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Orçamentos do Congresso fraudam trilhões de dólares

Paul Krugman

21/03/2015 00h01

Hoje já é uma tradição do Partido Republicano: todo ano o partido produz um orçamento que supostamente corta deficits, mas que afinal contém um "asterisco mágico" de US$ 1 trilhão - uma linha que promete enormes cortes de gastos e/ou aumentos de receita, mas sem explicar de onde supostamente viria o dinheiro.

Mas os orçamentos que acabam de ser divulgados pelas maiorias da Câmara e do Senado são inovadores. Cada um contém asteriscos mágicos não de US

Mas os orçamentos que acabam de ser divulgados pelas maiorias da Câmara e do Senado são inovadores. Cada um contém asteriscos mágicos não de US$ 1 trilhão, mas de US$ 2 trilhões: um sobre os gastos, um sobre a receita. E isso é na verdade uma afirmação comedida. Se algum dos orçamentos se tornasse lei, deixaria o governo federal vários trilhões de dólares mais afundado em dívidas do que se afirma, e isso apenas na primeira década.

nbsp;1 trilhão, mas de US$ 2 trilhões: um sobre os gastos, um sobre a receita. E isso é na verdade uma afirmação comedida. Se algum dos orçamentos se tornasse lei, deixaria o governo federal vários trilhões de dólares mais afundado em dívidas do que se afirma, e isso apenas na primeira década.

Você poderia ficar tentado a desprezar isto, já que esses orçamentos na verdade não se tornarão lei. Ou poderia dizer que isso é o que todos os políticos fazem. Mas não é. A crua desonestidade fiscal do Partido Republicano moderno é algo novo na política americana. E isso nos diz algo importante sobre o que aconteceu com a metade de nosso espectro político.

Então, sobre aqueles orçamentos: ambos alegam drásticas reduções nos gastos federais. Parte dessas reduções de gastos são especificadas: haveria cortes selvagens em bônus alimentares, cortes igualmente selvagens na Medicaid, além de reverter a recente expansão e o fim dos subsídios ao seguro de saúde do Obamacare.

Estimativas grosseiras sugerem que qualquer dos planos aproximadamente dobraria o número de americanos sem seguro de saúde. Mas ambos também reivindicam mais de US$ 1 trilhão em novos cortes em gastos básicos, o que quase certamente teria de sair do Medicare ou da Seguridade Social. Que forma esses novos cortes assumiriam? Não temos pista.

Enquanto isso, ambos os orçamentos pedem a rejeição da Lei de Saúde de Obama (Lei de Atendimento Acessível), incluindo os impostos que pagam os subsídios de seguros. Isso é US$ 1 trilhão de receita. Mas ambos alegam não ter efeito sobre as receitas fiscais; de alguma forma, o governo federal deveria compensar a receita perdida do Obamacare. Como, exatamente? Aqui novamente não nos dão pistas.

E mais: os orçamentos também propõem grandes reduções de gastos em outros programas. Como estes seriam alcançados? Você sabe a resposta.

É muito importante perceber que isto não é um comportamento político normal. O governo George W. Bush não foi descuidado quando tratou de apresentar planos fiscais ilusórios, mas nunca foi tão descarado. E o governo Obama foi notavelmente escrupuloso em seus pronunciamentos fiscais.

OK, eu já posso ouvir os risos, mas é a simples verdade. Lembra-se de toda a ridicularização das projeções de gastos da Lei de Saúde? Os gastos atuais estão bem abaixo das expectativas, e o Escritório de Orçamento do Congresso remarcou sua previsão para a próxima década em 20% a menos. Lembra-se da zombaria quando o presidente Barack Obama declarou que cortaria o deficit pela metade no final de seu primeiro mandato? Bem, a economia lenta retardou as coisas, mas somente em um ano. O deficit no calendário de 2013 foi menos da metade de seu nível de 2009 e continuou caindo.

Por isso, não, a mentira fiscal ultrajante não é historicamente normal nem bipartidária. É uma coisa republicana moderna. E a pergunta que devemos fazer é por quê.

Uma resposta que você às vezes ouve é que os republicanos realmente acreditam que cortes fiscais para os ricos gerariam um enorme progresso e um surto de receita, mas eles têm medo de que o público não ache essas alegações críveis. Por isso asteriscos mágicos são na verdade substitutos para sua crença na magia da economia pelo lado da oferta, uma crença que continua intacta apesar de os proponentes dessa doutrina terem errado sobre tudo durante décadas.

Mas sou inclinado a uma explicação mais cínica. Pense no que esses orçamentos fariam se você ignorasse os misteriosos trilhões em cortes de gastos não especificados e melhoras na receita. O que resta são enormes transferências de renda dos pobres e da classe trabalhadora, que sofreriam graves cortes de benefícios, para os ricos, que teriam grandes cortes de impostos. E a maneira mais simples de compreender esses orçamentos é certamente supor que eles se destinam a fazer o que realmente fariam: tornar os ricos mais ricos e as famílias comuns, mais pobres.

Mas isto, é claro, não é uma orientação política que o público apoiaria se fosse claramente explicada. Por isso os orçamentos devem ser vendidos como esforços corajosos para eliminar os deficits e pagar a dívida - o que significa que eles devem incluir trilhões em poupanças imaginárias e inexplicáveis.

Isso significa que todos esses políticos que discursam sobre os males dos deficits orçamentários e sua determinação de pôr fim à praga da dívida nunca foram sinceros? Sim, significa.

Vejam, eu sei que é difícil manter a revolta depois de tantos anos de fraudulência fiscal. Mas, por favor, tentem. Estamos olhando para um enorme e destrutivo trabalho de enganação, e você deveria ficar muito, muito bravo.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves