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Estado Islâmico, Boko Haram e Batman

Thomas L. Friedman

08/10/2014 00h01

Qual é a estratégia certa para lidar com um mundo cada vez mais dividido entre zonas de ordem e desordem? Para começar, é melhor compreender as forças da desordem, como o Boko Haram ou o Estado Islâmico. São bandos de jovens que estão nos dizendo de todas as maneiras possíveis que nossas regras não valem mais. A razão não consegue atingi-los porque o racionalismo nunca os conduziu. Sua barbárie vem de um lugar escuro, onde o islamismo radical dá uma sensação de comunidade a jovens humilhados e desorientados, que nunca tiveram um emprego ou uma namorada. É uma combinação tóxica.

É por isso que Orit Perlov, uma especialista israelense em redes sociais árabes, me diz que já que não posso visitar o Estado Islâmico e entrevistar seus líderes, a melhor coisa seria ver "Batman: O Cavaleiro das Trevas". Em particular, ela chamou minha atenção para este diálogo entre Bruce Wayne e Alfred Pennyworth:

Bruce Wayne: "Eu sabia que o bando não iria embora sem lutar, mas isto é diferente. Eles cruzaram a linha."
Alfred Pennyworth: "O senhor cruzou a linha primeiro. O senhor os espremeu, os martelou a ponto de desespero. E em seu desespero eles recorreram a um homem que não compreendiam totalmente."
Bruce Wayne: "Os criminosos não são complicados, Alfred. Apenas é preciso descobrir o que eles querem."
Alfred Pennyworth: "Com respeito, senhor Wayne, talvez este seja um homem que o senhor também não compreende inteiramente. Muito tempo atrás, estive na Birmânia. Meus amigos e eu trabalhávamos para o governo local. Eles tentavam comprar a lealdade dos líderes tribais subornando-os com pedras preciosas. Mas suas caravanas estavam sendo atacadas por um bandido em uma floresta ao norte de Rangum. Então, fomos procurar as pedras. Mas em seis meses nunca encontramos ninguém que negociasse com ele. Um dia eu vi uma criança brincando com um rubi do tamanho de uma tangerina. O bandido as havia jogado fora."
Bruce Wayne: "Então por que roubava?"
Alfred Pennyworth: "Bem, porque ele achou que era um bom esporte. Porque alguns homens não procuram nada lógico como o dinheiro. Eles não podem ser comprados, forçados, convencidos ou negociados. Alguns homens apenas querem ver o mundo pegar fogo."
Bruce Wayne: "E o bandido na floresta da Birmânia, você o pegou?"
Alfred Pennyworth: "Sim."
Bruce Wayne: "Como?"
Alfred Pennyworth: "Incendiamos a floresta."

Não podemos simplesmente incendiar a Síria, o Iraque ou a Nigéria. Mas existe uma estratégia para lidar com o mundo da desordem que eu resumiria com esta progressão: onde há desordem --pense na Líbia, Iraque, Síria, Mali, Chade, Somália--, colabore com todas as fontes de ordem local, regional e internacional para combater o vírus até que a barbárie se extinga. Esses grupos não podem governar, então, em última instância, os locais vão buscar alternativas.

Onde há ordem de cima para baixo --como no Egito ou na Arábia Saudita--, tente torná-la mais decente e inclusiva.

Onde há ordem mais decência --como na Jordânia, Marrocos, Curdistão, Emirados Árabes Unidos--, tente torná-la mais consensual e eficaz, também para torná-la mais sustentável.

Onde há ordem mais democracia --pense na Tunísia--, faça o possível para preservá-la e reforçá-la com ajuda financeira e segurança, para que possa se tornar um modelo de imitação pelos Estados e povos ao seu redor.

E seja humilde. Não temos a sabedoria, os recursos ou o poder de permanência para fazer qualquer coisa além de conter esses organismos, até que surjam de dentro os anticorpos naturais.

No mundo árabe, pode demorar mais para que esses anticorpos naturais se formem, o que é preocupante, afirma Francis Fukuyama, o cientista político de Stanford cujo novo livro, amplamente discutido, "Political Order and Political Decay" [Ordem política e decadência política], é um estudo histórico de como surgem os Estados decentes. O que todos têm em comum é uma burocracia estatal forte e eficaz, capaz de produzir governança, o regime da lei e rodízios regulares no poder.

Como nossos pais fundadores estavam escapando da tirania, eles se concentraram "em como o poder pode ser contido", explicou-me Fukuyama em uma entrevista. "Mas antes que o poder possa ser contido, ele tem de ser produzido.... O governo não tem a ver apenas com contenção. Tem de fornecer segurança, infraestrutura, saúde e regime da lei. E qualquer um que possa entregar tudo isso" --inclusive a China- "ganha o jogo, quer seja democrático quer não.... O EI ficou tão grande por causa do fracasso da governança na Síria e no Iraque em entregar os serviços mais básicos. O EI não é forte. Tudo ao redor estava fraco demais", cheio de corrupção e sectarismo.

Há muito fracasso do Estado no mundo árabe, afirma Fukuyama, por causa da persistência de lealdades familiares/tribais, "o que significa que você só pode confiar naquele pequeno grupo de pessoas da sua tribo". Você não pode construir um Estado forte, impessoal, baseado no mérito, quando os únicos laços de união são o parentesco, e não os valores comuns. A China e a Europa levaram séculos para fazer essa transição, mas a fizeram. Se o mundo árabe não puder superar seu tribalismo e sectarismo diante da barbárie do Estado Islâmico, "não há nada que possamos fazer", disse Fukuyama. E seu futuro terá muitas trevas.