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Fatos transformam esperanças em piadas no Oriente Médio

Thomas L. Friedman

Nova York

19/03/2015 00h00

Como diz o ditado, "errar é humano, perdoar é divino", e eu acrescentaria: "ignorar" é ainda mais humano, e os resultados raramente são divinos. Nenhum de nós seria humano se ocasionalmente não ficássemos tão presos aos nossos desejos que deixamos de perceber - ou ignoramos totalmente - os fatos que transformam nossas esperanças em tema de piadas. É só quando o abismo fica largo demais para ignorar que a política muda.

É para aí que grande parte da política dos EUA está rumando hoje em dia no Oriente Médio. Vejam os abismos - sobre o Irã, Israel e o Iraque. Estamos falando sobre nossas opções nesses países com palavras que me parecem defasadas em dez anos. Infelizmente, não estamos mais lidando com o Israel do seu avô, o Irã do seu pai ou o Iraque que seu filho ou filha foram libertar.

Vamos começar por Israel. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seu partido Likud derrotaram o líder do Partido Trabalhista, Isaac Herzog, na corrida para formar o próximo governo de Israel. Netanyahu claramente fez um impressionante avanço de última hora desde as pesquisas pré-eleitorais da semana passada. É difícil saber o que é mais deprimente: que Netanyahu foi para a sarjeta nos últimos dias para salvar sua campanha - renunciando a seu próprio compromisso de uma solução de dois Estados com os palestinos e atraindo os judeus israelenses para irem às urnas porque, segundo ele, muitos árabes israelenses estavam votando - ou o fato de que isso parece ter funcionado.

É claro, Netanyahu pode dar meia volta amanhã. Como escreveu o colunista Nahum Barnea, no "Yediot Ahronot": as promessas de Netanyahu são como algo "escrito no gelo em um dia muito quente". Mas o fato é que a metade de Israel se identifica com as frases paranoicas, de "todos estão contra nós" e religiosas-nacionalistas que Netanyahu utilizou nesta campanha. Isso, juntamente com o fato de que cerca de 350 mil colonos hoje vivem na Cisjordânia, torna difícil ver como uma solução viável de dois Estados ainda seria possível, não importa quem tivesse ganho.

Seria errado, porém, atribuir tudo isso a Netanyahu. A insana e inútil guerra em Gaza que o Hamas iniciou no último verão, que trouxe foguetes para o entorno do principal aeroporto internacional de Israel, e a rejeição pelos palestinos das ofertas de dois Estados feitas por primeiros-ministros israelenses anteriores (Ehud Barak e Ehud Olmert) formaram a base de Netanyahu tanto quanto ele próprio.

Sobre o Irã, existe uma suposição entre os críticos da abordagem do presidente Barack Obama de negociar limites para o programa nuclear iraniano de que se Obama estivesse pronto a impor mais sanções os iranianos cederiam. Não é apenas a história dos últimos 20 anos que zomba dessa ideia. É um fato mais simples: no brutal Oriente Médio, a única coisa que chama a atenção de todo mundo é a ameaça da força que derruba regimes. Obama não tem essa alavancagem no Irã.

Ela se desgastou no Afeganistão e no Iraque, guerras que deixaram nossos militares e nosso país tão exaustos que o ex-secretário da Defesa Robert Gates disse que qualquer futuro secretário da Defesa que aconselhar o presidente a enviar novamente um grande exército americano para o Oriente Médio "deve ter sua cabeça examinada". Se essas guerras tivessem dado certo, o público hoje poderia ter outro sentimento. Mas não deram. A geopolítica tem tudo a ver com alavancagem, e estamos negociando com o Irã sem a alavancagem de uma ameaça de força crível. Os aiatolás sabem disso. Sob essas circunstâncias, tenho certeza de que a equipe de Obama tentará conseguir o melhor acordo possível. Mas um acordo realmente bom não está no cardápio.

Já estraguei sua manhã? Não? Deem-me mais alguns parágrafos.

Está bem, então aprendemos a viver com o Irã à beira de uma bomba, mas não deveríamos pelo menos bombardear o Estado Islâmico até as cinzas e ajudar a destruir essa ameaça cortadora de cabeças? Hoje eu desprezo o EI como todo mundo, mas deixem-me lançar uma pergunta diferente: deveríamos estar armando o EI? Ou deixem-me perguntar isso de outro modo: por que estamos nós, pela terceira vez desde o 11 de Setembro, lutando uma guerra em benefício do Irã?

Em 2002, destruímos o principal inimigo sunita do Irã no Afeganistão (o regime do Taleban). Em 2003, destruímos o principal inimigo sunita do Irã no mundo árabe (Saddam Hussein). Mas como deixamos de erguer uma ordem pluralista autossustentável, que poderia ter sido um contraponto duradouro ao Irã, criamos um vazio tanto no Iraque como no mundo árabe sunita em geral. É por isso que os amigos de Teerã hoje dominam indiretamente quatro capitais árabes: Beirute, Damasco, Sana e Bagdá.

O EI, com todo o seu horror, surgiu como uma reação caseira árabe sunita a essa esmagadora derrota do arabismo sunita - misturando velhos baathistas pró-Saddam com fanáticos religiosos sunitas medievais e uma coleção de ideólogos, desajustados e aventureiros de todo o mundo muçulmano sunita. Obviamente, eu detesto o EI e não quero vê-lo se espalhar ou dominar o Iraque. Simplesmente levanto esta pergunta de forma retórica porque ninguém mais o fez: por que é do nosso interesse destruir o último baluarte sunita a uma dominação total do Iraque pelo Irã? Porque as milícias xiitas que hoje lideram a luta contra o EI governarão melhor? Mesmo?

Se parece que só temos más opções no Oriente Médio hoje e nada parece funcionar, há um motivo: porque o passado é prólogo, e o passado escavou tantas cicatrizes naquela paisagem que é difícil ver qualquer coisa saudável ou bela brotar dela tão cedo. Desculpem-me por ser tão terrível.