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Opinião: Refugiados que poderiam ser nós

Nicholas Kristof

09/09/2015 06h00

Vendo as terríveis imagens dos refugiados sírios lutando para se salvar --ou, no caso de Aylan Kurdi, 3, afogando-se na viagem--, penso em outros refugiados: Albert Einstein, Madeleine Albright, o dalai-lama. E meu pai.

Depois da Segunda Guerra Mundial, meu pai atravessou o rio Danúbio a nado para fugir da Romênia e tornou-se parte de uma maré de refugiados aos quais ninguém dava muita importância. Felizmente, uma família em Portland, Oregon (EUA), patrocinou sua viagem aos Estados Unidos, tornando possível esta coluna.

Se você não vê a si mesmo ou a membros de sua família naquelas imagens dos refugiados de hoje, você precisa de um transplante de empatia.

A morte de Aylan refletiu um fracasso sistemático da liderança mundial, das capitais árabes às europeias, de Moscou a Washington. Esse fracasso ocorreu em três níveis:

- a guerra civil na Síria se arrasta há quatro anos, tirando quase 200 mil vidas, sem esforços sérios para deter os bombardeios. Criar uma zona de segurança pelo menos permitiria que os sírios continuassem em seu país.

- enquanto milhões de refugiados sírios inundavam os países vizinhos, o mundo encolhia os ombros. Os pedidos de ajuda da ONU para os refugiados sírios só são atendidos em 41%, e o Programa Mundial de Alimentos foi obrigado recentemente a cortar sua alocação alimentar para refugiados no Líbano para apenas US$ 13,50 por pessoa /mês. A metade das crianças sírias refugiadas não pode ir à escola. Por isso, é claro, os pais preocupados rumam para a Europa.

- conduzidos pela xenofobia e a demagogia, alguns europeus fizeram o possível para estigmatizar os refugiados e impedir suas viagens. Bob Kitchen, do Comitê Internacional de Resgate, disse-me que viu famílias de refugiados que chegaram às praias da Grécia abraçar-se e comemorar, acreditando que haviam conseguido, sem saber o que ainda enfrentariam no sul da Europa.

"Esta crise se deve ao grupo de líderes mundiais que priorizaram outras coisas" em vez da Síria, disse Kitchen. "Este é o resultado daquela inação."

António Guterres, chefe da agência de refugiados da ONU, disse que a crise é, em parte, "um fracasso da liderança mundial".

"Isto não é uma invasão maciça", disse ele, notando que cerca de 4.000 pessoas estão chegando diariamente a um continente com mais de 500 milhões de habitantes. "Isto é administrável, se houver compromisso e vontade política."

Todos sabemos que o mundo falhou com os refugiados na escalada da Segunda Guerra Mundial. Os EUA se recusaram a permitir que judeus desembarcassem de um navio, o St. Louis, que havia chegado a Miami. O navio voltou à Europa e alguns passageiros morreram no Holocausto.

Aylan, que tinha parentes no Canadá que queriam lhe dar um lar, não encontrou porto. Morreu sob nossa vista.

Guterres acredita que imagens de crianças como Aylan estão mudando as atitudes. "A compaixão está vencendo o medo", disse ele.

Espero que ele esteja certo. Parabéns em particular aos islandeses, que no Facebook se oferecem a pagar pelos voos de refugiados sírios e então hospedá-los em suas casas. Milhares de islandeses apoiaram esse esforço, sob o slogan "Só porque não está acontecendo aqui não quer dizer que não está acontecendo".

Depois há os países do Golfo Pérsico. A Anistia Internacional relata que Arábia Saudita, Kuwait e Emirados Árabes Unidos não aceitaram um único refugiado sírio (embora tenham permitido que sírios ficassem sem o estatuto formal de refugiados). Enquanto isso, os bombardeios da Arábia Saudita ao Iêmen só aumentaram a crise global de refugiados.

Nós, americanos, podemos ser tentados a nos dar tapinhas nas costas. Mas os EUA só aceitaram cerca de 1.500 refugiados sírios desde o início da guerra, e o governo Obama falhou com a Síria, seja deixando de fazer coisas duras, como ameaçar o uso de mísseis para criar uma zona de segurança, ou algo fácil, como apoiar mais escolas para crianças sírias em países vizinhos.

Sim, assimilar refugiados é difícil. É fácil receber as pessoas no aeroporto, mas mais complexo fornecer empregos e absorver pessoas com valores diferentes. (Na Jordânia, certa vez visitei uma família de refugiados que esperava se assentar nos EUA e vi um cartaz de Saddam Hussein na parede; perguntei-me como se daria a adaptação.)

Em todo caso, sejamos claros que a solução final não é reassentar os sírios, mas permitir que eles voltem para casa.

"Parar as bombas salvará mais refugiados que morrem na estrada para a Europa do que qualquer outra ação, porque as pessoas querem voltar a viver em suas casas", comentou Lina Sergie Attar, uma escritora e arquiteta sírio-americana.

Houve um vigoroso debate público sobre se a foto do corpo de Aylan afogado deveria ser mostrada pelas organizações jornalísticas. Mas a verdadeira atrocidade não é a foto, mas a morte em si, e nosso atual fracasso moral em salvar a vida de crianças como Aylan.

Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves