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Relatos que dizem que o livro está morto são altamente exagerados

09/03/2012 00h01

Eu esperava que a esta altura o rebuliço já tivesse passado, mas o debate em torno dos aparelhos de livros eletrônicos tomando o lugar dos livros tradicionais continua --especificamente se os contratos para publicação de livros que levam em conta o Kindle, iPad e outros eReaders são um prelúdio para o fim definitivo dos livros e livrarias.

Os jornais têm dedicado páginas inteiras de sua cobertura de artes a essa questão: eu me recordo de um jornal dedicando muito espaço para uma foto dos “bouquinistes”, ou vendedores de livros, ao longo das margens do Sena em Paris, e dizendo que esses vendedores de livros (antigos) estão destinados a desaparecer. É claro, o autor do artigo falhou em considerar que, se as editoras realmente parassem de publicar livros impressos, surgiria um mercado para volumes antigos e bancas como aquelas em Paris --o único local onde alguém poderia encontrar livros do passado-- desfrutariam de uma nova vida.
 
De certo modo, esse debate começou há mais de 30 anos com o início do uso disseminado do computador pessoal. Mas o advento dos eReaders gerou novas preocupações. O roteirista Jean-Claude Carrière e eu acabamos nos cansando de tentar responder individualmente a todos os comentários fatalistas e publicamos uma longa conversa no ano passado, com o título provocativo de “Este não é o fim do livro”.
 
Apoiar a ideia de um longo futuro para o livro não significa negar que certas obras de referência são mais fáceis de portar em um tablet ou que pessoas com hipermetropia consideram mais fácil ler um jornal em um dispositivo eletrônico --que permite que aumentem o tamanho da fonte à vontade-- ou, ainda, que nossos filhos poderiam evitar lesões na coluna ao não terem que carregar mochilas escolares impossivelmente pesadas. Nem eu discutiria que a versão em papel de “Guerra e Paz” é universalmente mais divertida de ler na praia do que a versão eletrônica (pessoalmente, estou convencido que é, mas os gostos variam, de modo que minha única esperança é a de que as pessoas com gosto diferente não sofram com a descarga da bateria).
 
Mas nós já temos prova de que os livros terão vida longa, na forma de volumes que foram impressos há mais de 500 anos e ainda estão em excelente estado, assim como papiros que sobreviveram por 2.000 anos. Em comparação, eu não tenho prova de algum meio eletrônico que tenha durado tanto quanto. No espaço de 30 anos, o disquete de 5 ¼ polegadas foi substituído por um disquete menor com invólucro rígido, que por sua vez foi substituído pelo CD, que foi substituído pelo pen drive. Nenhum computador novo atual lê o disquete de 5 ¼ polegadas dos anos 80, de modo que não sabemos se o que foi gravado em certo disquete duraria 25 anos, quanto mais 500. É melhor manter nossas memórias em papel.
 
Além disso, há uma grande diferença entre a experiência de segurar e folhear um livro e o de carregar um pen drive. Ou entre olhar um livro que você leu muitos anos atrás, descobrindo passagens que sublinhou ou anotações que fez nas margens --uma experiência que transporta você e permite que reviva antigas emoções-- e a leitura da mesma obra na tela do computador, em um tipo Times New Roman tamanho 12. Mesmo se aceitássemos que aqueles que têm prazer nessas coisas são uma minoria entre os 7 bilhões (e somando) de habitantes do planeta, haveria entusiastas suficientes para sustentar um próspero mercado de livros. E se certos livros descartáveis --best sellers para leitura no trem, livros com os horários dos trens da rede ferroviária ou coleções de piadas-- desaparecessem das livrarias e vivessem apenas por meio dos eReaders, muito melhor. Imagine quanto papel seria economizado.
 
Anos atrás, eu me queixei do fato de que nas velhas e sombrias livrarias do passado qualquer um que entrasse para folhear livros era confrontado por um cavalheiro austero, exigindo saber o que a pessoa estava procurando. O cliente infeliz, intimidado, provavelmente iria embora imediatamente. Eu considerava mais animador visitar as novas megalivrarias, onde pessoas podem se sentar por horas descobrindo e folheando de tudo. Mas agora, se os eReaders absorverem todo o mercado de livros descartáveis, as livrarias do passado poderiam novamente ser boas para algo: elas se tornariam lugares para onde os aficionados iriam à procura dos livros que você não joga fora.
 
Finalmente, nós devemos nos lembrar que, ao longo do tempo, ocorreram inúmeros exemplos de inovações que ameaçaram substituir seus antecessores, mas não o fizeram. O martinete não substituiu o martelo. A fotografia não provou ser a sentença de morte da pintura (no máximo, talvez, desencorajou a pintura de paisagens e retratos, mas encorajando a arte abstrata). O cinema não matou a fotografia, a televisão não eliminou o cinema, e os trens coexistem perfeitamente com carros e aviões.
 
Então, talvez, nós teremos uma diarquia: a leitura em papel e a leitura em telas --que, com acesso suficiente, poderia levar a um aumento astronômico no número de pessoas aprendendo a ler. E isso certamente seria um progresso.