Jamil Chade

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Reportagem

'Pessoas morreram queimadas': Israel faz 60 ataques e emudece Corte de Haia

No Palácio da Paz, em Haia, o constrangimento é escancarado, com funcionários e juízes incrédulos diante da resposta que, uma vez mais, tiveram diante de uma decisão da Corte Internacional de Justiça. Na sexta-feira, o tribunal determinou que Israel deveria "parar imediatamente" com seu ataque contra Rafah, no sul de Gaza.

As decisões da Corte são legalmente vinculantes, e Israel faz parte do órgão. Os juízes anunciaram que dariam um mês para que o governo de Benjamin Netanyahu mostrasse o que estava fazendo para cumprir as ordens.

Não precisaram esperar. Sob a alegação de caçar terroristas, 60 ataques foram realizados em apenas 48 horas, inclusive contra um campo de refugiados. A ofensiva foi uma resposta ao disparo de foguetes por parte do Hamas contra Tel Aviv, também no fim de semana.

Desde sexta-feira:

Pelo menos 45 palestinos foram mortos em um ataque israelense contra o campo de refugiados de Tal as-Sultan, no sul de Rafah. Agências humanitárias alertam que os números podem crescer.

No total, mais de 200 pessoas foram mortas desde sexta-feira, com ataques também contra Jabalia, Nuseirat e Gaza City.

Hamas disparou oito foguetes no domingo contra Tel Aviv, pela primeira vez em meses.

Num comunicado emitido nesta segunda-feira, a Agência da ONU para Refugiados Palestinos (UNRWA) afirmou que as cenas relatadas a partir de Rafah são "horríveis".

"Gaza é o inferno na terra. As imagens de ontem pela noite são mais uma prova disso", alertou.

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Segundo a agência, as "mortes em massa" no fim de semana incluem crianças e mulheres.

Os ataques também geraram críticas por parte de Emmanuel Macron, presidente da França e que havia, em outubro, demonstrado pleno apoio ao governo de Israel diante da morte de mais 1.300 pessoas pelo Hamas.

"Indignados com os ataques israelitas que mataram muitas pessoas deslocadas em Rafah", disse. "Estas operações têm de acabar. Não existem zonas seguras em Rafah para os civis palestinianos", constatou. "Apelo ao pleno respeito pelo direito internacional e a um cessar-fogo imediato", concluiu um dos principais líderes ocidentais.

Israel diz que usou "armas de precisão"

O governo de Israel alegou que os ataques contra o acampamento visavam terroristas que tinham sido os autores de atentados. Segundo Tel Aviv, os militares usaram "armas de precisão". O exército de Israel disse ter matado Yassin Rabia e Khaled Nagar, altos funcionários do Hamas.

Mas admite que existem civis atingidos, depois que um incêndio tomou conta de parte do campo. O Exército indicou estar "ciente de relatos que indicam que, como resultado do ataque e do fogo que se acendeu, vários civis na área foram feridos. O incidente está sendo analisado".

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O direito internacional estabelece que combatentes não podem usar civis como escudos. Mas tampouco permite que o outro lado ataque, sem pré-avisos ou garantias aos civis.

O Crescente Vermelho Palestino, de seu lado, afirmou que existe "um grande número" de pessoas mortas e feridas. "Elas morreram queimadas", disse a entidade, que destacou que seus serviços na região já estavam saturados, antes de receber a nova leva de vítimas.

O que torna o evento ainda mais dramático, segundo ele, é que o local foi designado por Israel como uma "área humanitária" e muitos palestinos que estavam em Rafah foram forçados a ocupar essas barracas. "Atualmente, várias pessoas continuam presas sob as chamas e nas tendas destruídas pelo bombardeio", disse.

Os atos foram condenados por governos europeus, agências humanitárias e relatores da ONU.

A Autoridade Palestina denunciou o "massacre hediondo" e alertou que se trata de uma questionamento à corte de Haia.

Para o governo da Noruega, que nesta terça-feira vai reconhecer o estado palestino, o ataque contra Rafah é uma "violação ao direito internacional". Espen Barth Eide, chanceler norueguês insistiu na manhã desta segunda-feira que existe uma "ordem compulsória da Corte Internacional de Justiça ordenando que Israel interrompa seu ataque em Rafah".

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"Ela é obrigatória. É vinculante, o que significa que continuar a atacar em Rafah é uma violação material da decisão da mais alta corte do mundo", disse.

Procurador ameaçado e chamado de antissemita

Josep Borell, chefe da diplomacia da UE, também insistiu que Israel tem a obrigação de cumprir a determinação da Corte de Haia. O espanhol ainda destacou o fato de que o procurador do Tribunal Penal Internacional, um jurista britânico, passou a ser alvo de intimidação e ataques desde que pediu a prisão de membros do Hamas e do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

"O promotor do tribunal foi fortemente intimidado e acusado de antissemitismo, como sempre quando alguém faz algo que o governo de Netanyahu não gosta", disse Borrell. "Acho que a acusação de antissemitismo contra o promotor totalmente inaceitável."

O Ministério das Relações Exteriores da Irlanda chamou o ataque de "bárbaro". "Pedimos a Israel que pare, pare agora, em termos de operação militar em Rafah", disse.

A entidade Médicos Sem Fronteira afirmou estar "horrorizada" com os ataques das últimas horas. Segundo ela, mais de 15 cadáveres e dezenas de feridos foram levados a centro de atendimento.

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Francesca Albanese, relatora especial da ONU sobre direitos humanos no território palestino, denunciou "a flagrante violação à lei e ao sistema internacionais". Para ela, "o genocídio não terminará facilmente sem pressão externa: Israel deve enfrentar sanções, justiça, suspensão de acordos, comércio, parceria e investimentos, bem como participação em fóruns internacionais."

Balakrishnan Rajagopal, relator especial da ONU sobre o direito à moradia, chamou o ato de "atrocidade monstruosa". Precisamos de uma ação global conjunta para impedir as ações de Israel agora", disse.

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