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Réu por agressão a mulher, sobrinho de Bolsonaro foi sócio de clube de tiro

Orestes Bolsonaro Campos, sobrinho do presidente Jair Bolsonaro - Reprodução
Orestes Bolsonaro Campos, sobrinho do presidente Jair Bolsonaro Imagem: Reprodução

Juliana Dal Piva, Thiago Herdy e Rafael Neves

Colunista do UOL e do UOL, em Brasília

14/07/2022 12h53

O empresário Orestes Bolsonaro Campos foi sócio até 21 de julho de 2021 do Hotel Clube de Tiro Cajati Ltda., no interior de São Paulo, junto com o pai, o empresário José Orestes Fonseca Campos, e o irmão, Osvaldo Bolsonaro Campos.

Apesar de o clube de tiro ter sido constituído formalmente há mais de dois anos, o estabelecimento ainda não consta entre os registrados pelo Exército conforme lista enviada pela Força ao UOL.

O empreendimento no qual Orestes Bolsonaro aparecia como sócio do pai e do irmão foi criado, segundo documentos entregues pelo trio na Junta Comercial de São Paulo, em 23 de março de 2020. O capital social declarado do negócio foi de R$ 100 mil.

Conhecido como "Orestinho", o sobrinho do presidente responde a dois processos na Justiça de São Paulo por episódios violentos contra mulheres com quem ele se relacionou e contra o companheiro de uma delas. Ele é réu em um caso de lesão corporal e em outro por "homicídio qualificado tentado - feminicídio". Orestes Bolsonaro é filho de Maria Denise Bolsonaro, irmã do presidente.

Pela regulamentação em vigor desde 2019, para obter o Certificado de Registro (CR), um dos documentos necessários para aquisição da arma e para a prática de tiro em clubes registrados, o proprietário deve apresentar certidões de antecedentes criminais das Justiças federal, estadual e militar.

O sobrinho de Bolsonaro deixou a sociedade do clube de tiro há um ano, um mês depois da abertura do processo de tentativa de feminicídio contra ele. Ao depor na polícia, Orestes admitiu que possui porte de arma e a usa em estandes de tiro.

A mudança na sociedade ocorreu em julho de 2021 e, na ocasião, apenas José Orestes Campos permaneceu como sócio. O nome do estabelecimento foi modificado para Campos-Centro de Tiro Indoor Ltda. No contrato social da empresa, há menção sobre a possibilidade de abertura de filiais do negócio.

O UOL telefonou para o número registrado nos documentos, mas o telefone era apenas do escritório de contabilidade que presta serviços à empresa. O clube não possui site.

A reportagem também esteve na sede do clube de tiro, no centro de Cajati, na região do Vale do Ribeira, no interior de São Paulo. Não há placa com informações sobre funcionamento ou sinal de que esteja aberto ao público. Segundo os vizinhos, o clube funciona no subsolo da residência onde Orestes mora.

O UOL questionou o Exército sobre o clube ao longo da quarta-feira e nesta quinta-feira, mas a Força não retornou.

A reportagem tentou contato com Orestes Bolsonaro por meio de seus advogados. Eles também não retornaram. O empresário José Orestes Campos, pai de Orestes Bolsonaro, bloqueou o contato da reportagem depois de ler o pedido de entrevista.

O UOL ouviu, sob anonimato, o coordenador de um dos clubes de tiro mais antigos do Brasil e ele informou que, em média, o registro de um clube junto ao Exército leva de seis a oito meses.

Agressões

Nos boletins de ocorrência registrados contra Orestes Bolsonaro, as mulheres relataram episódios nos quais foram arrastadas pelos cabelos e houve intimidação com armas, tiro, agressões e afogamento.

Um dos casos de agressão de Orestes ocorreu contra uma ex-companheira com quem teve dois filhos. O casal viveu junto por 17 anos. A separação ocorreu em janeiro de 2020. O nome dela será preservado para sua segurança.

Segundo os autos, o sobrinho do presidente atacou a ex-mulher e o comerciante Valmir Oliveira, novo companheiro dela, no início da manhã de 2 de outubro de 2020 em uma casa em Cajati (SP). O novo casal tinha adormecido no sofá da sala após ver um filme na TV. Com eles, estava um dos filhos de Orestes com a ex-companheira. A criança tinha apenas três anos à época.

No boletim de ocorrência do caso, a mulher relatou que, apesar da separação, Orestes ainda tinha uma chave da casa e entrou no imóvel enquanto eles dormiam. Ela contou "que seu namorado, ao ver Orestes, tentou se levantar, mas foi atingido por um golpe na cabeça com um pedaço de madeira que Orestes portava, vindo a ficar desorientado por alguns segundos, e Orestes desferiu mais alguns golpes".

Foto do tiro disparado pelo sobrinho do presidente Jair Bolsonaro - Reprodução processo contra Orestes Bolsonaro Campos - Reprodução processo contra Orestes Bolsonaro Campos
Foto do tiro disparado pelo sobrinho do presidente Jair Bolsonaro
Imagem: Reprodução processo contra Orestes Bolsonaro Campos

Armado com pistola

A mulher contou ainda que tentou ajudar o namorado, mas Orestes "sacou uma arma de fogo" e ela acabou por pegar o "filho de 03 anos que dormia junto ao casal e evadiu-se do local com receio de ser alvejada por disparos de arma de fogo, e seu namorado continuou no local em luta corporal com Orestes".

Durante a luta corporal, Orestes mordeu Oliveira e, em algum momento, atirou contra o namorado de sua ex-mulher, mas não o acertou. A bala pegou no lado externo da parede do quarto onde dormia a outra filha de Orestes. A menina de nove anos não foi atingida.

Ao sair correndo da casa, a mulher pediu ajuda na rua e obteve carona para ir até a casa de uma amiga. Só depois disso, ela conseguiu registrar o caso na Delegacia de Polícia de Barra do Turvo, cidade da região.

Após o episódio, Orestes foi ouvido na delegacia. Ele admitiu que os dois estavam separados e que ficou "nervoso" ao entrar na antiga casa sem avisar e ver a mulher com outro homem. "Ficou nervoso porque não concorda que (mulher) levasse o homem para o imóvel onde residiam", disse Orestes, na delegacia, ao afirmar que se sentiu "provocado".

Ele admitiu ainda que possui registro legal de uma pistola Taurus calibre 38 e informou que "somente faz uso quando vai ao estande de tiro". Orestes alegou aos policiais que estava com a arma porque carregava dinheiro de sua loja e que o tiro ocorrido durante a briga foi "acidental".

Afogamento

Durante as investigações, a ex-mulher relatou ainda que já tinha sido agredida várias vezes pelo ex-companheiro ao longo dos 17 anos em que viveram juntos. "Informa que foram diversas agressões, não sabendo quantas, por várias vezes ficou com hematomas no corpo. Que em uma das vezes recebeu um golpe em sua perna e o mesmo disse que iria lhe matar", contou ela para a polícia.

Em outra ocasião, a mulher disse que Orestes "afundou sua cabeça na água" e no início do relacionamento ele a levou para uma chácara e "a manteve naquele local por alguns dias lhe fazendo ameaças e com uma espingarda ao lado para lhe intimidar".

Após a conclusão do inquérito, em fevereiro de 2021, o MP-SP (Ministério Público de São Paulo) o denunciou por tentativa de homicídio qualificado por motivo fútil, com emprego de meio cruel, mediante recurso que dificultou a defesa do ofendido e contra a mulher por razões da condição de sexo feminino. A juíza Gabriela de Oliveira Thomaze o tornou réu, abrindo processo contra ele em junho de 2021. Devido ao caso, a mulher obteve uma medida protetiva contra Orestes.

O processo está aguardando análise de alegações finais para o julgamento de pronúncia de Orestes. Depois disso ele poderá ir a júri popular.

Arrastada pelos cabelos

Ao justificar para os policiais a agressão contra a ex-mulher, Orestes Bolsonaro Campos tentou minimizar a separação e dizer que era um "tempo" no casamento. Mas, cerca de duas semanas antes da tentativa de homicídio contra a mãe de seus filhos, ele também agrediu uma outra mulher com quem ele estava em uma festa no dia 17 de setembro de 2020. O nome dela também será preservado.

No boletim de ocorrência, a estudante de 17 anos relatou que já tinha "ficado" com ele algumas vezes e que os dois estavam em uma festa quando tudo aconteceu. Ambos beberam. Ela ficou com sono e deitou em uma cama num dos quartos da casa. Um pouco depois, um outro homem que estava na festa também deitou e adormeceu na mesma cama.

Alguns minutos passaram e Orestes ficou furioso ao ver os dois deitados. Na delegacia, a estudante disse que "estavam apenas deitados, quando Orestes entrou no local e ao ver a vítima ali, a segurou pelos cabelos, puxou, a arrastou no chão, bem como desferiu vários tapas no seu rosto. Que conseguiu se desvencilhar dele e correu para a rua". Depois disso, ela deixou o local e registrou o caso.

Cinco meses depois, em fevereiro de 2020, a juíza Bárbara Chinen tornou o sobrinho do presidente réu por lesão corporal após analisar a denúncia do MP-SP sobre o caso.