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A verdadeira guerra de ideias com a tomada de Mosul

Thomas L. Friedman

12/06/2014 00h05

A tomada, na terça-feira (10), da cidade iraquiana de Mosul por extremistas sunitas que entraram no Iraque pela fronteira com a Síria ressalta o choque de visões de mundo que está em curso no Mediterrâneo Oriental, que eu testemunhei de perto durante minha visita ao Curdistão há poucos dias. E a situação não tem nada a ver com o que você deve estar pensando.

Não é o governo iraquiano eleito, liderado pelo primeiro-ministro Nouri al-Maliki, que está contra os extremistas sunitas. Al-Maliki é um tirano que tem governado o Iraque como um machista xiita, tanto quanto os militantes sunitas promovem o chauvinismo sunita. Ambos são perdedores. A verdadeira guerra de ideias, a única na qual vale a pena tomar partido, é aquela que está sendo travada entre os extremistas religiosos (sunitas e xiitas) e os ambientalistas comprometidos. Ambos os lados estão, na verdade, tentando eliminar as fronteiras do Oriente Médio, mas por razões muito diferentes.

Tanto os extremistas religiosos quanto os ambientalistas acreditam que suas visões triunfarão apenas quando for possível imaginar o desaparecimento das fronteiras entre Síria, Iraque, Turquia e Líbano e a região for governada por um único sistema político ou tratada como um ecossistema unificado. Se os extremistas religiosos vencerem essa disputa – e, no momento, eles estão vencendo – essa região se tornará uma zona de desastres humanos e ecológicos. Se os ambientalistas ganharem, essa vitória se deverá ao fato de que um número suficiente de cidadãos perceberam que, se não aprenderem a compartilhar esse espaço, eles vão destruir uns aos outros ou, em breve, a Mãe Natureza destruirá a todos eles.

Enquanto estive no Curdistão, eu me encontrei com alguns ambientalistas. E que surpresa boa eu tive! Segundo a visão deles, o Oriente Médio pode se manter dividido em estados separados. Mas a região só poderá ser administrada de modo a beneficiar a maioria das pessoas se for vista como um único ecossistema hidráulico e biológico que está cada vez mais ameaçado por catástrofes naturais ou provocadas pelo homem.

Por exemplo, na década de 1990, a região curda do Iraque sofreu sanções duplas – as sanções da ONU (Organização das Nações Unidas) contra o Iraque de Saddam Hussein e as sanções de Saddam contra o Curdistão. Como resultado, os curdos desmataram maciçamente as encostas da região para queimar madeira e obter energia, acabando com o carvalho curdo nativo e com a cadeia alimentar que sustentava a megafauna (composta pelos mamíferos de grande porte), da qual faz parte o leopardo persa.

É por isso, disse Azzam Alwash, presidente da Nature Iraq e vencedor do Goldman Environmental Prize por seus esforços para salvar os pântanos do Iraque, que o único lugar onde o leopardo persa ainda sobrevive até hoje é na fronteira entre o Irã e o Iraque, cujo solo ainda coberto por minas terrestres que “impedem os caçadores de irem até lá”. E, embora ocasionalmente um leopardo pise acidentalmente em uma dessas minas, os campos minados limitaram tanto a atividade humana que a natureza floresceu novamente na região. Alwash quer manter essas minas por lá, criar rotas de caminhada seguras e batizar o local de “parque da paz”.

O verdadeiro problema, porém, disse Alwash, é a água, recurso que está se tornando tão valorizado atualmente que custa cerca de duas vezes mais por litro do que a gasolina aditivada que os iraquianos usam em seus carros.

“A maior parte do mundo acredita que o Iraque tem petróleo, desertos e guerras”, explicou ele. “Mas o meu Iraque é formado pelas montanhas cobertas de neve do Curdistão e pelos majestosos vales que levam a água e o solo dessas montanhas sagradas até o sul do Iraque. Se nós somos o que comemos, nós, os iraquianos, somos todos constituídos dos minerais das montanhas do Curdistão – todos nós, curdos, xiitas, sunitas, yazidis, turcomanos e cristãos”.

As principais cabeceiras dos rios Tigre e Eufrates estão, de fato, localizadas nas montanhas do leste da Turquia e do Iraque, que são povoadas, em sua maioria, por curdos. No entanto, o aumento do número de secas, do bombeamento de óleo diesel, das necessidades de água para a agricultura e da crescente população da Turquia, além do aumento da demanda de água por parte da indústria do petróleo do Iraque, contribuíram, conjuntamente, para diminuir o fluxo desses dois grandes rios na Síria e no Iraque. A Turquia construiu cerca de 20 grandes barragens e centenas de pequenas e médias barragens para controlar o fluxo dos rios com o intuito de produzir energia elétrica e utilizar a água na irrigação. A Turquia também não está interessada em compartilhar água com militantes curdos inimigos dos turcos que vivem no Iraque e na Síria – e, atualmente, a Turquia mantem relações hostis com o governo da Síria.

O resultado final é que “a agricultura está morrendo na terra onde ela nasceu”, disse Alwash sobre a bacia hidrográfica do Iraque.

Quanto aos extremistas religiosos, o jornal Financial Times publicou recentemente um mapa do Oriente Médio intitulado “Fighters Without Borders” (“Combatentes sem fronteiras”, em tradução livre) mostrando setas coloridas para ilustrar o fluxo de combatentes sunitas, xiitas e curdos espalhados por toda a região – desde o Líbano até a Síria e o Iraque e chegando até o Golfo Pérsico – e que desconsideram qualquer fronteira. Na verdade, o grupo sunita que liderou a tomada de Mosul é chamado de Estado Islâmico do Iraque e do Levante. Assim mesmo, sem fronteiras.

Os ambientalistas imaginam essa região sem fronteiras porque só quando seus rios e reservatórios de água forem gerenciados como um sistema integrado – da Turquia até a Síria e o Curdistão e, mais abaixo, até os pântanos do sul do Iraque – será possível administrar de maneira sustentável seus recursos para o bem de todos. Os extremistas religiosos querem apagar as fronteiras porque quando conseguirem se conectar com seus compatriotas no Líbano, na Síria, no Iraque, na Turquia e no Curdistão cada seita ou grupo étnico poderá ter esperança de escapar de ser governado pelos outros.

Os ambientalistas começam pelos “territórios comuns” e tentam fazer com que todos reflitam sobre o que eles compartilham. Os extremistas começam pela “exclusão” e tentam fazer com que todos a reflitam sobre quem eles temem. O Mediterrâneo Oriental só terá um futuro se o “ismo” escolhido pela região for o do ambientalismo – e não o do pan-xiismo, do sunismo, do turcomenismo, do curdismo ou do islamismo.

Tradutora: Cláudia Gonçalves