Topo

Burocracia e discórdia ameaçam horta comunitária na zona oeste de SP

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

28/03/2015 06h00

O que um morador precisa fazer para cuidar de uma área pública e melhorá-la? Moradores podem se unir para criar uma horta comunitária em um espaço público onde só havia mato e lixo? É possível fazer isso sem ter de se embrenhar no labririnto da burocracia governamental?

Essas questões têm atormentado moradores da City Lapa, bairro de classe média, na zona oeste de São Paulo. Em abril de 2014, a nutricionista Neide Rigo e a dentista Ana Campana tomaram a iniciativa de chamar vizinhos para limpar um canteiro público e criar ali uma horta. Quase um ano depois, pelos menos 15 moradores cuidam da horta, mas a necessidade de formalizar a administração na prefeitura ameaça a manutenção do espaço.

Neide Rigo, que mora há quase 20 anos no bairro, atribui o problema à pressão de vizinhos mais distantes que teriam se incomodado com a horta. “Chamei todo mundo da minha rua e da rua de baixo [para criar a horta em 2014]. Na minha rua, todos concordaram e gostaram da ideia. Mas outras pessoas do bairro acham que a gente não pode ter esse espaço aqui."

Segundo a nutricionista, as críticas se concentravam no fato de o grupo não ter assumido formalmente a administração do espaço. A gota d’água para os críticos teria sido o plantio de mudas de capim santo em uma fenda que estava aberta no meio da calçada ao lado da horta. A imagem foi parar em um jornal do bairro.

“Tem outro espaço igual ali do outro lado da rua que está cheio de mato e ninguém nunca se incomodou. Aqui era cheio de lixo e ninguém nunca tinha se incomodado, nunca havia saído foto no jornal”, lamenta Neide. “Isso me entristece muito”.

Antes da polêmica, ela havia protocolado na subprefeitura da Lapa uma carta de intenção para participar do programa municipal “Praças Mais Cuidadas”, mas ela e a vizinha Ana afirmam que irão desistir do pedido de formalização.

“O coletivo decidiu que não vai levar isso adiante. Porque não é certo. Quem toma conta aqui não é uma pessoa, não é uma empresa. É um grupo de moradores, só isso. O fato de eu ter um papel vai deixar as pessoas mais felizes? Vai burocratizar esse movimento”, diz Neide.

Em outubro passado, a Prefeitura de São Paulo lançou o programa “Praças Mais Cuidadas” dizendo que estava desburocratizando os instrumentos para firmar parcerias com moradores ou empresários interessados em cuidar de áreas públicas como canteiros ou praças.

Neide teme, no entanto, ser responsabilizada criminalmente pelo que acontecer no espaço em caso de adesão ao programa municipal e ressalta o caráter coletivo da criação da horta. “É só uma questão de cidadania. A gente vem aqui e mantém esse espaço limpo. A gente não quer intriga com ninguém e quer trazer mais vizinhos para cá”, afirma a nutricionista. “Se tem algum problema [na horta], a gente faz parte da solução”, declara Ana Campana, que mora há quatro anos no bairro.

A subprefeitura da Lapa promete fazer em abril obras de reparo nas calçadas em torno da área e diz que precisará estudar o caso da horta se Neide desistir mesmo de formalizar a parceria para cuidar do espaço.

Espaço de convivência

Além de árvores como ipês que já estavam no local, o espaço tem plantas e ervas medicinais, aromáticas, comestíveis e condimentares. Segundo Neide, são pelos menos cem espécies plantadas em menos de um ano.

“O que as pessoas mais gostam é de capim santo. É uma erva que, além de ser gostosa, tem poder calmante e analgésico. Os homens colhem muito boldo. Manjericão e alecrim têm muita saída para usar como tempero”, relata a nutricionista.

Novos moradores do bairro dizem que a horta pesou na escolha da casa. “Moro desde dezembro aqui. [A horta] foi um dos pontos estratégicos para a decisão [de escolher a casa no bairro]”, conta a relações públicas Maria Elisabeth Pereira.

Natural de Florianópolis, Maria vive há cinco anos em São Paulo. Morava na Vila Mariana, na zona sul, mas achava o bairro impessoal. Agora, trata a horta da City Lapa como um espaço de convivência. “A vinda para cá trouxe esse conforto familiar que eu não sentia em São Paulo”.

RJ: Contra abandono, mutirão renova praça com horta comunitária