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Argentina quer cobrar por ensino público universitário em que brasileiros são maioria

Javier Milei, presidente da Argentina, durante a cúpula do G20 Imagem: Alexandre Brum

Márcio Resende;

correspondente da RFI em Buenos Aires

04/12/2024 07h10Atualizada em 04/12/2024 11h10

Reforma do regime migratório na Argentina tende a afetar um universo de 12 mil brasileiros. Eles são maioria entre os estrangeiros nas faculdades de Medicina, atualmente gratuitas. Medidas podem afetar, também, brasileiros não-residentes que precisem de atendimento médico. As mudanças preveem ainda um endurecimento das regras e dos prazos para a emissão de residência permanente, um requisito para obter direitos de forma gratuita.

O governo argentino prepara uma reforma no regime migratório para que estrangeiros passem a pagar pelo ensino nas universidades estatais e pelo atendimento em hospitais públicos. Também para justificar a expulsão do país de imigrantes que cometam delitos.

A medida que afeta diretamente os brasileiros é a cobrança pelo ensino universitário público.

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"As universidades nacionais poderão cobrar dos estudantes estrangeiros não-residentes. Um de cada três estudantes de Medicina é estrangeiro", apontou o porta-voz da Presidência, Manuel Adorni, com mira nos estudantes brasileiros, maioria entre os estrangeiros na carreira de Medicina.

Segundo um relatório do Ministério do Capital Humano da Argentina, com base nos números mais atualizados disponíveis (2022), há 20.255 mil estudantes brasileiros em cursos de Medicina no país, dos quais 12.131 estão no sistema público, concentrados na Universidade de Buenos Aires, na Universidade Nacional de Rosario e na Universidade de La Plata, respectivamente.

No que se refere à cobrança pelo atendimento médico, a medida está mais orientada a chilenos, bolivianos e paraguaios que cruzam a fronteira por atendimento gratuito de qualidade, incluindo "excursões sanitárias".

O governo não deu detalhes sobre as medidas nem revelou um rascunho do projeto, mas, no anúncio, o porta-voz diz que serão para os estrangeiros não-residentes.

"Os organismos nacionais, provinciais ou municipais competentes em matéria de Saúde vão determinar as condições de acesso ao sistema, incluindo a possibilidade de cobrar pelo serviço aos estrangeiros que não residirem no país", explicou Manuel Adorni. "Nós nos despedimos dos 'tours sanitários'", definiu.

Não está claro, no entanto, se a cobrança incluiria os turistas estrangeiros que requeiram atendimento de emergência. Nesse caso, os brasileiros são maioria entre os estrangeiros.

"O objetivo das medidas é avançar a um país ordenado, que cuide das suas fronteiras e que proteja os seus cidadãos", afirmou Manuel Adorni.

Previsão de endurecimento na concessão de documentos

Como atualmente, as universidades aceitam inscrições de brasileiros que deram entrada no pedido de residência sem que ainda a tenham, a expectativa é que o projeto de lei, a ser enviado ao Congresso, inclua um endurecimento, explícito ou encoberto, nas regras e nos prazos para a concessão de residência permanente.

Um estrangeiro pode pedir residência permanente depois de três anos de residência temporária no país. Se o estrangeiro for de algum país do Mercosul, esse prazo cai para dois anos. Por lei, os brasileiros têm uma vantagem sobre qualquer outro estrangeiro. Podem pedir a residência permanente sem passar pela temporária.

A entrada no pedido gera imediatamente uma "residência precária" até a emissão da permanente, entre seis e doze meses depois. Nesse período, o brasileiro já pode se inscrever numa universidade pública, sem necessidade de vestibular. Embora a "residência precária" leve apenas poucos dias, as universidades costumam aceitar a inscrição provisória apenas com documento brasileiro, concedendo um prazo para a apresentação do pedido.

Tudo indica que a intenção do governo argentino é permitir o ensino e o atendimento gratuitos apenas para os residentes permanentes. O temor entre os estudantes é que haja um endurecimento nas regras e uma demora maior para a concessão do documento, forçando os brasileiros a pagarem enquanto não obtém uma situação definitiva ou esperarem a conclusão do processo para se inscreverem.

Cobrança será decisão final de cada universidade

A cobrança, no entanto, requer uma decisão das próprias universidades federais que possuem autonomia.

O mesmo vale para os hospitais provinciais, aqueles que não são controlados pelo governo nacional. Atualmente, quatro províncias, fronteiriças com Chile e Bolívia, já cobram dos não-residentes.

"Desde que implementaram esta medida em Salta (fronteira com a Bolívia), por exemplo, o atendimento aos estrangeiros diminuiu 95%", citou o porta-voz.

A maior província do país, Buenos Aires, governada pela oposição peronista ao presidente Javier Milei, respondeu que não vai cobrar nem pelo ensino, nem pelo atendimento médico, entendendo que a medida não tem impacto significativo, a não ser em gerar ódio contra os imigrantes.

"Carecem de conhecimento do funcionamento do sistema e só procuram provocar, gerar ódio e ressentimento", acusou o ministro da Saúde da província de Buenos Aires, Nicolás Kreplak.

"Por trás da desculpa de cortar o gasto público, esconde-se um forte debate sobre a concepção do direito à saúde e o papel do Estado. Na província de Buenos Aires, somente 0,2% das consultas e 0,8% das internações são de estrangeiros. A crise econômica não justifica a estigmatização e a exclusão", criticou o ministro provincial.

Para o governo, a decisão visa que o residente argentino esteja acima do não-residente.

"Um antigo desejo que muitos de nós temos: que os residentes argentinos tenham melhores condições que um estrangeiro em vários aspectos. Que venham tirar recursos dos argentinos, é pouco justo", considerou Adorni.

No sistema universitário estatal, há 79.834 alunos que estudam gratuitamente. Os estrangeiros representam 4% do total, tendo duplicado entre 2015 e 2022.

Do total de estrangeiros, 16% são brasileiros, 14% peruanos, 9% paraguaios, 8% bolivianos, 7% colombianos, 7% equatorianos, 6% venezuelanos e 3% chilenos.

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