. Não é o caso dele agora, porque ele está com um bom patrocinador. Mas nada foi fácil", comenta Giscard, também bastante emocionado.

"O esporte no Brasil não tem o seu devido valor. Vamos fazer um pedido para os empresários: invistam nos brasileiros, porque nós temos grandes atletas", pede o tio do medalhista.

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