Personagem da semana

Donald Trump e a escalada do radicalismo antidemocrático

Por Carolina Marins

Donald Trump deixa no próximo dia 20 a presidência dos EUA. Mas, ainda hoje, a sua vitória nas eleições de 2016 é motivo de estudos.

Como um bilionário, apresentador de programa e sem carreira política ou militar, se tornou presidente da maior potência mundial?

CARLOS BARRIA/REUTERS

Embora sua vitória naquelas eleições tenha sido uma surpresa, ela vinha
se desenhando na sociedade e na política americana anos antes.

A ascensão de Trump ocorreu junto
do crescimento do radicalismo
de extrema-direita nos Estados
Unidos e no mundo.

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Os EUA têm um longo histórico ligado à extrema-direita, sendo o berço do maior grupo supremacista do mundo: a Ku Klux Klan. Porém, supremacistas, nacionalistas e neonazistas tendiam a ser grupos pequenos e pouco relevantes no cenário político.

Mas acontecimentos recentes favoreceram o seu crescimento.

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Em meados da década de 2010, surgiu um movimento chamado
Alt-right (direita alternativa, em tradução livre) que reciclava os discursos de supremacistas, nacionalistas, conservadores
e populista para a internet.
Fortemente xenofóbico, o movimento tem no feminismo e no Islã os seus maiores inimigos.
EDU BAYER/NYT
O movimento continuava pequeno e restrito a fóruns na internet. Porém, eventos daquela década iriam favorecer o aumento do nacionalismo, em especial na Europa, o que também alimentava os Alt-right nos EUA.
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Em 2010, a Primavera Árabe trouxe diversas mudanças para a região do Oriente Médio. Mas também provocou a maior crise humanitária da atualidade: um êxodo migratório para os países europeus.

Com os refugiados, também veio a xenofobia, e movimentos nacionalistas europeus ganharam força.

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O ápice do movimento nacionalista na Europa foi observado em 2016, quando, em uma votação com resultado surpreendente, o Reino Unido decidiu se separar da Europa.

O famoso Brexit. O plebiscito foi marcado por acusações de manipulação da opinião, notícias falsas e até interferência externa.

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Um ano antes, em 2015, Trump anunciou publicamente o seu desejo de concorrer à presidência, animando os alt-right que viam no bilionário um expoente de seu discurso conservador. Em sua campanha, Trump imitou as estratégias do brexiteers.
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Além disso, Trump recebeu apoio
de um importante líder da direita alternativa: Steve Bannon, líder de
O Movimento. Bannon foi o responsável por pautar a campanha de Trump com as promessas de expulsar islâmicos, endurecer a imigração, armar a população, proteger a família tradicional e, principalmente, construir um muro na fronteira com o México.
Nicholas Kamm/ AFP
O bilionário já havia tentando concorrer à presidência em 1987 e em 2000, mas o cenário extremista de 2016 favoreceu que sua campanha decolasse. Em especial, graças ao apoio de uma ala extremada do Partido Republicano e que até então tinha pouca força: os Tea Party.
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Com ajuda de Bannon e o apoio
de uma líder dos Tea Party, a
ex-candidata à vice-presidente
em 2008 e ex-governadora do Alasca, Sarah Palin, Trump construiu uma campanha com discursos inflamados, recheado de notícias falsas para difamar sua adversária, a democrata Hillary Clinton, e surfando a onda do conservadorismo.
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Embora não fosse um Alt-right declarado, Trump já havia participado de movimentos conspiratórios no passado. Em 2008, ele foi um nome proeminente do movimento "Birther" que questionava o país de nascimento do então candidato à presidência Barack Obama (ele dizia ser o Quênia, mas Obama nasceu no Havaí).

Mais tarde, Trump admitiria que seus questionamentos não tinham qualquer embasamento.

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Além de falar com os extremistas, Trump inovou ao falar também com outra parcela esquecida do eleitorado americano: a classe média-baixa branca, pouco instruída e que havia empobrecido nos anos anteriores.

Uma parcela que podia até não concordar em absoluto com os extremistas, mas também não
os rechaçava.

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Com ajuda de Steve Bannon, Trump apostou sua campanha em duas estratégias: se colocar como o outsider (ou seja, o nome vindo de fora da política) e utilizar o extremismo. Assim como a campanha do Brexit, ele trabalhou para desqualificar Hillary e utilizou do nacionalismo para prometer uma "América novamente grandiosa".
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A estratégia, juntamente com a candidatura em um partido tradicional e respeitado como o Republicano, ajudou a elegê-lo no Colégio Eleitoral, mas não nos votos populares, o que também já demonstrava uma forte rejeição por parte do eleitorado.
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Com Trump, a extrema-direita mundial ganhou um reforço de peso. Outros líderes extremistas, como Matteo Salvini, na Itália, e Viktor Orbán, na Hungria, vibraram.

Aqui, Jair Bolsonaro se elegeu repetindo a cartilha trumpista e tem mantido a estratégia até agora.

TOM BRENNER

Durante o mandato, Trump abandonou os Alt-right. Bannon foi demitido.

Muitas de suas pautas não avançaram, como o muro. Mas, ainda assim, ele agiu para reverter pautas de costumes como o aborto, foi linha dura com a migração, negou o aquecimento global e garantiu uma maioria aos conservadores na Suprema Corte.

Olivier DOULIERY / AFP
Mesmo após abandonar a direita alternativa, Trump não deixou de defendê-los em alguns momentos.
O mais marcante deles foi quando
não repreendeu uma manifestação
de supremacistas brancos em Chartlottesville. Mais tarde, os elogiou.
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Nem todas aquelas pessoas eram neonazistas, acreditem. Nem todas aquelas pessoas eram supremacistas brancos. Aquelas pessoas também estavam lá porque queriam protestar contra a derrubada de uma estátua.

Donald Trump sobre protestos de supremacistas brancos.
Reuters
Além de não repreender esses movimentos supremacistas, Trump começou a compará-los com as manifestações de esquerda, como o Black Lives Matter (Vidas Negras Importam, em tradução livre). Essa atitude sacramentou a sua derrota nas urnas. Derrota essa que vinha se desenhando desde o início da pandemia do novo coronavírus.
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Mesmo sem Bannon e os Alt-right, Trump continuou utilizando a estratégia extremista de desqualificar a imprensa e, principalmente, o sistema eleitoral americano.

Sua mais recente cartada foi acusar as eleições de 2020 de fraude e incitar seus apoiadores a mancharem rumo ao Congresso, que terminou invadido e depredado.

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Assim como fez durante todo o seu mandato, o presidente não repreendeu os manifestantes do Congresso. Se pronunciou apenas depois de grande pressão de seus colegas e, ainda assim, chamou os vândalos de pessoas "muito especiais" e que eles eram amadas por ele.
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A postura de Trump na última semana foi vista como uma insurreição nunca antes vista na história moderna dos EUA e um tentativa de golpe às instituições democráticas que devem deixar marcas no país e no mundo.
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Tenho esperado com terror por este dia na democracia americana nos últimos quatro anos. Nossa democracia está em grave crise e este é o ponto culminante dela. Mas não é que tenha saído do nada. Nossa democracia está em crise há vários anos, e acho que vai continuar assim.

Steven Levitsky,
Autor de "Como as Democracias Morrem" em entrevista à BBC.
Win McNamee/Getty Images

Com a saída de Trump, especialistas esperavam que os movimentos populistas do mundo perdessem força, já que seu maior apoiador sairia de cena. Mas o episódio do Capitólio parece ter mudado essa percepção.

Trump sai deixando a democracia americana mais fragilizada do que quando entrou e deve influenciar líderes de outros países.

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No Brasil, o presidente Jair Bolsonaro já deu sinais de deve contestar o resultado das eleições de 2022, em especial se o voto não for impresso, como pede.

Há algum tempo, ele tem alegado ter ciência de indícios de fraudes na eleição que o elegeu em 2018, que alega, sem provas, ter vencido no primeiro turno.

Analistas temem que ele siga o exemplo do aliado.

Reuters

Se nós não tivermos o voto impresso em 22, uma maneira de auditar o voto, nós vamos ter problema pior que os Estados Unidos.

Jair Bolsonaro
Marcos Corrêa/PR

Desde as eleições de 2018 que o elegeram, Bolsonaro vem construindo a narrativa de fraude nas eleições. Script repetido nas eleições municipais de 2020.

Com uma democracia muito mais nova e menos sólida que a americana, o temor é o tamanho do estrago que as atitudes do presidente daqui pra frente podem trazer para o Brasil.

Alexandre Neto/Photopress/Estadão Conteúdo

[Jair] Bolsonaro gosta muito de copiar o modus operandi do Trump. Faz algum sentido, sim. Podemos ter [ações como a invasão do Capitólio], sim, mas não sei se Bolsonaro tem a mesma competência do Trump para conseguir destruir a democracia do país.

Carlos Gustavo Poggio,
Professor da Faap (Fundação Armando Alvares Penteado)
Mateus Bonomi/AGIF/Estadão Conteúdo

Quem também vai sofrer com as consequência do governo trumpista é o tradicional partido Republicano. Embora não se apoie nos ideais de Trump, foi conivente com seus atos.

A dificuldade agora será lidar com as vozes extremistas do partido que ganharam força nos anos Trump. Além de precisar reconstruir uma liderança republicana com boa reputação para as próximas eleições.

Ethan Miller/Getty Images/AFP
Finalmente Trump concordou em fazer a transição presidencial, mas já sob novas ameaças de impeachment e até de ser retirado via emenda constitucional. Ele sai deixando no ar as intenções de retornar em 2024 para um novo pleito.
Reuters

Seu legado como 45º presidente dos Estados Unidos será o de uma sociedade dividida, uma democracia arranhada, instituições fragilizadas e um sistema eleitoral em suspeição para grande parte da população.

Além de um manual sobre extremismo para o resto do mundo.

Mandel Ngan/AFP
Publicado em 09 de janeiro de 2021.

Edição: Clarice Cardoso e Luciane Scarazzati.

Arte: Ana Carolina Malavolta.