'Desobediência' e 'boicote': como iranianos se uniram contra regime que já matou mais de 500 civis

O anúncio da morte de Mahsa Amini em 16 de setembro de 2022, três dias depois dela ter sido presa pela polícia moral do Irã, marcou o início do movimento "Mulheres, Vida, Liberdade". Mais de 500 manifestantes foram mortos durante esses protestos, e dezenas de milhares de pessoas foram presas. Algumas delas foram condenadas à morte pelos tribunais revolucionários do Irã. Dois anos depois, o regime iraniano continua a ameaçar seu povo, que, embora testado e cansado, não admite nenhuma derrota.

Iris Adassa, da RFI

Não são apenas as mulheres que se revoltaram no Irã, após o assassinato da jovem Mahsa Amini na prisão. Num movimento espontâneo e massivo, os homens iranianos - incluindo esportistas e jogadores de futebol - se uniram a elas, contra um regime cada vez mais hermético e assassino.

"Não sinto nada além de ódio por esse regime", diz Mohammad* sem hesitar. Para esse jovem de quase 18 anos, há dois anos, o regime ultrapassou todos os limites. "Na rua, entre as pessoas que foram mortas estavam nossos amigos, companheiros de infância e conhecidos. As cenas que vimos durante aquele período são irreparáveis", acrescenta. Vali, 19 anos, também se lembra. "A mensagem era: 'Se você participar dos tumultos, nós atiraremos e mataremos você' [...] Foi uma revolução muito amarga, dias muito difíceis e muito tristes", explicou à RFI.

Dois anos após a morte de Mahsa Amini e o início do movimento "Mulheres, Vida, Liberdade", a repressão feroz do regime ainda está fresca na mente das pessoas, tanto em Teerã quanto nas províncias: "Temos um governo muito violento para o qual os seres humanos não têm importância e que não se importa em matar idosos, jovens ou crianças... E ele deve sua vitória naquela época [dois anos atrás] a essa violência. Muitas famílias estão de luto e todos estão com medo", diz Lily, natural de Shiraz.

Desobediência civil

De acordo com o último relatório da ONG Irã Human Rights, de abril de 2023, cerca de 537 manifestantes foram mortos pelas forças de segurança durante os protestos de dois anos atrás. Ainda hoje, alguns manifestantes presos correm o risco de serem condenados à pena de morte por ousarem protestar contra o regime. Portanto, para mostrar sua oposição àqueles que os governam e à sua ideologia arcaica, os civis estão usando as únicas armas que lhes restam: desobediência civil e boicotes.

"Hoje, eu me visto como quero", explica a jovem Mehrnoush, de Isfahan. "Posso ser repreendida por partidários do regime ou pela polícia da moralidade, mas essa é minha maneira de lutar". De acordo com Mehrnoush, embora a repressão às manifestações tenha de fato assustado a população, os eventos que se seguiram à morte de Mahsa Amini também deram mais coragem àqueles que desejam se manifestar em voz alta contra o regime.

Mehrnoush tinha 21 anos na época e hoje só usa o véu islâmico em seu carro, para evitar multas. As autoridades podem rastrear os infratores usando suas placas de identificação. Elas podem chegar ao ponto de imobilizar o veículo. Na verdade, um ano após a morte de Mahsa Amini, os deputados iranianos aprovaram uma lei que aumenta as penas pelo não uso do véu. "Eles são muito sensíveis a essa questão, pois sabem que, se cederem nesse ponto, gradualmente terão que ceder em outros pontos também", explica Lily, uma iraniana de 48 anos.

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Ela também está satisfeita por notar uma nova abertura de espírito por parte de algumas pessoas: "Percebi que a mentalidade dos homens melhorou muito. Em alguns lugares até senti que eles me olhavam com mais respeito por ter escolhido as roupas que eu queria usar", explica.

O mesmo se aplica a Mehrnoush, que acrescenta: "Aqueles cujas mentes estavam podres ainda têm a mesma mentalidade doentia. No oeste do Irã, em Tabriz, Reza, 28 anos, observa que a tradição ainda resiste: "Quanto menores as cidades, mais profundamente enraizadas estão a religião e a tradição. Em Teerã, é diferente: não usar o véu é uma forma de torcer o nariz para o regime", acredita.

"A nova geração é um pouco mais livre quando se trata de véus e relacionamentos com o sexo oposto, mas isso não é necessariamente uma coisa boa, porque essa liberdade é, acima de tudo, o resultado do desespero. As pessoas não têm mais nada a perder. Isso não reflete necessariamente uma mente mais aberta", lamenta Samaneh, 29 anos.

Boicote a eleições, candidaturas...

A outra arma usada pela população para se opor ao regime é o boicote. Após o acidente de helicóptero que tirou a vida do presidente conservador Ebrahim Raissi em maio passado, os iranianos lançaram uma campanha para boicotar a eleição presidencial. O objetivo: impedir que o regime se legitime graças a um alto comparecimento às urnas. 

"Jamais votarei em um regime que empunha a espada, a forca, as armas e as prisões contra o povo com uma mão e coloca uma urna na frente do mesmo povo com a outra", disse Narges Mohammadi, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz de 2023, da prisão. O povo foi parcialmente bem-sucedido em sua aposta, já que o comparecimento no primeiro turno foi de 40%, o mais baixo da história da República Islâmica do Irã.

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No dia a dia, alguns iranianos também decidiram boicotar aplicativos locais. O Snapp!, o Uber iraniano, é um exemplo. "Durante as manifestações, as pessoas perceberam que muitos haviam sido presos e seguidos graças a esse aplicativo [...]. [...] Eles coletaram endereços por meio de entregas ou viagens das pessoas", explica Lily. Além do Snapp!, ela também boicota as redes de supermercados estatais. "Faço compras em supermercados particulares, mesmo que isso me custe mais caro. Eu me sinto melhor assim."

Elnaz, uma musicista de 37 anos, já havia decidido boicotar alguns eventos para os quais foi convidada durante o movimento "Mulheres, Vida, Liberdade", embora eles representassem uma oportunidade para ela. "Tive a impressão de que era para fazer as pessoas acreditarem que tudo estava normal, quando, na verdade, nada estava", lembra. Hoje, Elnaz tenta, por conta própria, normalizar o fato de que uma mulher no Irã pode tocar um instrumento e fazer rock ou metal sem ser vista como uma "garota má".

"Espero que eles se destruam"

Embora a oposição continue, a esperança de mudança não é tão forte. Para Vali, nos últimos dois anos, "os jovens se tornaram mais autônomos, mais maduros, mais razoáveis e mais informados, mas não há dúvida de que esse regime continua a impor restrições e está cedendo os recursos do país para seus representantes na região, tornando-nos mais pobres", lamenta. "Para atacar um país, a primeira coisa a fazer é destruir seus jovens e fazê-los perder a esperança em relação ao futuro, às condições de vida e ao progresso", diz Mohammad. "Espero que eles se destruam", desabafou. 

"Meu relacionamento com o regime não mudou; eu não gostava deles antes e também não gosto agora. Naquela época, eu não era maduro o suficiente, via as coisas, ouvia as opiniões de todos, mas hoje posso pensar por mim mesmo. Os que estão no poder não são legítimos nem aceitáveis em nenhum campo. Nem na economia, nem na política, nem no meio ambiente", diz Mehrnoush.

Em sua opinião, enquanto a maioria da população que deseja mudanças não se unir, nada acontecerá. Reza concorda: "A pátria é um lugar onde existe um 'nós', mas esse 'nós' precisa ser forte. Mas esse não é o caso aqui, onde todos estão trabalhando por seus próprios interesses", lamenta.

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"Hoje, a maior consequência é que a emigração dos jovens aumentou muito e, no fundo, alguns deles dizem que nada vai mudar", lamenta Samaneh, que também gostaria de ir embora: "Amo muito o Irã, mas não tenho esperança e tenho medo constante de que algo ruim aconteça conosco", explica. "Espero que eles se destruam. Caso contrário, infelizmente, a população desarmada não tem poder contra esse regime violento e seu coração de pedra", conclui Lily com tristeza.

* Todos os nomes das testemunhas foram alterados.

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