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Não me sentarei. Não me calarei

Jorge Ramos

03/09/2015 00h01

Tudo começou quando Trump lançou sua candidatura em junho e disse: "Quando o México envia sua gente, não envia os melhores. Não envia gente como vocês. Estão enviando pessoas com muitos problemas, e elas trazem consigo esses problemas. Trazem drogas. Trazem crimes. São violadores. E alguns, suponho, são bons."

A realidade é outra. A grande maioria dos sem documentos não é de criminosos. E todos os estudos, como o do Centro de Políticas de Imigração, concluem que o índice de criminalidade entre os imigrantes é inferior ao dos nascidos nos Estados Unidos. Tampouco havia alguma evidência --nenhuma!-- de uma conspiração do governo do México para enviar criminosos ao norte.

O que Trump dizia não era verdade. Era preciso enfrentá-lo e desmenti-lo. Por isso lhe enviei uma carta de meu próprio punho, com meu telefone celular, solicitando uma entrevista. Nunca me respondeu. Mas publicou minha carta na internet (sim, tive de trocar meu celular). Desde então estive buscando a maneira de lhe fazer estas perguntas:

1. Como pensa em deportar os 11 milhões de sem documentos? Com o Exército? Deteria milhares de pessoas em estádios?

O plano migratório de Trump incluiria uma das maiores deportações em massa da história moderna.

2. Se conseguisse mudar a Constituição para tirar a cidadania dos filhos de sem documentos, para onde deportaria os bebês que não têm pátria nem passaporte?

3. Para que construir o maior muro do mundo entre dois países --com 3.126 quilômetros de comprimento--, se quase 40% dos sem documentos vêm de avião com o visto temporário e depois ficam?

Seria um desperdício de tempo e dinheiro.

Com essas perguntas fui a Dubuque, Iowa, onde Trump faria um discurso e daria uma entrevista coletiva. Acredite-me, cheguei quase duas horas antes à sala de imprensa. Trump entrou, dois repórteres fizeram suas perguntas antes de mim, depois eu disse que tinha uma pergunta sobre imigração. Ninguém se opôs, levantei-me, comecei a fazer minha pergunta e, de repente, o candidato (visivelmente incomodado com o que ouvia) tentou me tirar a palavra e me mandou sentar.

O restante está nas redes sociais (podem ver aqui). Não me sentei e não me calei. Disse que, como jornalista, imigrante e cidadão norte-americano, tinha o direito de fazer uma pergunta, mas Trump ordenou a um de seus guarda-costas que me tirasse dali. Nunca, em meus mais de 30 anos como jornalista, havia sido expulso de uma entrevista coletiva. Para mim, isso só poderia acontecer em ditaduras, e não nos EUA.

Depois de dez minutos --e da pressão dos jornalistas Tom Llamas, da ABC News, e Kasie Hunt, da MSNBC--, Trump teve de consertar e me permitiu voltar à sala de imprensa. Mas o fiz sob uma condição: que me deixassem fazer minhas perguntas. E as fiz. Trump, como sempre, não quis ser específico em suas respostas (aqui está o diálogo).

Acusaram-me de ser um ativista. Mas sou simplesmente um jornalista que faz perguntas. O que acontece é que, como jornalista, é preciso tomar partido e assumir um ponto de vista quando se trata de racismo, discriminação, corrupção, mentiras públicas, ditaduras e direitos humanos. E o que Trump está propondo poderia gerar inúmeras e muito graves violações civis contra milhões de pessoas.

Os melhores exemplos de jornalismo que conheço --Edward R. Murrow contra o senador Joe McCarthy, Walter Cronkite denunciando a guerra do Vietnã ou o jornal "The Washington Post" obrigando Nixon a renunciar, entre muitos outros-- ocorreram quando os jornalistas tomaram uma posição e enfrentaram os poderosos. "Devemos tomar partido", dizia o prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel. "A neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima."

É muito perigoso quando um candidato presidencial fala com tanto ódio contra uma minoria e contra os mais vulneráveis de um país. Isso permite que outros sigam seu exemplo e atuem com violência, como o homem que encontrei fora da sala de imprensa e me disse: "Vá embora de meu país, vá embora!" 

"Também é o meu", respondi-lhe.

No final do intenso intercâmbio em Iowa, Trump me disse que nos falaríamos. É o que espero. Ele ainda tem muitas perguntas a responder. Enquanto isso, continuaremos contestando.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves