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Ferramenta de busca do Facebook dá poder demais a mãos erradas

Imagine a potência analítica feroz do Google aplicada aos dados do Facebook: suas imagens; o que você curte e não curte; quando e onde você nasceu; onde estudou; onde você trabalha; sua religião, orientação sexual e pontos de vista políticos - Thomas Hodel/Reuters
Imagine a potência analítica feroz do Google aplicada aos dados do Facebook: suas imagens; o que você curte e não curte; quando e onde você nasceu; onde estudou; onde você trabalha; sua religião, orientação sexual e pontos de vista políticos Imagem: Thomas Hodel/Reuters

Anand Giridharadas

Do International Herald Tribune, em Nova York (EUA)

25/02/2013 17h51

Ah, as coisas que você aprende com a nova ferramenta de busca do Facebook! Entre elas: que a rede americana de materiais de construção Home Depot é a principal empregadora de pessoas que "curtem" sadomasoquismo; que muita gente não se sente envergonhada em dizer que "curte" Hitler, mas apenas nove delas vivem na Alemanha, incluindo um homem com um nome aparentemente muçulmano que alega trabalhar para a NASA; e que o aborto é proeminentemente rotulado como uma doença, mas mesmo assim mais de 6 mil pessoas o "curtem".

Você aprende que algumas mulheres chamam a si mesmas de esposas de homens que chamam a si mesmos de solteiros. Que muita gente das sociedades conservadoras, de língua não inglesa, querem que o mundo saiba que são bissexuais, ou não compartilham a definição do Facebook de estarem "interessadas" nas pessoas. Que há apoio à democracia na Coreia do Norte, mas, ao menos no Facebook, se resume a apenas um homem. E que, sim, há pessoas de Chengdu, China, atualmente vivendo na região central de Iowa, e sim, quatro delas são solteiras.

A nova ferramenta do Facebook se chama Graph Search. Imagine a potência analítica feroz do Google aplicada aos dados do Facebook: suas imagens; o que você curte e não curte; quando e onde você nasceu; onde estudou; onde você trabalha; sua religião, orientação sexual e pontos de vista políticos –apesar de que a ferramenta só realiza busca nas coisas que você opta por tornar públicas (ou, mais provavelmente em relação ao Facebook, as coisas que você esqueceu de tornar privadas). A nova ferramenta está sendo introduzida lentamente; após me inscrever semanas atrás, eu recentemente passei a ter acesso.

Mesmo em seu mais básico, a Graph Search muda o que o Facebook é. Ele o transforma de um café virtual, onde você vai para se encontrar com as pessoas que conhece, em uma zona de descoberta. Pela primeira vez, o vasto universo de seus não amigos parece tão real, acessível e interessante quanto sua pequena galáxia de amigos.

A Graph Search pode encontrar para você o funcionário da Goldman Sachs (a propósito, não há checagem de fatos no Facebook, de modo que essas identidades foram inventadas) que gosta de jogar beer pong ou que está em um relacionamento aberto. Ela pode levar você a restaurantes na África do Sul preferidos por aqueles que também gostam de Amã e Dallas. Também, se for do seu interesse, pode mostrar fotos de cristãos tiradas na praia.

Ao brincar com a ferramenta, o que se torna claro é que muitas pessoas não levaram em consideração um recurso de busca extraordinária, voraz e curiosa em suas decisões sobre o que confessar no Facebook. À medida que a Graph Search se tornar mais amplamente disseminada, várias pessoas poderão ficar surpresas ao descobrir como foram encontradas, como um homem chamado Tom Scott argumentou no mês passado em um Tumblr que ele criou, chamado "Graph Searchs Reais do Facebook", que recebeu atenção considerável.

A nova ferramenta facilita, por exemplo, encontrar os nomes das pessoas que vivem em Utah, "curtem" poligamia e são casadas. É igualmente indolor encontrar pessoas que vivem em Cuba e são fãs do capitalismo e do próprio Milton Friedman. Ela dá poder às autoridades em Uganda e no Irã, onde a homossexualidade é ilegal, a procurarem por seus cidadãos "interessados" em pessoas do mesmo sexo. Como Scott apontou, a ferramenta pode ser de muita ajuda para uma autoridade chinesa à procura dos familiares de moradores que "curtem" o movimento espiritual proibido Falun Gong.

Esses podem parecer casos extremos. Os perigos para as pessoas comuns, sem controvérsias, apesar de diferentes, permanecem reais. O discurso sobre privacidade pode presumir que algumas coisas exigem proteção sagrada e outras coisas são melhores reveladas do que não. Mas grande parte da informação que circula online sobre você está em uma categoria intermediária: obscura. A Graph Search torna claro o obscuro, o motivo para o site GigaOM, após usar a ferramenta, ter declarado rapidamente "o fim da privacidade por obscuridade".

Se a Graph Search mudar alguma coisa sobre como vivemos, pode ser a transferência do fardo da privacidade para você. Agora é seu dever optar por não ser descoberto.

Mas o lado arrepiante da Graph Search é compensada por um encanto menos alardeado. Ela oferece lembretes, busca após busca, de quão maravilhosamente complicado este planetinha pode ser. Se nossas políticas frequentemente se transformam em lutas preto e branco, o Facebook revela que a maioria de nós vive no cinza.

Na vida digital, como na própria vida, as pessoas são múltiplas – mas, na internet, pode haver menos pressão para nivelar a multiplicidade do que no trabalho e em casa. Você não precisa ser apenas uma mãe, ou uma pessoa de recursos humanos, ou uma parisiense. A Graph Search aponta para um mundo no qual você pode ser um muçulmano que curte a série de Internet "Old Jews Telling Jokes" (judeus velhos contando piadas). Ou trabalhar para uma universidade americana em Bangladesh e curtir o líder taleban mulá Muhammad Omar. Você pode ser brasileiro e curtir a Argentina. É possível admirar a Al Qaeda no Iraque e o rapper Eminem. Você pode ser um mórmon gay. Você pode apoiar o aborto e mesmo assim achar que é um assassinato.

Eu sei o que você está pensando. Sim, pare de ler e vá para sua configuração do Facebook – antes que sua configuração do Facebook pegue você.