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Rio aciona Interpol para procurar médico suspeito de praticar abortos

Do UOL, no Rio

20/10/2014 13h35

A Interpol (Organização Internacional de Polícia Criminal, na sigla em inglês) foi acionada pela Coinpol (Corregedoria Interna da Polícia Civil) do Rio de Janeiro para ajudar nas buscas a um médico suspeito de participar da quadrilha envolvida na prática de abortos que foi alvo de operação na semana passada. O homem, cuja identidade não foi divulgada, é uma das 17 pessoas que continuam sendo procuradas e atuava no bairro de Botafogo, na zona sul da capital fluminense. Até o momento, dos 75 mandados de prisão, 58 foram cumpridos.

A operação, batizada de Herodes, foi deflagrada na última terça-feira (14) e sucedeu uma investigação de 15 meses. Entre os presos, estavam seis policiais civis, três policiais militares, seis médicos, um bombeiro militar, um sargento do Exército e dois advogados. Cinco membros do grupo já estavam detidos por outras investigações. Medicamentos, uma série de documentos e R$ 532 mil em dinheiro, entre notas de reais e dólares, também foram apreendidos. O inquérito policial que gerou a operação tem 56 volumes e 14.108 páginas.

Na casa do médico Aloísio Soares Guimarães, apontado como um dos chefes da quadrilha, foi encontrado um extrato de uma conta na Suíça com pelo menos US$ 5 milhões. De acordo com o delegado Felipe Bittencourt do Vale, a primeira anotação criminal de Guimarães por aborto foi em 1962.

A quadrilha era dividida em sete núcleos, cada um com uma clínica, a maioria delas com endereço fixo. Diversos integrantes da quadrilha têm passagem por dois ou mais núcleos. "As clínicas eram independentes, cada uma com área de atuação bem definida e não competiam entre si, até porque a demanda era maior do que a oferta. Algumas clínicas chegavam a limitar a quantidade de abortos por dia", informou a polícia.

O grupo agia na capital e poderia estender a atuação para cidades da Região Metropolitana. Menores de idade pagavam mais caro e os valores poderiam chegar a R$ 7.500 por procedimento, dependendo da fase da gravidez. Nas investigações, os policiais identificaram que uma menina de 13 anos foi submetida a um procedimento abortivo. Também há casos de mulheres que passaram por microcirurgias em abortos tardios (até sete meses de gestação).

Cada núcleo faturava até R$ 300 mil por mês. Somente na clínica de Bonsucesso, na zona norte do Rio, os policiais encontraram documentos que identificam cerca de 2.000 abortos realizados entre outubro de 2012 e o dia da operação. A receita acumulada ultrapassa os R$ 2,7 milhões. "A sensação de impunidade e a alta lucratividade fazia com que eles continuassem com os procedimentos abortivos", explicou o delegado.

Grávidas de outros Estados também eram atendidas, sempre em locais sem condições mínimas de higiene e salubridade, que expunham a integridade física e a saúde das mulheres. Alguns procedimentos eram realizados nas casas de integrantes da quadrilha para dificultar o trabalho policial. Depois de realizado o procedimento, eram feitas revisões médicas para que as mulheres não procurassem clínicas públicas ou particulares em caso de complicação, pois o aborto poderia ser constatado.

"Essas pessoas construíram verdadeiras fábricas de aborto. Os tratamentos abortivos eram desumanos e os locais eram açougues humanos", disse o delegado Glaudiston Galeano, que também responde pela operação. A médica Ana Maria Barbosa, por exemplo, foi presa pela primeira vez em 2001 e denunciada pelo Ministério Público do Rio por praticar 6.352 abortos.

"Eles (os médicos) largaram a (prática legal da) medicina e passaram a praticar procedimentos abortivos", afirmou o delegado Vale. A exceção era o médico Carlos Eduardo Pinto, que exercia a profissão legalmente na cidade de Cruzeiro, em São Paulo, e praticava abortos no Rio.

Operação

Além dos mandados de prisão preventiva, a operação visava cumprir 118 de busca e apreensão. Até agora, 37 mulheres denunciaram os procedimentos ilegais. Todos os envolvidos serão denunciados por estes crimes. "A legislação ainda vê essas mulheres como criminosas, mas há mecanismos jurídicos para que aquelas que cometeram aborto e querem contribuir com as investigações não respondam criminalmente". Essas mulheres não estão entre as denunciadas, e a polícia pediu que elas recebam perdão judicial.

Mortes

No último dia 26 de agosto, a auxiliar administrativa Jandira Magdalena dos Santos Cruz, 27, saiu de casa para fazer um aborto em uma clínica clandestina em Campo Grande, na zona oeste do Rio, e desapareceu. Ela estava grávida de três meses. O corpo foi achado em um carro carbonizado. Jandira levou um tiro na cabeça e, para dificultar a identificação, a quadrilha retirou a arcada dentária e cortou os dedos da mulher. Foi necessário fazer um exame de DNA.

Até agora, pelo menos nove pessoas foram presas e indiciadas por homicídio qualificado, aborto, ocultação de cadáver e formação de quadrilha. Entre os detidos, está o falso médico Carlos Augusto Pinto, citado nesta operação.

Em 21 de setembro, a dona de casa Elisângela Barbosa, de 32 anos, morreu no Hospital Estadual Azevedo Lima, em Niterói, na Região Metropolitana. Ela saiu de casa na véspera para interromper uma gestação de cinco meses em uma clínica clandestina e pagaria R$ 2,8 mil pelo procedimento. Na noite do dia 21, ela chegou ao hospital, mas não resistiu ao sangramento e morreu pouco tempo depois. Em seu útero, os médicos encontraram um tubo de plástico, possivelmente usado para fazer a sucção do feto.