Topo

Os liberais e os salários nos EUA

A democrata Hillary Clinton discursa em comício do lançamento oficial de sua campanha à presidência dos Estados Unidos, em Nova York, no mês de junho - John Moore/Getty Images/AFP
A democrata Hillary Clinton discursa em comício do lançamento oficial de sua campanha à presidência dos Estados Unidos, em Nova York, no mês de junho Imagem: John Moore/Getty Images/AFP

Paul Krugman

17/07/2015 12h23

Hillary Clinton fez seu primeiro grande discurso sobre economia na segunda-feira (13), e os progressistas, de modo geral, ficaram satisfeitos. A mensagem central de Clinton foi que o governo federal pode e deve usar sua influência para pressionar por maiores salários.

Já os conservadores, pelo menos aqueles que conseguiram parar de cantar “Benghazi! Benghazi! Benghazi” por tempo suficiente para prestar atenção, pareciam confusos. Eles acreditam que Ronald Reagan provou que o governo é o problema, não a solução. Portanto, Clinton não estaria revivendo o extinto “paleoliberalismo”? Afinal, não sabemos que a intervenção do governo nos mercados produz efeitos colaterais terríveis?

Não, ela não estava, e nós não pensamos isso sobre a intervenção do governo. Na verdade, o discurso de Clinton refletiu grandes mudanças, profundamente fundamentadas em evidências, em nosso entendimento sobre aquilo que determina os salários. E uma implicação fundamental dessa nova compreensão é que as políticas públicas podem fazer muito para ajudar os trabalhadores sem provocar a ira da mão invisível.

Muitos economistas costumavam pensar que o mercado de trabalho era muito parecido com o mercado de qualquer outra coisa, com os preços dos diferentes tipos de trabalho --ou seja, os salários-- totalmente determinados pela oferta e a demanda. Portanto, se os salários para muitos trabalhadores estivessem estagnados ou perdessem valor, deveria ser porque a demanda por seus serviços estava caindo.

Em particular, atribuiu-se a crescente desigualdade salarial à mudança tecnológica, que aumentou a demanda por trabalhadores altamente qualificados, enquanto desvalorizou o trabalho de colarinho azul. E não havia nada que as políticas públicas pudessem fazer para mudar a tendência, além de ajudar os trabalhadores de baixa renda por meio de subsídios, como o crédito do imposto de renda.

E ainda vemos comentadores desatualizados que invocam essa história como se fosse obviamente verdadeira. Mas a teoria da “mudança tecnológica” como o principal motor da estagnação dos salários caiu por terra, na maior parte. O ponto mais notável é que os altos níveis de formação não ofereceram garantia de aumento da renda. Por exemplo, os salários dos recém-formados, ajustados pela inflação, permaneceram os mesmos por 15 anos.

Enquanto isso, nossa compreensão de determinação dos salários foi transformada por uma revolução intelectual --que não é uma expressão forte demais-- provocada por uma série de estudos notáveis do que acontece quando os governos alteram o salário mínimo.

Mais de duas décadas atrás, os economistas David Card e Alan Krueger compreenderam que, quando um Estado aumenta sua taxa de salário mínimo, ele de fato realiza um experimento no mercado de trabalho. Melhor ainda, é uma experiência que oferece um grupo de controle natural: Estados vizinhos que não aumentaram o salário mínimo. Card e Krueger aplicaram sua ideia acompanhando o que aconteceu com o setor de fast-food, onde os efeitos do salário mínimo devem ser mais pronunciados, depois que Nova Jersey aumentou o salário mínimo, mas Pensilvânia não.

Até o estudo de Card e Krueger, a maioria dos economistas, inclusive eu, assumia que o aumento do salário mínimo teria um efeito negativo claro no nível de emprego. Entretanto, isso não foi observado, e se houve algum efeito, foi positivo. Seu resultado já foi confirmado utilizando dados de muitos episódios. Simplesmente não há evidências de que o aumento do salário mínimo custa postos de trabalho, pelo menos quando o ponto de partida é tão baixo quanto dos Estados Unidos modernos.

Como pode? Há várias respostas, mas a mais importante é provavelmente que o mercado de trabalho não é como o mercado de, digamos, trigo, porque os trabalhadores são pessoas. E como são pessoas, existem benefícios importantes, até para o empregador, em pagar-lhes mais: melhor disposição, menor rotatividade de trabalhadores, aumento da produtividade. Estes benefícios compensam em grande parte o efeito direto dos custos laborais mais elevados, de modo que o aumento do salário mínimo não precisa custar empregos, no final das contas.

O resultado direto desta revolução intelectual é, naturalmente, que devemos aumentar os salários mínimos. Mas há implicações mais amplas: quando você leva a sério o que aprendemos com os estudos de salário mínimo, você percebe que eles não são apenas relevantes para os trabalhadores menos remunerados.

Afinal, os empregadores enfrentam sempre um 'trade-off' entre as estratégias de baixos salários e de salários mais elevados: entre, digamos, o modelo tradicional da Wal-Mart, de pagar o mínimo possível e aceitar a alta rotatividade e o desânimo, e o modelo Costco, de salários mais elevados e benefícios que levam a uma força de trabalho mais estável.

E há toda razão para acreditar que a política pública pode, de diversas maneiras, estimular mais empresas a escolherem a estratégia de bons salários, inclusive tornando mais fácil para os trabalhadores se organizarem.

Portanto, havia muito mais por trás do discurso de Clinton do que a maioria dos comentaristas percebeu. E para aqueles que tentam fazer uma pegadinha salientando que algumas das coisas que ela disse diferem das ideias que prevaleceram quando seu marido era presidente, bem, muitos liberais mudaram seus pontos de vista em resposta a novas evidências. É uma experiência interessante; os conservadores deveriam experimentá-la alguma hora.

Tradução: Deborah Weinberg