"Nada do que está sendo feito no Brics visa contrapor quem quer que seja", diz embaixador brasileiro
As expectativas a respeito dos primeiros passos do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, na Casa Branca, a partir de 20 de janeiro, têm provocado preocupação ao redor do mundo. Entretanto, o embaixador brasileiro Eduardo Saboia, negociador-chefe do Brics neste ano de 2025, está otimista quanto aos avanços que os 11 países do Sul Global poderão alcançar nos próximos meses, apesar da imprevisibilidade do republicano.
Em entrevista à RFI, o embaixador Eduardo Saboia frisou que o Brics, ampliado para 11 membros plenos - Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia, e Irã - continuará a discutir meios de pagamento que possam reduzir os custos das transações comerciais entre os emergentes, um dos temas prioritários estabelecidos pela presidência brasileira neste mandato.
"O objetivo da nossa colaboração é fomentar comércio e investimento, gerar riqueza e melhorias para populações dos países do Brics", recordou Saboia. Ele negou que o grupo trabalhe para desdolarizar a economia ou criar uma moeda própria.
"Seria um contrassenso, uma vez que os países do Brics são grandes detentores de reservas em dólar. Nossas discussões acontecem dentro de uma lógica de faciliar as transações", afirmou. "Nada do que está sendo feito no Brics é voltado a se contrapor a quem quer que seja. A ideia é 'construir e complementar' a discussão de como facilitar os fluxos de investimento", acrescentou.
Durante seu primeiro mandato (2017-2021), Donald Trump travou uma guerra comercial com a China. Às vésperas de seu retorno à Casa Branca, ele advertiu Pequim e os demais membros do Brics que vai impor tarifas de 100% se tentarem acabar com o domínio internacional do dólar.
"Nós tivemos em 2008 uma grande crise que teve seu epicentro nos Estados Unidos e que afetou a Europa. Os países do Brics foram chamados a participar de um esforço para relançar a economia mundial com políticas expansionistas, o que eles fizeram, e também para participar de mecanismos de financiamento. O Brasil, na época, se tornou até credor do FMI. Então, o esforço dos países do Brics na área da trilha financeira sempre tem sido de ajudar na reforma da governança, mas dentro de um espírito de colaboração", pontuou o negociador-chefe brasileiro. Outro aspecto dessa atuação é facilitar as trocas intra-Brics.
'Vida que segue'
Saboia lembra que o grupo de emergentes trabalha com uma perspectiva muito diferente daquela herdada após a Segunda Guerra Mundial. "Hoje, você tem uma realidade, uma configuração diferente. O Brics participa da construção das discussões do G20, das discussões no âmbito da ONU e isso vai continuar. Se haverá dificuldades [com o retorno de Trump], não sei. É vida que segue", declarou Saboia.
A cúpula de chefes de Estado do Brics está prevista para acontecer em julho, no Rio de Janeiro, a fim de dar ao governo brasileiro tempo para se dedicar aos preparativos finais da COP30, a conferência da ONU sobre o clima, marcada para novembro, em Belém.
Questionado sobre a contribuição do Brics às negociações da COP30, Saboia disse que os emergentes irão trabalhar neste semestre para que a "equação financeira feche", referindo-se aos fundos necessários para a mitigação e adaptação impostas pela transição climática.
No acordo firmado na COP29, em Baku, no final de novembro, os países desenvolvidos se comprometeram a fornecer US$ 300 bilhões anuais até 2035 para apoiar nações em desenvolvimento no combate às mudanças climáticas. O valor pretendido era de US$ 1,3 trilhão anual. Essa diferença ficou para ser equacionada na COP30.
A declaração final da conferência realizada no Azerbaijão permite que países em desenvolvimento, como China e Estados do Golfo, contribuam de forma voluntária para a transição. A responsabilidade principal recai, no entanto, sobre as nações desenvolvidas pelo histórico de contribuição para o aquecimento global, embora a China seja - atualmente - o maior emissor de gases de efeito estufa no mundo.
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