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Famílias de vítimas de incêndio em creche em MG reclamam de falta de ajuda das autoridades

Missa de sétimo dia em homenagem às vítimas do incêndio na creche Gente Inocente, em Janaúba - LINCON ZARBIETTI/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO
Missa de sétimo dia em homenagem às vítimas do incêndio na creche Gente Inocente, em Janaúba Imagem: LINCON ZARBIETTI/O TEMPO/ESTADÃO CONTEÚDO

Mário Bittencourt

Colaboração para o UOL, em Vitória da Conquista

19/10/2017 04h00Atualizada em 19/10/2017 09h55

Integrantes das famílias das vítimas do ataque incendiário que matou nove crianças, dois adultos e deixou cerca de 50 pessoas feridas em uma creche em Janaúba (MG) estão se queixando de uma suposta demora para receber ajuda do poder público. Alguns familiares afirmaram que podem entrar com processos judiciais contra a prefeitura para pedir indenização.

A tragédia aconteceu no dia 5 de outubro, quando, sem qualquer explicação, o vigia Damião Soares Santos, 50, colocou fogo em si e depois nos alunos e professores da creche. 

O prefeito da cidade, Carlos Isaildon Mendes (PSDB), disse que as famílias receberão ajuda financeira, possivelmente por meio de indenizações. Sobreviventes e familiares estão recebendo atendimento psicológico.

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A prefeitura afirmou também que a verba de cerca de R$ 800 mil arrecadada por meio de doações na época da tragédia está guardada em uma conta bancária. Autoridades municipais estudam, em parceria com o Ministério Público, formas adequadas de usar o dinheiro.

Mas parte dos parentes das vítimas disse estar impacientes.

Mães das crianças que morreram afirmaram ter recebido apenas ajuda financeira para custear os funerais (pouco mais de R$ 2.000 por criança) e uma cesta básica cada uma.

Outras, cujos filhos sobreviveram, reclamaram da suposta falta de informações oficiais. Elas disseram não saber como matriculá-los em outras creches.

Algumas famílias são beneficiárias do programa federal Bolsa Família, vivem na pobreza ou extrema pobreza e passam por necessidades diversas. Desemprego e falta de moradia foram problemas relatados à reportagem por várias das famílias.

No bairro Rio Novo, de ruas de terra, moram quase todas as famílias de vítimas da tragédia. A dona de casa Cássia Pereira de Jesus, 31, é mãe de Yasmin Medeiros Salvino, 4, que chegou a ser socorrida na Santa Casa de Montes Claros, mas não resistiu à gravidade dos ferimentos, e morreu no último dia 6.

Desempregada e com mais três crianças para criar --um menino de 8 anos e duas garotas de 10 e 14 anos--, Cássia disse que está vendo as dívidas se acumularem. “Não sei como não cortaram a minha energia ainda, pois já tenho quatro contas vencidas”. 

“Não só eu, mas outras pessoas que perderam seus filhos e filhas estão muito chateadas com a falta de ajuda. Chegou muita doação, mas a gente está aqui nesse sufoco. Eu vou entrar com processo para pedir indenização da prefeitura pelo que ocorreu com minha filha, que foi entregue viva àquela creche”, afirmou.

A desempregada Joana Dark Oliveira dos Santos, 24, mãe de Maísa Barbosa dos Santos, 5, que ficou internada em estado grave, devido a queimaduras nas vias aéreas e teve alta no dia 10 de outubro, disse que, até o momento, recebeu apenas uma cesta básica.

Ela afirmou que gostaria de gastar uma eventual ajuda financeira em consertos em casa. 

“Precisamos de ajuda para reformar a casa, aqui quando chove molha tudo. Faço um apelo para me ajudar a ter uma moradia melhor”, disse ela.

 “Acho absurda essa falta de ajuda que não estamos tendo, e eu vou à Justiça procurar meus direitos”.

O prefeito Mendes disse que a ajuda financeira virá. “Estamos estudando a melhor forma de fazer isto, provavelmente, vamos pagar indenizações, fazer acordos, tudo sob a anuência do Ministério Público".

"O dinheiro que recebemos de doações está na conta e vamos empregá-lo da melhor forma", disse. A prefeitura informou também que está consultando o Ministério Público para saber se pode usar o dinheiro das doações para pagar indenizações.

Já as doações de alimentos, de acordo com a prefeitura, foram enviadas para hospitais locais para alimentar pacientes e voluntários. Além disso, o Ministério da Saúde disse que repassaria ao menos R$ 2 milhões para dois hospitais da região, cada, além de R$ 1 milhão à Prefeitura de Janaúba. A assessoria de imprensa do município informou que o montante, entretanto, ainda não chegou. 

Assistência psicológica

Joana e Cássia disseram que estão tendo acompanhamento psicológico uma vez por semana, junto com os filhos.

A diretora da creche Aline Cristina Mendes Santos informou que os professores e demais funcionários da unidade também estão recebendo atendimento psicológico. Esses atendimentos ocorrem nas quatro unidades dos centros de assistência psicossocial (CAPs) da cidade.

Porém nem todas as famílias estariam estão frequentando os centros. O técnico de segurança do trabalho Erick Medeiros Dias é tio de uma das crianças que morreram no incêndio (Cecília Davina, 4). Ele afirmou que sua irmã não sabia que podia receber assistência psicológica. “Minha irmã está recorrendo apenas à Igreja, por enquanto", disse.

“Só nos deram ajuda no funeral”, afirmou.

Nova creche

Mãe de Ana Clara, 2, que foi salva sem ferimentos do incêndio, a vendedora ambulante de cebolas Magda dos Reis, 32, disse estar se sentindo prejudicada com a demora da prefeitura em responder onde os outros alunos vão estudar. “Tem dia que nem estou saindo para vender, pois ela não tem com quem ficar”, afirmou.

Nos próximos dias, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação, serão feitas reuniões para decidir onde os alunos que estudavam na Gente Inocente passarão a ser atendidos.

A previsão da prefeitura é reabrir a creche no início do ano que vem em um terreno vizinho ao lado da unidade onde ocorreu a tragédia -- que será descaracterizada e transformada em memorial às vítimas.

A quantidade de alunos na nova unidade será reduzida para 40 (metade da anterior) para atender às normas de segurança.

A creche anterior funcionava sem alvará do Corpo de Bombeiros, problema que não é exclusivo da Gente Inocente, como aponta vistoria parcial dos Bombeiros nas escolas municipais e estaduais de Janaúba. O município tem 28 escolas municipais, 9 delas creches e outras quatro com creches e alunos de até a 5ª série.

O Corpo de Bombeiros informou que fiscalizou 16 escolas da prefeitura e três do Estado de Minas Gerais. Nenhuma delas tinha alvará. As vistorias vão continuar.

“Exigimos, de maneira emergencial, que fossem colocados extintores de incêndio e indicações de saídas de emergência”, afirmou o sargento Diego Santana. “Não podemos interditar as escolas para não prejudicar o andamento das aulas, mas todas vão ter de atender as leis de segurança e prevenção de incêndios”.

O prefeito disse que fará até o final do ano a licitação para que sejam elaborados os projetos de segurança de todas as unidades escolares do município. “Vamos fazer tudo num pacote só”, ele falou, “e espero que isso seja feito em escolas de todo o Brasil também. Isso não ocorre só aqui”.

Procurado, o Ministério Público de Minas Gerais declarou, por meio de assessoria de imprensa, que está acompanhando as ações da Prefeitura de Janaúba por meio dos três inquéritos instaurados para investigar os problemas relativos à tragédia e o atendimento às vítimas. Porém não deu detalhes de como isto está sendo feito.

A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais declarou, em nota, que “ainda não foi notificada oficialmente sobre o resultado da vistoria do Corpo de Bombeiros nas unidades de ensino do município de Janaúba.”

“No entanto, desde que ocorreu a tragédia na creche Gente Inocente, está acompanhando de perto a situação e preocupada em proporcionar mais segurança aos alunos e funcionários das escolas estaduais.”

Segundo a nota, no dia 10 de outubro, representantes da pasta se reuniram com o Ministério Público e o Corpo de Bombeiros para avaliar a situação das escolas da região e discutir um plano de ação preventiva em eventuais situações de risco.

Ficou acordado que o órgão irá se reunir, nos próximos dias, com a direção destas escolas, para orientar e detalhar quais as adequações serão necessárias em cada uma das unidades.

“Vale salientar que a Secretaria está trabalhando para garantir a segurança das unidades de ensino em todo o Estado. No final do primeiro semestre de 2017 foi iniciado um levantamento da situação das 3.655 unidades estaduais, junto ao Corpo de Bombeiros, para a contratação de profissionais para a confecção de projetos de Plano de Segurança Contra Incêndio e Pânico nas escolas que não possuem”, diz a nota.