Topo

Para conter o HIV, é preciso acabar com as leis repressivas contras as drogas

Relatório relaciona a criminalização contínua do uso das drogas à disseminação do HIV - Shutterstock
Relatório relaciona a criminalização contínua do uso das drogas à disseminação do HIV Imagem: Shutterstock

Richard Branson

28/06/2012 00h01

A Comissão Global para Políticas sobre Drogas, um painel de 21 membros do qual eu faço parte, juntamente com o ex-secretário-geral das Nações Unidas, Kofi Annan, o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo e outros indivíduos famosos, divulgou nesta semana um relatório que demonstra o vínculo entre a criminalização contínua do uso das drogas e a disseminação do HIV.

Há muito se sabe que o próprio uso das drogas está vinculado à doença, mas a análise inédita apresentada por nós mostra como a aplicação de leis criminais ao problema das drogas pode condenar milhares de indivíduos à infecção pelo HIV e a outras doenças potencialmente fatais, como, por exemplo, a hepatite C.

Isso se deve ao fato das leis repressivas empurrarem os usuários de drogas para as margens da sociedade, fora do alcance dos serviços de saúde, fazendo com que eles adotem ambientes e práticas que elevam o risco de transmissão da doença. O uso de agulhas e seringas sujas, que são compartilhadas, torna-se uma prática comum quando os usuários são obrigados a depender de redes criminosas, e isso faz com que dispare o índice de infecção pelo HIV.

Em todo o mundo existem cerca de 33 milhões de pessoas infectadas pelo HIV, e o uso de drogas injetáveis responde atualmente por um terço dos novos casos de infecções registradas fora da região da África subsaariana. Na Rússia, uma nação que aplica com rigor as leis antidrogas, o uso de drogas injetáveis fez com que um dentre cada cem adultos fosse infectado pelo HIV. Segundo algumas estimativas, um dentre cada três usuários russos de drogas intravenosas está infectado pelo vírus.

No mês que vem, os Estados Unidos sediarão a grande Conferência Internacional da Aids. Mais de 20 mil delegados – pessoas que trabalham em áreas de pesquisas sobre o HIV e de tratamento dos pacientes, bem como ativistas, autoridades governamentais e indivíduos que sofrem de Aids – estarão em Washington com o objetivo de defender a ampliação dos esforços globais para o tratamento e a erradicação do HIV.

Os Estados Unidos têm sido um líder global na ampliação do tratamento do HIV em todo o mundo. Há apenas sete meses, a comunidade internacional teve a satisfação de saber que os Estados Unidos se comprometeram ainda mais em lutar para que haja uma geração livre da Aids, e o governo Obama aumentou as verbas para a aquisição de medicamentos antirretrovirais fornecidos por meio do programa Pepfar. O número de indivíduos atendidos pelo programa aumentou de quatro para seis milhões. Entretanto, os Estados Unidos e dezenas de outros países, incluindo a China, a Rússia, a Tailândia e o Canadá continuam aplicando políticas que criminalizam o uso das drogas e que resultam na transmissão do HIV.

A Comissão Global roga aos líderes nacionais e a agências da Organização das Nações Unidas (ONU), como o Departamento de Combate às Drogas e ao Crime das Nações Unidas, que repudiem esta fracassada guerra contra as drogas e avaliem o sucesso das políticas antidrogas por meio de medidas que sejam efetivas para a redução da transmissão da doença, das mortes por overdoses e da violência no mercado de drogas.

A prática de prender indivíduos não violentos que usam drogas precisa terminar. Ela consome desnecessariamente recursos enormes. O tratamento é muito mais barato do que os processos judiciais e o encarceramento de usuários. Os recursos que atualmente cobrem os custos dessas prisões deveriam ser aplicados em opções de tratamento da dependência que têm eficácia comprovada, bem como na adoção de estratégias para a redução do índice de infecções pelo HIV e para a proteção da saúde dos usuários de drogas, como, por exemplo, o fornecimento de seringas, de drogas alternativas e de terapias de manutenção. Os recursos aplicados na atividade policial deveriam se concentrar no combate à ação de membros violentos cartéis do narcotráfico.

As políticas de descriminalização podem dar resultados. Na Austrália, em Portugal e na Suíça, os novos casos de infecções por HIV entre os usuários de drogas quase que desapareceram porque estes usuários estão recebendo tratamento em vez de serem condenados à prisão. A província canadense de Colúmbia Britânica tem tido sucesso no combate ao vírus em meio à sua grande população de usuários de drogas intravenosas. As autoridades da província têm utilizado medidas de eficácia comprovada, incluindo o fornecimento de tratamento para todos, a disponibilização de agulhas e seringas esterilizadas e a criação do primeiro centro de aplicação supervisionada de drogas da América do Norte. Subsequentemente, a Colúmbia Britânica reduziu os casos de infecção por HIV entre a população que injeta drogas de mais de 400 em 1996 para cerca de 50 em 2010.

O fato de outros países não implementarem medidas de saúde pública de eficácia comprovada para a redução dos índices de infecção se constitui em uma omissão criminosa. Apesar das evidências incontroversas de que políticas de saúde pública reduzem substancialmente a transmissão do HIV entre os usuários de drogas injetáveis, os governos continuam reprimindo criminalmente os usuários não violentos. De fato, os Estados Unidos reinstituíram recentemente a proibição do uso de verbas federais para programas de fornecimento de seringas e agulhas esterilizadas. Já é hora de lutar contra tais políticas míopes e destrutivas. Ao adotarem políticas de saúde de eficácia comprovada, a China, os Estados Unidos, a Rússia, o Canadá e vários outros países poderiam prevenir milhões de infecções pelo HIV e salvar incontáveis vidas humanas.

Juntamente com os meus colegas de comissão, eu peço aos líderes de todos os países que reconheçam a relação causal entre a guerra contra as drogas e a disseminação do HIV, e que eles tomem medidas imediatas no sentido de adotar abordagens de saúde pública eficientes em relação às políticas relativas a drogas.

Deixar as coisas como estão não se constitui mais em uma opção aceitável.

* Richard Branson é fundador do Virgin Group e de companhias como a Virgin Atlantic, Virgin America, Virgin Mobile e Virgin Active.