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Fim de estacionamento em área de igreja tombada gera desentendimento em Belo Horizonte

Rayder Bragon

Do UOL, em Belo Horizonte

27/05/2012 06h00

Decidida recentemente pelo Conselho do Patrimônio da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte, a desativação de estacionamento no entorno de uma igreja situada na capital mineira e tombada desde 1991 opôs padres e vereadores contra o órgão da prefeitura.

O último alvo do conselho foi a igreja São José, localizada no centro de Belo Horizonte e que conta com 140 vagas no entorno da igreja. Cada uma rende cerca de R$ 200 por mês. A decisão pelo fim das vagas foi tomada no dia 16 de maio e determina também que outras obras feitas no complexo da igreja sejam desfeitas.

O conselho também pede a extinção de estacionamentos na igreja do Sagrado Coração de Jesus, na região hospitalar da capital mineira, e da catedral da Boa Viagem, no centro da cidade. Nos três locais há a exploração comercial das vagas, que são ofertadas a motoristas horistas ou mensalistas.

Na igreja São José, os motoristas pagam o valor diretamente à paróquia. Já na Sagrado Coração de Jesus e na Boa Viagem o serviço é terceirizado. O espaço foi arrendado a empresas especializadas em administração de estacionamentos particulares, que, ali, instalaram guichês. Parte do faturamento vai para as igrejas.  

O padre responsável pelas obras sociais da igreja São José é contrário à determinação da vedação das vagas por alegar que os fiéis perderão o direito de estacionar os carros no local, além de interromper importante fonte de renda para tocar projetos sociais e para manutenção dos bens e do jardim. A informação é de que a paróquia arrecada cerca de R$ 29 mil por mês com o estacionamento.

Já a Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte tem outro entendimento. “Esses três bens culturais têm tombamentos específicos e incluem não só o templo, mas a casa paroquial e os jardins. Essas três igrejas têm diretrizes de proteção. O que o conselho deliberou, para cada uma delas, é que os estacionamentos, da forma como vêm sendo utilizados, descaracterizam o patrimônio cultural”, disse a diretora de Patrimônio Michele Arroyo.

Preservação

Segundo ela, no entendimento do conselho, formado por 16 representantes do poder público e da sociedade civil, os carros inibem a circulação de pessoas, a visibilidade dos bens culturais dos locais pelos visitantes e fiéis, além de prejudicar a preservação dos patrimônios tombados e dos jardins.

De acordo com a diretora, os responsáveis pelas igrejas podem apresentar um novo projeto para adequar as vagas remanescentes ao uso exclusivo de funcionários, além de vagas para deficientes físicos e para carga e descarga de mercadorias. Mas ela admite, no entanto, que isso inviabilizaria a exploração comercial das vagas, já que seriam permitidas apenas 20 vagas na igreja São José, por exemplo.

“Agora a situação chegou em um patamar mais complexo. A prefeitura não vai mais renovar as licenças de funcionamento desses estacionamentos da forma como estão. A fonte de renda das igrejas não pode se sobrepor à preservação desses locais”, disse. Arroyo ressaltou que bens tombados têm mecanismos de incentivo financeiro que podem ser explorados pelos responsáveis pelas igrejas. “Mas a condição para utilizá-los é que o bem esteja em bom estado de conservação e que o patrimônio em questão não esteja descaracterizado.”

Desentendimento  

O vigário paroquial Flávio Leonardo dos Santos Campos, responsável pelas obras sociais da igreja São José, afirmou que a descontinuidade da oferta das vagas vai dificultar a vida dos fiéis e o sustento de obras assistencialistas ofertadas pela igreja. Ele não quis revelar qual é o faturamento mensal.

“É uma decisão arbitrária. Como é que os fiéis vão poder vir aqui assistir às missas, a casamentos e batizados, quando o estacionamento é gratuito. Eles precisam de locais para deixar os carros”, afirmou. Segundo ele, desde a década de 1960, as vagas são destinadas a mensalistas nos horários em que não há celebração de missas na igreja (horário comercial).

“Com a receita gerada, a paróquia mantém cursos profissionalizantes, bolsas de estudos para universitários carentes, atendimento psicológico gratuito, entre outros. Além disso, parte do dinheiro é usada para a manutenção dos jardins e para pagamento de seguranças que vigiam o patrimônio”, declarou ele.

O vigário, apesar de dizer não ter sido notificado ainda da decisão do Conselho, afirmou ter procurado o auxílio da Câmara Municipal de Belo Horizonte para tentar manter as vagas. “Existe um projeto em tramitação na Câmara dos Vereadores que regulamenta estacionamentos em imóveis tombados. A comunidade está pedindo à Câmara que tome os encaminhamentos para a aprovação desses projetos”, disse.

O presidente da Câmara de Vereadores de Belo Horizonte, vereador Léo Burguês (PSDB), promete brigar contra a decisão do conselho. “Já marcamos uma audiência pública para o próximo dia 29 par discutir esse assunto. Eu recebi nesta semana os padres da Igreja São José. Eu estou abismado com o que o (Conselho do) Patrimônio está fazendo”, afirmou o parlamentar.

Jardins?

De acordo com Burguês, o projeto de lei tramitando na Casa Legislativa que trata de estacionamentos em imóveis tombados será colocado na pauta de votação em regime de urgência, na próxima segunda-feira (28). “Nós vivemos um caos em Belo Horizonte pela falta de vagas para estacionar e, com todo o respeito, (eles querem) acabar com o estacionamento para fazer jardins?”, disse o vereador.

Por sua vez, a diretora Michele Arroyo disse que o projeto é “inócuo”.  “O projeto de lei, da forma como tramita, é inconstitucional, porque não cabe ao Poder Legislativo a concessão ou não de alvarás e licenças. Isso é matéria do Executivo. Se aprovada, a lei não tira a prerrogativa do conselho de exercer a sua função de proteção ao patrimônio”, afirmou ela.

Ela afirmou que existe lei versando sobre a autonomia do órgão em aprovar ou não intervenções em áreas tombadas. “Mesmo que a Câmara faça uma lei autorizando estacionamentos em áreas tombadas, isso não tira o papel dos órgãos de proteção de estabeleceram as regras de funcionamento nesses locais para não descaracterizar o patrimônio.”  

O UOL não conseguiu contato com responsáveis pelas outras duas igrejas citadas na matéria.