Declarações de Macron sobre "ingratidão" de países da África irrita líderes do continente

Declarações feitas por Emmanuel Macron durante a tradicional conferência de embaixadores franceses organizada nos dias 6 e 7 de janeiro em Paris fizeram reagir líderes do continente africano. O chefe de Estado acusou países da região do Sahel de "ingratidão" ao reagir sobre o anúncio do encerramento de parcerias militares da França com a África. O discurso foi visto como um "insulto" por representantes do Senegal, Chade e Burkina Faso. 

Com informações de Nadia Ben Mahfoudh, correspondente da RFI em N'Djamena (Chade) e agências

Em discurso de abertura da conferência de embaixadores, Emmanuel Macron afirmou que "a França não está em declínio na África", apesar dos países terem exigido a saída das tropas de Paris de seus territórios. "Somos simplesmente lúcidos, estamos nos reorganizando. Nós escolhemos nos mudar porque tínhamos que nos mudar. Tínhamos um relacionamento de segurança [com os países do Sahel]", afirmou o presidente francês.

No Sahel, Burkina Faso e Níger obtiveram a retirada das forças francesas de seu território e o Chade exigiu sua saída até o final de janeiro. O Senegal também pediu o fechamento das bases francesas e o fim de toda presença militar estrangeira até final de janeiro de 2025.

"Acho que esqueceram de nos dizer obrigado", lançou Macron durante a conferência. "Não importa, isso virá com o tempo. A ingratidão, como bem sei, é uma doença que não pode ser transmitida aos humanos", acrescentou o presidente.

"Mas digo isto por todos os líderes africanos que não tiveram a coragem de enfrentar a opinião pública: nenhum deles estaria hoje à frente de um país soberano se o Exército francês não tivesse sido destacado para esta região", afirmou.

As declarações de Macron foram mal-recebidas entre os líderes africanos. O capitão Ibrahim Traoré, chefe da junta militar de Burkina Faso, reagiu às declarações de Macron na segunda-feira (13). "Ele insultou todos os africanos [...] É assim que esse senhor vê a África, vê os africanos. Não somos humanos aos seus olhos", disse ele em uma cerimônia.

As relações entre Burkina Faso e a França se deterioraram desde que o capitão Traoré assumiu o poder em setembro de 2022, após um golpe militar.

"Observações que beiram o desprezo pela África e pelos africanos", reagiu por sua vez o presidente chadiano Mahamat Déby logo após as declarações de Macron. Durante uma cerimônia na última terça-feira (7), ele expressou sua indignação com os comentários de seu colega francês, acrescentando que "Emmanuel Macron está falando sobre a época errada". O chefe de Estado chadiano também afirmou que a retirada das tropas francesas foi uma decisão inteiramente do Chade.

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Retirada das tropas é decisão soberana

Na noite de segunda-feira (6), o primeiro-ministro senegalês Ousmane Sonko também contestou que a retirada anunciada dos soldados franceses do Senegal teria dado origem a negociações, como afirma o presidente francês.

Sonko disse na rede social X que a declaração era "totalmente errada" e afirmou que "nenhuma discussão ou negociação tinha acontecido até a data [sobre o fechamento das bases francesas]" e que esta decisão tomada pelo Senegal "decorre por sua única vontade, como um país livre, independente e soberano".

Grande crítico da presença francesa em seu país antes de chegar ao poder no ano passado, Ousmane Sonko também rejeitou duramente as declarações de Emmanuel Macron sobre a "ingratidão" de certos líderes africanos que não estariam à frente de países soberanos sem a mobilização do Exército francês.

"A França não tem capacidade nem legitimidade para garantir a segurança e a soberania da África. Pelo contrário, muitas vezes contribuiu para desestabilizar certos países africanos, como a Líbia, com consequências desastrosas observadas na estabilidade e segurança do Sahel", respondeu o chefe do governo senegalês.

E finalmente, afirmou que era o momento de "lembrar ao presidente Macron que se os soldados africanos, às vezes mobilizados à força, maltratados e, por fim, traídos, não tivessem sido mobilizados durante a Segunda Guerra Mundial para defender a França, ela talvez ainda fosse alemã hoje". O post foi acompanhado de uma foto de soldados senegalenses, conhecidos como "tirailleurs", que lutaram durante a Primeira Guerra Mundial.

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O tema da soberania é particularmente sensível para o primeiro-ministro senegalês, que prometeu acabar com a presença militar estrangeira no Senegal durante sua companha eleitoral.

Anúncio surpresa

Para diminuir as tensões, fontes diplomáticas francesas garantiram, na noite de terça-feira passada, em Paris, que as declarações do presidente da França foram retiradas de seu contexto e que elas não se dirigiam ao Chade e ao Senegal, mas sim os países da Aliança dos Estados do Sahel (Mali, Burkina Faso e Níger).

O presidente do Senegal, Bassirou Diomaye Faye, anunciou em 28 de novembro e novamente em 31 de dezembro o fechamento das bases militares francesas no país, a partir de 2025, pegando o governo francês de surpresa.

Os franceses e os senegaleses mantiveram contato sobre esse assunto diversas vezes nos últimos meses. O gabinete do primeiro-ministro senegalês afirma que ainda não foi definido um cronograma preciso quanto ao fechamento efetivo das bases militares francesas.

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Pouco mais de 200 soldados franceses ainda estão baseados em Dacar. Segundo uma fonte militar francesa, duas bases, localizadas perto do porto da capital, já estão vazias há vários meses e prontas para serem entregues ao Senegal. No entanto, nada foi decidido ainda, de acordo com uma fonte militar francesa, sobre a última base e o número de soldados franceses que devem permanecer para fornecer treinamento ou deixar o país. Eles dizem que estão esperando uma discussão política com as novas autoridades, o que ainda não ocorreu.

"Que a França respeite as decisões e a política soberana do povo chadiano"

O ministro das Relações Exteriores do Chade, Abderaman Koulamallah, lamentou, na segunda-feira (13) os comentários do presidente francês em uma declaração lida na televisão nacional.

"O governo da República do Chade expressa a sua profunda preocupação após as recentes declarações feitas pelo presidente da República Francesa, Emmanuel Macron, que refletem uma atitude de desprezo com a África e os africanos", afirma ele antes de pedir aos "líderes franceses [...] para aprenderem a respeitar o povo africano e [para] reconhecer o valor dos seus sacrifícios" e recordarem o "papel determinante" desempenhado pela África e pelo Chade "na libertação da França durante as duas guerras mundiais. Seus "imensos sacrifícios" foram "minimizados" sem que "nenhum agradecimento digno desse nome fosse expresso", afirma Abderaman Koulamallah.

No seu comunicado de imprensa, o chefe da diplomacia chadiana também alega que "em 60 anos de presença [no Chade], [...] a contribuição francesa tem sido muitas vezes limitada aos seus próprios interesses estratégicos, sem qualquer impacto real duradouro no desenvolvimento do povo chadiano" antes de concluir pedindo a Emmanuel Macron que se concentre em "resolver os problemas que preocupam o povo francês".

No site Tchadinfos, Aziz Mahamat Saleh, ministro da Infraestrutura, também responsável pela comunicação do Comitê para a retirada das forças francesas do Chade, pediu "que a França respeite as decisões e a política soberana do povo chadiano".

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Voltando à decisão tomada por Ndjamena de romper seus acordos de defesa com Paris em 28 de novembro, ele também explicou que foi uma "decisão cuidadosamente considerada [...]. [O presidente] apenas aplicou a vontade soberana e nacionalista dos chadianos", declarou.

Após a partida dos caças franceses e a "libertação" da base de Faya-Largeau, a 760 km ao norte de Ndjamena, no mês passado, Aziz Mahamat Saleh anunciou também que as tropas francesas se retirariam da base militar de Abéché em 11 de janeiro e que a sua retirada total e definitiva do país ocorreria no dia 31 de janeiro, de acordo com o prazo imposto pelas autoridades chadianas.

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