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Atraídos de volta pelo cessar-fogo, ucranianos ainda não se sentem em casa

9.set.2014 - Moradores de Debaltseve, na região de Donetsk, leste da Ucrânia, retornam para a casa na cidade agora sob controle de forças ucranianas - Anatolii Stepanov/AFP
9.set.2014 - Moradores de Debaltseve, na região de Donetsk, leste da Ucrânia, retornam para a casa na cidade agora sob controle de forças ucranianas Imagem: Anatolii Stepanov/AFP

Carlotta Gall

Em Donetsk (Ucrânia)

12/09/2014 06h00Atualizada em 12/09/2014 10h52

A rodoviária está novamente movimentada, com famílias desembarcando com crianças, animais de estimação e malas lotadas enquanto esperam pelos ônibus de conexão. Muitos estão voltando para Donetsk e áreas ao redor após escaparem do intenso bombardeio dos últimos meses, devido ao anúncio de um cessar-fogo, mas também por coisas mais prosaicas, como pegar roupas mais quentes e voltar à escola.

"Nós soubemos do cessar-fogo", disse Oksana, uma mãe com um bebê pequeno que estava se juntando ao seu marido e família após um mês distante. "Eles disseram que está calmo agora. Não há mais tiroteios."

"Está esfriando e as crianças precisam voltar à escola", disse outra mulher, que como outras pessoas entrevistas para este artigo, se recusou a dizer seu sobrenome por medo de retaliação. "Eles prometeram que as aulas voltariam ao normal."

Apesar da recente movimentação, Donetsk ainda parece vazia e como uma cidade em guerra. Ela é o centro do movimento separatista, a autodeclarada República Popular de Donetsk, ou RPD, e tem sido alvo de repetidos ataques de artilharia tanto do Exército ucraniano quanto das forças rebeldes nos últimos dois meses. A maioria de seus moradores fugiu para partes mais seguras da Ucrânia ou para a Rússia, e os moradores daqui estimam que talvez um terço da população pré-guerra de cerca de 1 milhão permaneça.

Há poucos carros nas ruas e grande parte do comércio, incluindo uma rede de supermercados, está fechado, com suas vitrines cobertas com tábuas de madeira contra explosões e saques. Os bancos e caixas eletrônicos estão fechados, exceto por um banco estatal no centro, que atrai longas filas de pessoas.

Homens armados usando fardas de camuflagem estão por toda parte, protegendo prédios públicos, mas também conversando em grupos nas ruas e cafés. Um toque de recolher entra em vigor às 23h, mas os rebeldes circulam de carro a noite toda, passando correndo por sinais vermelhos e às vezes batendo seus carros em bulevares vazios. Eles lotam o bar e restaurante Havana Banana, um ponto de encontro favorito no centro.

Dois comandantes almoçavam em uma mesa na calçada coberta, enquanto seus homens montavam guarda na rua. Duas mulheres vestidas elegantemente fumavam um narguilé do Oriente Médio na mesa ao lado.

A troca de tiros pode estar suspensa, mas poucos moradores estão dispostos a retomar suas vidas pré-guerras, ou mesmo podem.


"Nós não saímos à noite", disse Irina, uma jornalista que perdeu seu emprego quando os rebeldes fecharam o jornal dela, em maio. "Nós paramos de planejar."

O namorado dela, Evgeny, também perdeu seu emprego, quando sua firma de segurança fechou. Ele disse que a empresa faliu depois que os rebeldes tomaram o dinheiro do banco central e os veículos blindados de outros bancos, os obrigando a fechar. Ele então recorreu ao seu segundo trabalho, consertar motos, apenas para ser ordenado com uma arma apontada para ele a consertar algumas motos roubadas para os rebeldes.

"Eu cheguei à conclusão que não há sentido", ele disse. "Você começa um negócio e tem um pouco de sucesso, e duas semanas depois homens armados chegam e dizem, 'Bom garoto, vaza'."

Mas foram os bombardeios, que atingiram o bairro deles no lado sudoeste da cidade quase diariamente, que mudaram a forma como viviam. "Era quase todo dia, e em quatro dias atingiram nossa rua", disse Irina. Pelo menos uma pessoa na quadra deles foi morta e outras ficaram gravemente feridas.

O estranho, ela diz, é que os moradores que estão voltando não entendem o risco.

"Muita gente bronzeada está de volta, elas voltam como de uma excursão", disse Evgeny. "Elas circulam por aí olhando para a destruição como se fossem monumentos egípcios."

O afluxo de pessoas está sobrecarregando os estoques de comida da cidade, e cresce a pressão sobre o governo da República Popular de Donetsk para que atenda as necessidades delas. Os funcionários da prefeitura mantiveram o fornecimento de água e luz, mas as escolas, tribunais e muitos outros serviços públicos permanecem fechados. As pensões não são pagas há três meses.

Logo, enquanto algumas pessoas retornam, outras estão partindo. Outra mãe chamada Oksana estava viajando para Kiev para ver seu filho de 16 anos, que ela matriculou em uma escola de lá.

"Nós temos uma escola muito boa aqui, e o diretor lamentou eu tê-lo transferido", ela disse. Mas o filho dela pretende cursar uma universidade em Kiev. "O futuro dele está em Kiev, na Ucrânia", ela disse. "Eu não quero que ele estude em russo, ou em uma escola da RPD."

O emprego dela na usina metalúrgica de Donetsk, a maior da Ucrânia, era outra preocupação, já que o trabalho está praticamente suspenso. "A situação está pior do que durante a Segunda Guerra Mundial", ela disse. "Duas fornalhas foram desligadas."

A outra Oksana, chegando em casa com sua filha de sete meses, também não sabe ao certo se ficará. "Nós queremos toda a família unida, assim decidiremos", ela disse. "A gente talvez parta para a Rússia."