Topo

"Ganhei dinheiro com ouro, mas só sobrou uma correntinha", diz garimpeiro

Risomar e o que restou dos anos de garimpo - Flávio Ilha/UOL
Risomar e o que restou dos anos de garimpo Imagem: Flávio Ilha/UOL

Flávio Ilha

Colaboração para o UOL, em Itaituba (PA)

04/11/2015 06h00

Aos 50 anos, o garimpeiro Risomar Oliveira Cabral, nascido e criado no Médio Tapajós, no Pará, tem a aparência surrada pelas longas temporadas na floresta e uma casa em Itaituba – o que restou de 35 anos nas lavras do oeste paraense. Nem família ele conseguiu segurar, já que vida no garimpo “é errante”.

“Não prestei para mais nada. Até ganhei dinheiro quando o ouro de aluvião dava mais, só que gastei tudo nas corrutelas (pequenas vilas que se formam próximas das áreas de garimpo, onde há prostituição e jogatina). Me sobrou essa corrente de ouro aqui”, mostra o trabalhador, que atua na área do Chapéu do Sol – ao sul de Itaituba e dentro da terra indígena Sawré Mauybu, da etnia munduruku.

Quando encontrou a reportagem, Cabral carregava 10,8 gramas de ouro – resultado de quase três meses no mato. Pela cotação oficial das DTVMs, valiam R$ 1.425. O garimpeiro, entretanto, repassou a coleta por R$ 300 e mais “umas cervejas” na vila São Luiz do Tapajós, a meio caminho entre o garimpo e Itaituba. Culpa da baixa qualidade do ouro, segundo ele.

“Em um mês, quem maneja sozinho tira dois gramas, três gramas. Há 30 anos eu conseguia 30 gramas em 15 dias. Mas não sei fazer mais nada, então o jeito é continuar aqui”, diz o garimpeiro.

Em um mês, quem maneja sozinho tira dois gramas, três gramas. Há 30 anos eu conseguia 30 gramas em 15 dias
Risomar Oliveira Cabral, garimpeiro

De acordo com o geógrafo Maurício Torres, professor colaborador da Ufopa (Universidade Federal do Oeste do Pará), o garimpo industrial de grande escala vem substituindo gradativamente o trabalho manual feito por ribeirinhos, aquele que garantia o sustento de Riosmar. Segundo ele, o garimpo Chapéu do Sol, na região do Jamanxim, reúne entre 300 e 400 trabalhadores dentro da floresta nacional Itaituba 2.

“É um garimpo grande e impactante, bancado por capital internacional. O garimpeiro tradicional, que era dono do seu trabalho, está tendo de ceder a esse modelo pela invasão das áreas”, diz. Nos garimpos industriais o método de extração utiliza escavadeiras de grande porte – conhecidas como PCs – que retiram em poucos minutos uma área de terra que um trabalhador braçal levaria semanas para abrir. 

O DNPM, que deveria licenciar e fiscalizar a ação dos garimpos, não tem representação em Itaituba – o escritório do órgão na cidade deverá ser desativado até o fim do ano. Segundo a superintendente interina do DNPM no Pará, Adriana Pantoja, o órgão realiza apenas ações pontuais de fiscalização. “A região é muito conflagrada, quem passa em algum concurso e é lotado em Itaituba logo pede transferência para outro local porque tem medo de ficar”, diz a interina.

A Secretaria de Meio Ambiente de Itaituba, responsável por licenciar e fiscalizar lavras de até 500 hectares, tem três fiscais para monitorar uma reserva aurífera estimada em 98 mil km² – a maior do mundo em extensão. 

Quem passa em concurso e é lotado em Itaituba logo pede transferência porque tem medo de ficar
Adriana Pantoja, superintendente interina do DNPM no Pará
 

“Meu amigo, eu poderia estar sentado agora em uma mesa de mármore, ter 15 carros na secretaria, computadores moderníssimos e toda estrutura necessária se eu multasse quem estiver fora da lei. É fácil, está todo mundo fora da lei. Mas eu não faço isso porque, se fizer, vou estar criminalizando a profissão do garimpeiro”, diz o secretário de Meio Ambiente da cidade, Hilário Vasconcelos.

Contraste

A extração de ouro que sustenta a economia formal e informal de Itaituba é a mesma que coloca quase metade da população da cidade (48 mil pessoas) abaixo da linha da pobreza, segundo o Sistema de Informações de Indicadores Sociais do Pará. 

Em contraponto às caminhonetes de luxo que circulam pelos bares e restaurantes da orla e que representam 30% da frota local, a zona urbana nem sequer tem rede de esgoto. Os dejetos correm por valões a céu aberto antes de serem despejados nas águas verdes do Tapajós.

Segundo o Siab (Sistema de Informação da Atenção Básica) do Ministério da Saúde, apenas 4,1% dos domicílios de Itaituba tem acesso a rede de esgoto – no Brasil, esse índice é de 42%; no estado do Pará, 58%. A população também enfrenta problemas no abastecimento regular de água. O Siab estima que a rede abranja 9,5% dos domicílios. Quase 90% da população usa poço ou nascente.

A prefeita Eliene Nunes (PSD), que é alvo de uma ação civil do Ministério Público por crimes ambientais, reconhece a falta de saneamento e de água na cidade, mas atribui o problema a “gestões anteriores”. 

De acordo com Eliene, a União prometeu liberar R$ 2,8 milhões em 2013 para a elaboração de projetos do sistema de esgotamento sanitário da área central de Itaituba. Para a rede de água, os recursos prometidos chegam a R$ 11 milhões. A cidade também não um sistema público de transporte coletivo. “Nosso governo está fazendo o que os outros não fizeram e alguns ainda falam que são obras federais. Então, por que os outros não foram buscar?”, defende-se a prefeita, que responde a um inédito pedido de afastamento, na Câmara de Vareadores, por improbidade administrativa.