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O futuro que imaginamos tem robôs ao nosso dispor. Isso é bom ou ruim?

Margaret Atwood é poeta, romancista e ensaísta canadense - George Whiteside/The New York Times
Margaret Atwood é poeta, romancista e ensaísta canadense Imagem: George Whiteside/The New York Times

Margaret Atwood

18/12/2014 06h00

Bem-vindo ao futuro, um dos nossos playgrounds favoritos. Adoramos incursionar por ele, como testemunham nossas numerosas utopias e distopias; assim como a vida após a morte, é possível imaginar qualquer coisa sobre o futuro, pois ninguém nunca esteve lá mesmo. O que nos aguarda? Será um "Oh, não!" ou um "Oba!"? Apocalipse zumbi? O fim dos peixes? Agricultura urbana vertical? Exaustão? Seres humanos geneticamente modificados? Através de nossa imensa esperteza, seremos capazes de resolver os inúmeros problemas que enfrentamos agora? Ou será que essa mesma esperteza, juntamente com a ganância e o pensamento a curto prazo, será nossa ruína? Temos muito espaço para especulações, já que o futuro não é predeterminado.

Muitas das nossas projeções futurísticas contêm robôs. O presente também contém robôs, mas acredita-se que teremos mais no futuro. Isso é bom ou ruim? Ainda não nos decidimos. E enquanto pensamos no assunto, que tal uma mente robótica que possa ser feita mais facilmente do que a de um humano?

Escritores de ficção científica exploram robôs há décadas, mas não são os primeiros a fazê-lo. A humanidade imagina entidades não biológicas, mas sencientes e que nos obedecem, desde que a primeira pena tocou um papiro.

Five Finger Hand  - David Walter Banks/The New York Times - David Walter Banks/The New York Times
O Five Finger Hand construído pela Schunk foi projetado para ajudar os robôs a interagirem com um mundo de maçanetas e botões de elevador
Imagem: David Walter Banks/The New York Times

Por que imaginamos tais coisas? Porque, no fundo, nós as desejamos. Nossa espécie nunca coloca muito esforço em coisas que não estejam na sua lista de desejos. Se fôssemos ratos tecnologicamente capazes, aperfeiçoaríamos arpões para caçar gatos, ou pássaro explosivos, ou inventaríamos um produtor molecular de queijo, que permitiria que o Capitão Kirk rato pedisse "queijo, cheddar, forte" para as paredes da nave e o queijo apareceria. Mas nossos desejos são outros, embora a engenhoca do queijo pareça uma boa ideia.

Para entender a lista básica de desejos do Homo sapiens, vamos voltar à mitologia. Dotamos os deuses com as habilidades que gostaríamos de ter: imortalidade e juventude eterna, voo, beleza resplandecente, poder total, controle climático, armas poderosas, banquetes deliciosos -- sem a necessidade de cozinhar e lavar a louça -- e criaturas artificiais ao nosso dispor.

Em um dos textos mais antigos conhecidos, um Deus sumério faz dois demônios entrarem no mundo da morte para salvar a deusa da vida, porque, como eles não estavam realmente vivos, não poderiam morrer. Hefesto, o deus ferreiro coxo da Ilíada e de outras histórias, produzia não apenas mesas de metal que andavam sozinhas, mas também um grupo de prestativas donzelas douradas com inteligência artificial. Além disso, Hefesto criou Talos, um gigante de bronze, para patrulhar e defender a ilha de Creta, dando-nos assim o primeiro enredo da guerra contra as máquinas, que tem sido muito utilizado desde então.

Ao nos aproximarmos da Idade Moderna, continuamos a nos divertir com contos de protorrobôs: cabeças de bronze que falam, golem feito de barro pelo homem, bonecos que ganham vida e mulheres falsas — como Olímpia e Coppelia, imortalizadas em ópera e balé. Enquanto isso, nos afastávamos da coisa real: autômatos a vapor vêm de há muito tempo. Leonardo da Vinci projetou um cavaleiro artificial; e no século 18 houve um exagero de animais, pássaros e bonecos de corda, que podiam executar ações simples. O Canard Digérateur, lançado em 1738, foi mais longe: ele parecia comer, digerir e defecar em seguida. Infelizmente, o cocô era previamente guardado; mesmo assim, o pato mostra a medida com que podemos nos deliciar observando um ser inanimado fazendo algo que não gostaríamos que um verdadeiro fizesse no nosso jardim.

Antibomba - Monica Almeida/The New York Times - Monica Almeida/The New York Times
O esquadrão antibombas do Departamento de Polícia de Los Angeles (EUA) usa robôs para detonar bombas e investigar pacotes suspeitos
Imagem: Monica Almeida/The New York Times

Quando a idade moderna chegou, começamos a levar os robôs a sério. A palavra "robô" foi introduzida na peça "R.U.R" (Rossum's Universal Robots) de Karel Capek em 1920, palavra que tem a mesma raiz de "escravo" ou "servidão". Na peça, Capek estava apenas reproduzindo Aristóteles, que, há muito tempo, imaginou que as pessoas seriam capazes de eliminar as misérias da escravidão, criando dispositivos que se moveriam sozinhos, como as mesas de metal de Hefesto, e fariam o trabalho pesado para nós. Os robôs de Capek foram criados para serem escravos artificiais, acabando assim com a infeliz necessidade dos verdadeiros.

Ou, como diz tão bem uma história da idade de ouro dos quadrinhos de ficção científica: "Os cães já foram o melhor amigo do homem -- agora são robôs! A civilização precisa deles para muitas tarefas importantes!" (A julgar pela forma de cone dos seios da mulher dos quadrinhos, eu diria que este data do início dos anos 50). Em outra história, "O Servo Perfeito", Hugo, o robô -- que parece muito com o homem de lata do Mágico de Oz, personagem cuja influência sobre o mundo dos robôs não foi devidamente reconhecida -- diz: "Me orgulho de ser um robô e de servir a um mestre tão bom quanto o Professor Tompkins!" Mas Hugo também diz: "Não entendo as mulheres".

Opa! Hugo sabe limpar janelas, arrumar as flores e por a mesa com perfeição, mas falta alguma coisa. Quem projetou esse cara? Meu palpite: o Professor Tompkins. Esses malditos cientistas loucos, eles próprios com um parafuso solto, sempre fazem alguma coisa errada.

E por aí vão muitos contos populares. Nós os desejamos e os projetamos, mas nunca nos sentimos suficientemente confortáveis com robôs humanoides. Não há nada que nos assuste mais, dizem aqueles que estudam essas coisas, que os seres que parecem ser humanos, mas não são. Quando se parecem com o homem de lata, com um funil na cabeça, podemos lidar com eles. Mas se forem parecidos conosco -- como, por exemplo, os replicantes do filme "Blade Runner", ou as esposas de "Mulheres Perfeitas" (Stepford Wives), com a cara plastificada e sexualmente submissas; ou como os robôs inimigos na série "Exterminador do Futuro", completamente humanos até perderem sua pele -- a coisa muda.

Robô - Daniel Borris/The New York Times - Daniel Borris/The New York Times
Nós os queremos e os projetamos, mas os robôs com formas humanas parecem nos perturbar
Imagem: Daniel Borris/The New York Times

A preocupação parece vir do fato de que robôs aperfeiçoados, em vez de se sentirem orgulhosos por servir seus criadores, irão se rebelar contra seu status subserviente, e nos eliminar ou escravizar. Como em "O Aprendiz de Feiticeiro" ou os criadores de golem, podemos fazer maravilhas, mas tememos não poder controlar os resultados. Os robôs em "R.U.R" triunfam no fim, e essa entidade cultural foi sendo elaborada ao longo de muitas histórias, em livros ou filmes, nas décadas subsequentes.

A variante inteligente veio de John Wyndham em sua história de 1954 "Compassion Circuit", em que robôs projetados para reagir de maneira empática e carinhosa ao sofrimento humano, cortaram a cabeça de uma mulher doente e a colocam no corpo de um robô. Na época em que foi escrito, esse enredo causou horror, mas hoje provavelmente diríamos: "Que ótima ideia!" Já nos acostumamos com o cenário de um futuro de ciborgues porque -- como disse Marshall McLuhan sobre a mídia -- o que projetamos nos modifica, o que produzimos nos produz e, portanto, o que robotizamos pode, no futuro, nos robotizar.

Talvez. Até certo ponto. Se permitirmos.

Embora eu tenha crescido nos anos dourados dos robôs da ficção científica, só fui ver meu primeiro dispositivo robótico funcional no início dos anos 70. Não era totalmente humanoide, mas um braço e mão robóticos usados no Laboratório de Pesquisa Nuclear de Chalk River, em Ontário (Canadá), para manipular materiais radioativos por trás de um escudo de vidro à prova de radiação. Os mesmos princípios foram empregados no manipulador de naves espaciais Canadarm na década de 80, e muitas outras aplicações para braços robóticos desde então foram identificadas, incluindo a cirurgia remota e -- o meu interesse -- a escrita remota. Ajudei a desenvolver a LongPen em 2004 para facilitar o autógrafo de livros, mas, como o que aconteceu com o golem, ela escapou das intenções do seu criador e agora vive às voltas com o mundo dos bancos, dos negócios, dos esportes e da música. Quem diria?

Esses são os usos benignos da robótica, e existem mais exemplos. A indústria de manufatura agora emprega inúmeros robôs, e ama suas vantagens: eles nunca se cansam, não têm planos de aposentadoria e nem fazem greve. Essa tendência gera certa angústia: o que vai acontecer com a base de consumidores se os robôs substituírem todos os trabalhadores humanos? Quem vai comprar tudo o que os robôs produzem de forma tão barata e contínua? Mesmo os modos mais inofensivos de utilização de robôs podem ter desvantagens escondidas.

Mas, de acordo com entusiastas, pense no potencial de salvar vidas! Nanorrobôs poderiam revolucionar a cirurgia não invasiva. E os robôs já podem ser implantados em tarefas perigosas para os seres humanos, como a detonação de uma bomba e a exploração submarina. Essas coisas são boas de fato.

No entanto, sempre forçamos a barra; faz parte do nosso grande e esperto cérebro. Hefesto concebeu alguns ajudantes artificiais, mas -- por ser fiel ao tipo "geek" -- ele não resistiu e lhes deu a forma de donzelas douradas, um pelotão inteiro de auxiliares só para ele. Pigmalião esculpiu uma jovem de marfim e, em seguida, apaixonou-se por ela. Estamos seguindo nessa direção. "Mulheres Perfeitas" abriu o caminho, e no recente filme "Ela", Joaquin Phoenix se apaixona pela voz simpática, apesar de artificial, do sistema operacional do seu telefone. Mas isso não é coisa de um gênero só. A escritora Susan Swan tem uma história na qual a personagem cria um robô homem chamado Manny, completo, com habilidades culinárias e compaixão, tudo o que uma garota poderia desejar, até que sua melhor amiga o rouba, usando o módulo de empatia do robô (ela precisa mais dele! Como ele pode resistir?).

Na nossa vida real cada vez mais cheia de ficção, já nos prometeram até entrega de pizza por drones -- comédia total, apresentando o molho de tomate fora de lugar, o que certamente não está muito distante. No departamento automotivo, carros que se dirigem sozinhos estão chegando. Não se anime muito: é pouco provável que os motoristas abram mão de sua autonomia, e as possibilidades para os hackers são óbvias. Ainda mais extremas são as pessoas que sonham com prostitutas robóticas, que incluam o recurso de descarga sanitária. Elas vão poder falar? E, em caso afirmativo, o que dirão?

Se a perspectiva de ficar dolorosamente preso devido a uma avaria no prostibô te impedir de testá-la, você poderá usar um dispositivo beijador remoto que transmite a sensação do beijo do seu amor para seus lábios através de feedback háptico e de um aparelho que se assemelha a um ovo de plástico (feche os olhos e sinta). Ou você pode se aventurar no mundo dos teledildos -- vibradores de controle remoto, basicamente. Aperte os botões do controle e veja o efeito na tela. Livre de germes! Espere até que o Google ou o Skype lancem mão disso.

Será que o sexo remoto e por demanda irá mudar as relações humanas? Será que vai mudar a natureza humana? Qual é a natureza humana, afinal? Essa é uma das perguntas nas quais nossos robôs -- reais e fictícios -- nos fazem pensar.

Toda a tecnologia que desenvolvemos é uma extensão de um dos nossos próprios sentidos ou recursos. Sempre foi assim. A lança e a flecha estendem o braço, o telescópio estende a visão, e agora o Kissinger -- o dispositivo do beijo -- estende a boca. Toda a tecnologia já produzida também alterou a maneira como vivemos. Então, como serão nossas vidas se o futuro que escolhemos tem tantos robôs? Mais importante, como faremos esse futuro funcionar? Toda forma robótica que já existe e as que estão por vir dependem do fornecimento de energia barata. Se a energia acaba, o mesmo acontece com os robôs. E, de certo modo, nós também, já que o estilo de vida que construímos e no qual confiamos necessita de um mar de eletricidade. O gigante de bronze de Hefesto era alimentado pelo licor dos deuses; não podemos usar isso, mas temos que pensar em outra fonte de energia que seja amplamente disponível e não acabe nos matando.

Se não pudermos fazer isso, o número de cenários futuros à nossa disposição vai encolher drasticamente para um. Não vai ser o "Oba!" Será o "Oh, não!" E ele talvez seja seguido -- como em uma história de Ray Bradbury -- por um coro de vozes robóticas funcionando com baterias, que continuará muito tempo depois que nossas vozes se calarem.