Na França, eleições legislativas valem como "terceiro turno" para presidenciáveis
Há uma longa tradição de eleições de dois turnos na França. Assim, esse tipo de sufrágio é realizado desde o ano de 1852 nas eleições legislativas e desde 1965 nas presidenciais do país. Cidadãos, partidos políticos e analistas eleitorais possuem uma grande experiência nos desdobramentos do escrutínio em dois turnos. Conforme os especialistas, no intervalo de duas semanas que separam o primeiro turno do segundo, as decisões eleitorais já estão bem cristalizadas e as variações são muito pequenas. Nem a campanha destes últimos dias, nem o debate entre Hollande e Sarkozy que será transmitido pelos dois principais canais de televisão franceses no dia 2 de maio, podem mudar a ordem de chegada no segundo turno do dia 6 de maio.
No contexto mais geral, constata-se que, desde o início de janeiro deste ano, quando começaram a ser regularmente publicadas projeções sobre o segundo turno das presidenciais, Nicolas Sarkozy não obteve mais do que 47% das intenções de voto em nenhuma sondagem realizada pelos oito institutos de pesquisas franceses. Da mesma forma, François Hollande nunca caiu abaixo de 53% da escolha dos eleitores. As últimas sondagens continuam lhe dando uma vitória folgada, atribuindo-lhe entre 54% e 55% das intenções de votos. Além disso, as sondagens mostram que 94% dos que declaram voto em Hollande estão firmemente decididos em sua escolha e não vão mudar de opinião ou se abster no dia 6 de maio.
Quer dizer então que o quadro geral da política francesa já está definido? Não é bem assim. Uma vez decidido o páreo presidencial, haverá eleições legislativas que renovarão completamente a Assembleia Nacional – detentora do essencial do poder legislativo – nos dias 10 e 17 de junho. Como o regime na França é semipresidencialista, formado por um executivo dividido entre o presidente da República (o chefe de Estado) e o primeiro-ministro, chefe do governo eleito pelo sufrágio popular, as legislativas de junho constituem um verdadeiro terceiro turno das eleições nacionais. O presidente eleito poderá ter sua margem de manobra bastante reduzida, se a Assembleia eleita for dominada por partidos da oposição (como aconteceu com o presidente Mitterrand em 1986-1988 e 1993-1995 e com o presidente Chirac em 1997-2002).
Por isso, Sarkozy e Hollande fazem a campanha para o segundo turno olhando também para as legislativas de junho. Hollande sabe que precisa obter uma forte vitória em 6 de maio para enfraquecer a base parlamentar de Sarkozy e eleger mais deputados de esquerda nas eleições de junho. Para tanto, afora os arranjos da campanha presidencial, Hollande deverá estabelecer alianças com o centrista François Bayrou (9% dos votos no primeiro turno) e, sobretudo, com a Frente de Esquerda (Front de Gauche), liderada por Jean-Luc Mélenchon (11% dos votos).
Esse processo explica também a estratégia do Front National (FN). Marine Le Pen sempre soube que suas chances de chegar ao segundo turno e, mais ainda, de vencer a eleição presidencial, eram remotas. Mas a líder do partido de extrema-direita prevê que os 18% de votos reunidos por sua candidatura no primeiro turno da presidencial oferecem-lhe uma base sólida para obter, pela primeira vez na França, uma bancada consistente de deputados do FN nas legislativas de junho.
No jogo complexo de alianças e de antagonismos que dividem a extrema-esquerda, a esquerda, a direita e a extrema-direita, os 18% dos votos obtidos por Marine Le Pen e o Front National ainda pesarão por muito tempo nas eleições legislativas e no destino dos franceses.
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