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Nem todo jovem pobre vai à praia cometer crimes, diz representante da ONU

Policiais apreendem jovens da zona norte que iam para a zona sul do Rio - Marcelo Theobld / Extra / Ag. O Globo
Policiais apreendem jovens da zona norte que iam para a zona sul do Rio Imagem: Marcelo Theobld / Extra / Ag. O Globo

Wellington Ramalhoso

Do UOL, em São Paulo

27/09/2015 06h00

Coordenador da Unidade de Estado de Direito do UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime), Nivio Nascimento procura afastar as radicalizações ao comentar os arrastões no Rio de Janeiro e as reações a eles. Nem todo jovem do subúrbio comete crime na praia e nem todo morador dos bairros das praias apoia os “justiceiros”, lembra Nascimento.

Neste fim de semana, a polícia do Rio retomou a abordagem de jovens nos ônibus que vão dos subúrbios para as praias. Cerca de 1.000 PMs, guardas municipais e assistentes sociais atuam na orla da zona sul com o objetivo de evitar arrastões, roubos e outros crimes.

A polícia do Rio, reconhece o representante da ONU, está em uma posição difícil e não dá conta sozinha do problema. “A reversão do quadro passa pela tão falada inclusão social e pela redução da vulnerabilidade desses jovens”. Em países menos desiguais, não se vê arrastões, frisa ele.

Doutor em antropologia, Nascimento morou por cinco anos no Rio. Confira os principais trechos da entrevista concedida por ele ao UOL.

UOL - Em sua opinião, o que leva os jovens a fazerem arrastões nas praias da zona sul do Rio?
Nivio Nascimento - É um fenômeno bastante conhecido desde os anos 90. Uma explicação é a desigualdade econômica. Jovens querem se divertir e acabam cometendo delitos em regiões onde normalmente são “invisíveis”.

O que o sr. pensa sobre a atuação do governo do Estado?
[Barrar os ônibus] É uma medida de contenção pouco eficaz. Acaba infringindo o direito de ir e vir. Não é legítima do ponto de vista do estado de direito. A praia é um espaço democrático do Rio, um espaço onde pessoas de origens diversas se encontram e convivem harmonicamente. Os arrastões são uma parte ínfima desse contato e nem todos os jovens de periferia ou situação de vulnerabilidade vão à praia para cometer crimes. [O arrastão] É um espetáculo deprimente, trabalha contra a imagem do Rio, mas as pessoas têm direito ao uso do espaço urbano.

O governo do Rio faz uma política de segregação social?
A tentativa de impedir o acesso à praia não é democrática. É deplorável. Há uma cobrança para que a polícia dê uma resposta. Não é uma resposta fácil. A polícia tem o papel de conter. Arrastões não se explicam só pela questão policial. Tem a desigualdade e o acirramento entre classes diferentes. A polícia tem de dar uma resposta rápido, a sociedade clama, mas isso tem de ser feito dentro dos parâmetros legais.

Moradores da zona sul têm reagido e tentado fazer justiça com as próprias mãos? Onde isso pode chegar?
É natural que as pessoas queiram se proteger e evitar que os arrastões aconteçam. Espero que não escale para um linchamento. Medidas que acirram mais [a situação] não são as mais eficazes. Nem todos os que moram nas partes mais ricas compactuam com esse tipo de ação. A polícia que tem de administrar esse conflito. A polícia está numa situação difícil.

Os arrastões recentes são mais violentos que os da década de 1990?
Tem que pesquisar. Aquele primeiro arrastão dos anos 90 era muito maior. [Os do passado] Eram maiores, muito mais abrangentes. Não vejo incremento da violência. Não consigo perceber uma escalada. Vendo imagens dos anos 90 e dos atuais, são parecidas.

O que a ONU propõe ao poder público brasileiro neste caso? Como resolver?
Tem estratégias de policiamento que podem ser aplicadas. Os arrastões não são única e exclusivamente problema de polícia. São profundamente enraizados nas desigualdades sociais. Há uma concentração de renda e capital enorme. A reversão do quadro passa pela tão falada inclusão social e redução da vulnerabilidade desses jovens. Não se vê arrastões em países mais desenvolvidos.

A atual crise econômica influencia os arrastões?
O crime e a violência tendem a aumentar em situação de crise econômica e eventos de alta visibilidade como da Olimpíada [que acontecerá no Rio em 2016]. A situação econômica pode influenciar. Tem menos gente trabalhando, menos dinheiro circulando, pessoas mais desesperadas. No caso dos envolvidos nos arrastões, independentemente do crescimento econômico dos últimos anos, eles sempre estiveram excluídos. Não vejo relação direta [entre a crise econômica e os arrastões].