Traficantes vigiam delegacia e ameaçam moradores de bairro de Salvador
A cena tornou-se rotineira. Um morador entra na delegacia do bairro Nordeste de Amaralina e pede, com medo, para que seja cancelada uma queixa registrada poucas horas antes. Os policiais têm uma suspeita: seriam ordens de uma facção criminosa que comanda o tráfico de drogas no bairro de Salvador.
Segundo relatos de policiais que atuam no bairro e também de moradores ouvidos pela reportagem na condição de não ter seus nomes revelados, os traficantes sabem quem entra e quem sai, quem foi preso e quem foi solto, e os momentos em que esses fatos aconteceram na 28ª Delegacia Territorial da capital baiana.
“Há casos em que as pessoas chegam aqui pedindo para cancelar o boletim de ocorrência, ou ainda há aquelas que pedem que nós não façamos a entrega das intimações em suas casas, pois os traficantes vão questioná-las e dizer que não querem a presença de policiais em determinadas áreas do bairro”, afirma a delegada titular do DP, Francineide Moura.
O Sindipoc (Sindicato dos Policiais Civis da Bahia) informa que pediu ao comando da Segurança Pública do Estado que a delegacia fosse transferida para outro local.
O UOL enviou uma série de perguntas por e-mail à assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública Bahia sobre a situação da 28ª Delegacia Territorial. A resposta veio por meio de uma nota enviada pelo comando da Polícia Civil baiana, que limitou-se a dizer que "desconhece a existência de pedidos realizados pelo Sindipoc ou por policiais da delegacia para que a unidade seja instalada em outro endereço."
Pressão
“Tem uma regra aqui: não pode ter matéria sobre o tráfico, não podemos falar com jornalistas”, diz um homem, que reside no bairro há mais de 30 anos.
A pressão dos criminosos é exercida mesmo quando a queixa registrada não tem relação com o tráfico, a exemplo de uma briga entre vizinhos. Pouco tempo depois do comparecimento ao distrito policial, a pessoa é questionada pelos criminosos, na porta de sua casa, sobre o motivo de sua presença na unidade. Por vezes, tem que apresentar a cópia do boletim de ocorrência para provar que está falando a verdade, segundo apurou a reportagem.
Câmeras
Sob sigilo, agentes afirmam que os traficantes monitoram o local por meio de telefones celulares e câmeras instaladas em residências localizadas no entorno da delegacia. A suspeita surgiu após algumas operações realizadas por policiais da região resultarem em fracasso: por exemplo, traficantes já sabiam que determinado ponto de venda de drogas sofreria uma batida policial. Ninguém era preso, nenhuma apreensão era feita.
“Nós também recebemos essa informação de que esse monitoramento é feito por câmeras instaladas nas residências que cercam a delegacia e estamos averiguando a situação", afirma o delegado Fábio Lordello, presidente do sindicato da categoria na Bahia. Antes de assumir o cargo, ele foi vice-diretor de combate ao crime organizado da Polícia Civil baiana.
De acordo com um delegado que já trabalhou no distrito, uma investigação foi realizada pelos próprios policiais da delegacia, mas, até o momento, nada foi provado sobre uso de câmeras instaladas na residência pelos traficantes.
Policiais contam um caso exemplar para justificar a desconfiança a respeito do uso de câmeras.
No começo deste ano, três suspeitos foram presos no bairro em uma operação da Polícia Civil. Poucas horas depois das prisões, fotografias dos detidos saindo da delegacia em direção à Central de Flagrantes circulavam em celulares de moradores do bairro, inclusive em aparelhos encontrados, posteriormente, em posse de traficantes.
“O ângulo das fotografias mostrava que elas foram registradas a partir de umas casas que ficam em frente à delegacia”, declarou um policial da delegacia.
Questionada sobre o assunto, a delegada titular Francineide Moura recusou-se a dar detalhes sobre essa investigação.
“Sabemos que eles usam pequenas câmeras instaladas nas ruas onde estão os pontos de vendas de drogas para prevenir a chegada de policiais”, informa um delegado, que atua no combate ao narcotráfico da capital baiana.
Mudança
O UOL esteve na 28ª DP no final do mês de outubro. Cercado por edificações residenciais e comerciais por todos os lados, o prédio apresenta uma estrutura deficitária. Aos domingos, a rua Reginaldo Martins é tomada por uma feira, o que impede que os carros policiais estacionem nas proximidades da delegacia.
"Nós fizemos uma inspeção na delegacia e constatamos não só a situação de insegurança em que vivem os agentes como também a estrutura precária da delegacia", afirma o investigador Marcos Maurício, presidente do Sindipoc (Sindicato dos Policiais Civis da Bahia).
O sindicalista diz que pediu pessoalmente ao delegado-geral da Polícia Civil da Bahia, Bernardino Brito, que o DP fosse transferido para outro endereço, mas disse que não obteve resposta.
A reportagem apurou que ao menos dois delegados titulares pediram ao comando da Polícia Civil que a delegacia do Nordeste de Amaralina mudasse de endereço. “O prédio é velho e sem estrutura”, disse um deles.
Tráfico
Formado pelo bairro que lhe dá o nome e outras três comunidades -- Vale das Pedrinhas, Santa Cruz e Chapada do Rio Vermelho -- o chamado Complexo do Nordeste de Amaralina é uma das regiões centrais para o tráfico de drogas na capital baiana: está localizado próximo a um trecho da orla marítima da cidade e a bairros nobres, a exemplo de Pituba e Itaigara. Dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) indicam que ao menos 87 mil pessoas moram na região.
Publicados em outubro no Diário Oficial do Estado, dados da SSP-BA (Secretaria da Segurança Pública da Bahia) informam que a localidade teve um aumento de 80% na taxa de homicídios quando se compara os seis primeiros meses de 2016 com o mesmo período do ano passado.
Na região, a taxa de mortes é de 17,1 por grupo de cem mil habitantes, índice acima do que é recomendado pelo OMS (Organização Mundial de Saúde): dez mortes por grupo de cem mil habitantes.
A localidade é caracterizada pela grande quantidade de vielas estreitas e altos pontos de observação, além de vários pontos de entrada, o que dificulta um cerco policial. Inspiradas nas UPPs cariocas (Unidades de Polícia Pacificadora do Rio de Janeiro), três bases comunitárias de seguranças da Polícia Militar da Bahia foram instaladas na região, a partir do ano de 2011, mas não conseguiram afastar o tráfico do local.
"Policiais militares e civis que estejam fora do bairro não podem entrar no bairro para dar reforço aos colegas que estejam em situação de tiroteio. São ordens de cima", revela um investigador da Polícia Civil. "Se a gente entrar em certas áreas daqui seremos recebidos a bala", afirmou um oficial da Polícia Militar.
O Comando da Paz é a facção criminosa que domina a região, mas está em constante confronto com outras facções soteropolitanas, como a Caveira, Catiara e o BDM (Bonde do Maluco), esta última a maior quadrilha do Estado, com ligações diretas com o PCC (Primeiro Comando da Capital), de São Paulo.
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