Bloqueio do X abala ambiente de negócios no Brasil? Especialistas analisam

Desde o bloqueio da rede X no Brasil pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, empresários alegam que a medida prejudica o clima de negócios no país. A decisão traria um ambiente de "insegurança institucional" para as empresas que operam no Brasil e poderia afugentar investimentos estrangeiros.

Moraes suspendeu as operações e o uso da plataforma em território brasileiro depois que o X se recusou a nomear um representante legal no país, num contexto de suspeita de que a rede estimula a disseminação de conteúdos falsos e discursos de ódio. O dono da rede, o bilionário americano Elon Musk, fomenta há meses um embate com o ministro do STF, que ele acusa de tentar censurar a rede.

O caso gerou repercussão mundial - e ocorre uma semana depois do dono da plataforma Telegram, Pavel Durov, ser detido em Paris por descumprir ordens judiciais.

"O mercado brasileiro pode ser penalizado se alguns atores internacionais estimarem que o acesso está mais difícil. Isso pode criar, a médio e longo prazo, efeitos negativos", reconhece Julien Maldonato, diretor de digital trust da auditoria Deloitte. "Mas um país deve poder tentar manter uma forma de soberania em alguns assuntos, seja de negócios ou da gestão da comunicação e da informação. É preciso tentar encontrar um equilíbrio dinâmico, porque ao longo do tempo, esses equilíbrios serão sempre questionados."

Tentativas de controle afetou investimentos na China

Apesar de inúmeras tentativas pelo mundo, o controle das plataformas digitais se tornou quase impossível - nem os países abertamente autoritários conseguem, salienta Nathalie Janson, professora associada de Finanças da Neoma Business School, em Rennes.

"Levanta dúvidas sobre a capacidade das empresas multinacionais poderem fazer negócios nestes países, se as regras podem mudar de um dia para o outro. É uma questão colocada há uns 10 anos na China, aliás, que tem um governo autoritário", explica a especialista em finanças digitais. "Depois dos problemas com o empresário Jack Ma e diversas proibições de atuação, o clima de negócios se tornou, evidentemente, desfavorável - e a China teve uma baixa dos investimentos estrangeiros. Então, acho que a questão é legítima no Brasil."

A professora evoca a delicada fronteira da liberdade de expressão, que pode entrar em conflitos com diferentes leis dos países. Janson destaca que em muitos deles, o X salvou vidas e ajudou a combater regimes opressivos.

"A pressão por maior regulação é importante ao gerar debate, para as pessoas saberem por que estão querendo regular as plataformas. Porém, eu não acho que essa pressão terá um impacto maior do que o já vimos na Europa, que conseguiu aprovar o Digital Services Act."

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Para Musk, dois pesos, duas medidas

O caso de Elon Musk tem uma especificidade em relação a outras redes sociais: o bilionário faz uso político da plataforma que comprou em 2022. Ele faz campanha pelo candidato republicano Donald Trump nos Estados Unidos e, de forma mais ampla, milita contra a esquerda.

Musk escolheu a dedo os pedidos judiciais ou de governo que recusaria - em 80% dos casos pelo mundo, acatou sem alarde as solicitações oficiais de suspensão ou fechamento de contas no X, observa Maldonato.

"Estamos vivendo estes novos equilíbrios, nos quais as potências tecnológicas chegam a ter mais poder e impacto que um Estado. Musk pode se servir dessa força tecnológica e capitalista que ele tem para influenciar correntes de pensamento no seu próprio país e no exterior", afirma o consultor francês. "Ele acha que existe praticamente só um caminho, a corrente de um mercado muito livre e libertário, e que só haverá progresso desta forma."

A confrontação Musk x Moraes no Brasil impulsionou o crescimento de uma rede social concorrente, o Bluesky, que passou de 6 para 8 milhões de usuários em pouco mais de três dias. Nathalie Janson, entretanto, demonstra ceticismo quanto ao fim da hegemonia do ex-Twitter, anunciada desde que a rede foi comprada pelo controverso bilionário.

"Vimos que os movimentos alternativos, como o Mastodon, não foram muito longe na concorrência. Tenho a impressão de que acontecerá a mesma coisa no Brasil", avalia. "É claro que é bom e é sadio que haja concorrência, mas acho que o Twitter vai continuar sendo a rede de referência, apesar das suas confusões com a Justiça."

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Julien Maldonato considera a possibilidade de as redes operarem mais "em forma de arquipélago", ou seja, com mais diversidade, conforme os interesses dos usuários. "Mas a diversidade pode levar à fragmentação e ao isolamento - poderemos ter pequenas ilhas digitais que talvez não se falarão mais entre elas. Seria lamentável, mas não esqueçamos que a tendência das pessoas sempre foi evoluir das fraturas: elas acabam por reunir para alcançarem escala e tamanho maiores", salienta ele.

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