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Opinião: Dívida pública é bom e necessário

Paul Krugman

21/08/2015 11h43

Rand Paul disse uma coisa engraçada outro dia. Sim, é verdade - mas é claro que não foi intencional. Em sua conta no Twitter, ele criticou a irresponsabilidade da política fiscal americana, declarando: "A última vez em que os EUA estiveram livres de dívida foi em 1835".

Os bem humorados rapidamente comentaram que a economia americana de modo geral se saiu muito bem nos últimos 180 anos, sugerindo que o governo dever dinheiro ao setor privado talvez não seja uma coisa tão ruim. O governo britânico, aliás, está endividado há mais de três séculos, uma era que abrange a Revolução Industrial, a vitória contra Napoleão e outras coisas.

Mas a questão seria simplesmente que a dívida pública não é tão ruim quanto diz a lenda? Ou ela pode realmente ser algo bom?

Acredite ou não, muitos economistas afirmam que a economia precisa de um volume suficiente de dívida pública para funcionar direito. E quanto é suficiente? Talvez mais do que temos atualmente. Isto é, existe uma tese razoável de que parte do que prejudica a economia mundial hoje é que os governos não estão suficientemente endividados.

Sei que isso pode parecer loucura. Afinal, passamos a maior parte dos últimos cinco ou seis anos em um estado de pânico fiscal, com todas as Pessoas Muito Sérias declarando que devemos cortar os déficits e reduzir a dívida já, ou nos transformaremos na Grécia. Sim, a Grécia.

Mas o poder dos críticos do déficit sempre foi uma vitória da ideologia sobre a evidência, e um número crescente de pessoas realmente sérias - mais recentemente Narayana Kocherlakota, o presidente de saída do Fed em Mineápolis - estão defendendo a tese de que precisamos de mais, e não menos, dívida do governo.

Por quê?

Uma resposta é que emitir dívida é uma maneira de pagar por coisas úteis, e deveríamos fazer mais isso quando o preço está certo. Os EUA sofrem de deficiências óbvias em estradas, ferrovias, sistemas hídricos e outros; enquanto isso, o governo federal pode pedir empréstimos com taxas de juros historicamente baixas. Então este é um momento muito bom para tomar emprestado e investir no futuro, e muito ruim para o que aconteceu de fato: um declínio sem precedentes nos gastos em construção ajustados pelo crescimento da população e a inflação.

Além disso, esses juros muito baixos nos dizem algo sobre o que os mercados querem. Eu já mencionei que ter pelo menos alguma dívida do governo pendente ajuda a economia a funcionar melhor. Como? A resposta, segundo Ricardo Caballero, do MIT, e outros, é que a dívida de governos estáveis e confiáveis fornece "ativos seguros" que ajudam os investidores a administrar os riscos, facilitam as transações e evitam uma corrida destrutiva por dinheiro vivo.

Agora, em princípio, o setor privado também pode criar ativos seguros, como depósitos em bancos que são universalmente considerados sólidos. Nos anos que antecederam a crise financeira de 2008, Wall Street alegou ter inventado classes totalmente novas de ativos seguros, cortando e picando fluxos de caixa de hipotecas subprime e outras fontes.

Mas toda essa engenharia financeira supostamente brilhante veio a ser uma enganação: quando a bolha da habitação estourou, todos os papéis com nota AAA se transformaram em lama. Então os investidores correram de volta para a segurança da dívida dos EUA e de algumas outras grandes economias. No processo, fizeram despencar as taxas de juros dessa dívida.

E essas taxas baixas, declara Kocherlakota, são um problema. Quando as taxas de juros da dívida pública estão muito baixas mesmo quando a economia está forte, não há muito espaço para cortá-las quando a economia enfraquece, tornando muito mais difícil combater as recessões. Também pode haver consequências para a estabilidade financeira: retornos muito baixos de ativos seguros podem levar os investidores a assumir riscos demais - ou incentivar mais uma rodada de truques destrutivos de Wall Street.

O que se pode fazer? Simplesmente aumentar as taxas de juros, como alguns sujeitos das finanças continuam exigindo (de olho em seus próprios resultados), minaria nossa recuperação ainda frágil. Precisamos é de políticas que permitissem taxas mais altas em épocas boas sem causar uma reversão. E uma dessas políticas, afirma Kocherlakota, seria ter como meta um nível de dívida mais alto.

Em outras palavras, o grande pânico da dívida que contorceu o cenário político dos EUA de 2010 a 2012, e ainda domina a discussão econômica na Grã-Bretanha e na zona do euro, estava ainda mais enganado do que nós, no campo antiausteridade, percebíamos.

Não apenas os governos que escutaram os críticos fiscais chutaram a economia quando ela estava em baixa, prolongando a queda; não apenas eles cortaram o investimento público no exato momento em que os investidores em títulos praticamente suplicavam para que gastassem mais; eles podem ter estado nos conduzindo a futuras crises.

E a ironia é que essas políticas burras, e todo o sofrimento humano que elas causaram, foram vendidas com apelos à prudência e à responsabilidade fiscal.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves