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O estouro da manada de elefantes negros

O manejamento correto e sustentável de parques e nascentes diz respeito à sobrevivência dos seres humanos - Eduardo Anizelli/Folhapress
O manejamento correto e sustentável de parques e nascentes diz respeito à sobrevivência dos seres humanos Imagem: Eduardo Anizelli/Folhapress

01/12/2014 00h01

Participei do Congresso Mundial de Parques em Sydney na semana passada e aprendi uma nova expressão: "elefante negro". Um elefante negro, explicou o investidor e ambientalista Adam Sweidan, que vive em Londres, é um cruzamento entre "um cisne negro" (um acontecimento improvável e inesperado com amplas consequências) e o "elefante na sala" (um problema que é visível para todos, mas ninguém quer falar sobre ele), muito embora saibamos que um dia este último terá consequências vastas, parecidas com a do cisne negro.

"Atualmente", diz Sweidan, "há um rebanho de elefantes negros ambientais se reunindo por aí" - aquecimento global, desmatamento, acidificação do oceano, extinção em massa e poluição da água doce em grande escala. "Quando eles nos atingirem, diremos que são cisnes negros que ninguém poderia ter previsto, mas, na verdade, são elefantes negros, bem visíveis no momento." Nós só não estamos lidando com eles na escala necessária. Se todos eles saírem correndo de uma vez, cuidado.

Não, esta não é uma coluna sobre destruição ecológica. Esta tem um final feliz - ou quase isso. A IUCN (União Internacional pela Conservação da Natureza) realiza o congresso sobre unidades de conservação a cada dez anos, mais ou menos, para atrair a atenção para as 209 mil áreas protegidas, que cobrem 15,4% das áreas terrestres e de águas continentais e 3,4% dos oceanos, de acordo com a IUCN.

Eu poderia ter ido para a cúpula do G-20 em Brisbane, mas achei que isso era mais importante - e interessante. Um salão cheio de apresentações sobre parques e guarda-parques da América, África e Rússia, junto com um arco-íris de povos indígenas, cientistas e ambientalistas de todo o mundo - cerca de 6.000 - concentrados em um objetivo: preservar e expandir as áreas protegidas, que são as ferramentas mais poderosas que temos para conter os elefantes negros ambientais. Como assim?

Começa com um fato simples: as florestas protegidas, santuários marinhos e parques nacionais não são zoológicos, não são apenas lugares para ver a natureza. "Eles são sistemas básicos de sustentação da vida" que fornecem água e ar limpos, alimentos, peixes, recreação, temperaturas estáveis e proteção costeira natural "que sustentam os seres humanos", disse Russ Mittermeier, um dos principais primatologistas do mundo que esteve presente.

É por isso que "conservação é autopreservação", diz Adrian Steirn, fotógrafo que vive na África do Sul e falou na conferência. Cada dólar que investimos em proteger os sistemas naturais rende ou economiza muitos dólares de volta. Pergunte às pessoas de São Paulo, Brasil. Elas desmataram morros, destruíram bacias hidrográficas, e agora que estão em uma seca prolongada, estão ficando sem água, perdendo milhares de empregos por mês. Acompanhe esta história.

Andando pelos salões da mostra aqui, dei-me conta da realidade de que aquilo que chamamos de "parques" são de fato o coração, os pulmões e o sistema circulatório do mundo - e estão todos ameaçados.

Onodelgerekh Bathkuu, diretora do Centro Mongol de Ecologia, deteve-me para explicar que o Parque Nacional do Lago Hovsgol, na Mongólia, que compreende 70% da água doce de superfície da Mongólia - 2% da água doce do mundo – e de onde vem 20% da água doce do lago Baical, na Sibéria, está hoje sob enorme pressão dos hoteleiros. "Como fazemos com que eles entendam que o valor de manter o lago pristino é maior do que o de qualquer hotel?", ela pergunta.

John Gross, ecólogo do Serviço de Parques Nacionais dos EUA, que trabalhou em Yellowstone por 20 anos, usa uma simulação da NASA, a agência espacial americana, para me mostrar como a temperatura média em Yellowstone tem aumentado e o impacto que isso tem tido sobre os bancos de neve, que agora estão derretendo mais cedo a cada primavera, o que significa mais perda de água através da evaporação e escoamento rápido, estendendo a temporada de incêndios. Mas, ei, é só um parque, certo?

As pessoas esquecem: o Parque Nacional de Yellowstone é "a maior fonte de água para os rios Yellowstone e Snake", diz Gross. "Milhões de pessoas" - agricultores, pecuaristas e comunidades - "precisam desses dois rios". Os bancos de neve de Yellowstone são a caixa d'água desses rios, e a floresta são os filtros d'água. A integridade do parque é muito importante. O que acontece em Yellowstone não fica apenas em Yellowstone.

Entrevistei, por Skype, o heroico Emmanuel de Merode, diretor do Parque Nacional Virunga, um Patrimônio Mundial da Unesco famoso pelos gorilas das montanhas na República Democrática do Congo.

Dois de seus guarda-parques foram assassinados na semana passada - elevando o número total de guarda-parques assassinados para 140 desde que o parque foi fundado - protegendo o parque de rebeldes contra o regime, bandos que saqueiam ou caçam vida selvagem ou abrindo caminho para os exploradores de petróleo. "Nenhum parque na África tem essa diversidade de espécies", diz de Merode, que já levou vários tiros.

Mas, mais uma vez, este não é apenas um zoológico aberto. Com apenas um pouco de investimento, explica Merode, os rios do parque poderiam fornecer 100 megawatts de eletricidade, além de pesca, ecoturismo e agricultura sustentável que gerariam milhares de empregos para as comunidades pobres ao seu redor.

De fato, se a República Democrática do Congo, destruída pela guerra, estabilizar-se um dia, é possível que comece em Virunga. "Há um grupo central de guarda-parques que mantiveram seus empregos mesmo quando outras instituições (do país) sucumbiram", diz ele. Virunga se "tornou uma ilha de estabilidade". Eis um parque que sustenta um país, e não o contrário.

Calos Manuel Rodríguez, ex-ministro do Meio Ambiente e Energia da Costa Rica e hoje vice-presidente da Conservation International, explicou-me as políticas dos parques - e a diferença entre países que têm o serviço florestal sob o ministério da Agricultura e aqueles que tem o serviço florestal sob um ministério do Meio Ambiente independente.

Os ministros da Agricultura veem as florestas e parques naturais "como madeira que deve ser cortada para algo 'produtivo', como soja, gado ou óleo de coco", diz Rodríguez. Os serviços florestais e ministros do Meio Ambiente "veem as florestas como estoques de carbono, reservatórios de biodiversidade, fábricas de água, de produção de alimentos, máquinas de adaptação climática e locais turísticos", e as protegem.

Adivinhe em que está no primeiro grupo? Honduras e Guatemala, onde muitas pessoas vivem em topos de morro degradados. Cerca de 50 mil crianças foram enviadas da América Central para os EUA este ano - sozinhas. De onde elas vieram? Honduras, Guatemala e El Salvador, os países mais desmatados da América Central. Eles cortam as florestas; nós recebemos seus filhos.

Prometi uma notícia boa – ou quase isso. É a quantidade de pessoas que está se concentrando no valor econômico e nacional de seus ecossistemas. Mas o poder dos financistas e políticos corruptos que ainda controlam os limites do que podemos ou não destruir na natureza – em vez de cientistas e biólogos - continua sendo notícia ruim. Como colocou Adam Sweidan, em lugares demais ainda temos "os vampiros encarregados dos bancos de sangue". Isso precisa acabar, não tanto para “salvar o planeta". O planeta sempre estará aí. Isso diz respeito a nos salvarmos.