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Governo relaxa repressão e iranianos vestem cores e abandonam véu em público

AFP
Imagem: AFP

Thomas Erdbrink

Em Teerã

07/10/2015 06h00

Quando a música terminou e a multidão se levantou para aplaudir, havia várias mulheres na plateia com a cabeça descoberta, com os lenços de cabeça obrigatórios pendurados no pescoço.

E não era um concerto subterrâneo de uma banda indie no norte de Teerã. Pelo contrário, era um recital clássico de um tocador de alaúde em Vahdat Hall. Enquanto a casa de ópera ia se esvaziando, as mulheres casualmente colocavam os lenços de volta nos cabelos e saíam. Ninguém parecia se importar, ou mesmo notar.

Não era um protesto ou um gesto político, e sim uma ilustração fugaz da autoconfiança recém-descoberta, visível em toda a capital - o que os iranianos estão chamando de “movimento de estilo de vida”.

“Ninguém piscou, porque, na prática, a maioria das pessoas está muito à frente das normas estabelecidas pelo governo”, disse Haleh Anvari, ensaísta baseada em Teerã que estava na apresentação. “Em carros, cinemas e concertos, as pessoas comuns estão cada vez mais tomando o seu espaço.”

Os iranianos sempre tiveram ricas vidas privadas, algumas inclusive seguindo tendências e modas ocidentais, mas por trás de portas fechadas. O Estado tolerava isso, mas insistia que as pessoas aderissem às leis rigorosas sobre aparência e comportamento nos espaços públicos estabelecidas após a revolução islâmica de 1979.

Essa desconexão levou a um jogo perpétuo de gato e rato, com as liberdades públicas praticamente desaparecendo após a repressão brutal dos protestos após as eleições presidenciais amplamente contestadas de 2009.

Mas agora, após a eleição de Hassan Rouhani, um presidente moderado, e com a assinatura do acordo nuclear neste verão, os iranianos estão cada vez mais tomando as ruas, desta vez não para desafiar o governo, mas para recuperar os espaços públicos. Embora muitos céticos digam que as mudanças são mínimas e podem ser revertidas a qualquer momento, o movimento de estilo de vida parece estar se espalhando por todo o país.

“Poucos diriam isso em voz alta, mas nós tínhamos nos tornado quase um Estado policial”, disse Hamid Reza Jalaeipour, sociólogo da Universidade de Teerã, sobre os anos após 2009, quando a polícia da moralidade estava em todas as principais praças, levando embora aquelas consideradas “pouco cobertas”. Para muitos, o ambiente se tornou tão sufocante que eles começaram a sair para outros países.

Jalaeipour conta que pequenas mudanças começaram quando Rouhani destituiu Mahmoud Ahmadinejad, em 2013, prometendo um acordo nuclear e a expansão das liberdades pessoais, mas aumentaram notavelmente nos últimos tempos. “A confiança das pessoas comuns está aumentando, e isso pode ser visto em toda parte, especialmente depois das eleições e, agora, do acordo nuclear.”

A mudança, no entanto, é palpável em um país que antes tinha a polícia da moralidade em todas as cidades; que desencorajava o uso de qualquer coisa que não fosse preto e a maioria das formas de entretenimento; e que, nos últimos anos, havia começado a enterrar os restos dos mártires da guerra Irã-Iraque no meio das praças públicas.

Nas universidades, os estudantes começaram a usar roupas coloridas. Há músicos de rua em cruzamentos movimentados - apesar de a música ainda ser frequentemente denunciada por clérigos conservadores como “haram”, proibida no islã. Os desfiles de moda, com modelos e passarelas, anteriormente proibidos, estão ressurgindo. À noite, as mulheres podem ser vistas andando em carros sem o lenço na cabeça, enquanto os outdoors, que por muito tempo o domínio exclusivo de figuras políticas, agora apresentam celebridades como o ator iraniano Bahram Radan, que anuncia casacos de couro.

Antes era considerado politicamente arriscado até mesmo fazer piadas em reuniões públicas, enquanto hoje os cafés organizam noites de comédia em pé. Grupos de cidadãos formaram organizações não governamentais em torno de questões como os direitos dos animais e o meio ambiente.

Na primavera, mais de mil ativistas dos direitos dos animais se reuniram no Ministério do Meio Ambiente, protestando contra a matança de cães de rua na cidade de Shiraz. O protesto foi movido pela mídia social, fortemente amplificado pela introdução da Internet móvel 3G. A matança parou.

Muitas das iniciativas são o resultado natural de uma longa demanda reprimida, mas também porque o Estado parece estar se retirando de muitas áreas.

Segundo os analistas, isso resulta do trabalho de autoridades nomeadas por Rouhani, que assumiram cargos de alto nível nos ministérios de Cultura e do Interior. Elas não podem reescrever as leis do Irã: o Parlamento e o Judiciário impediriam quaisquer alterações. Mas permitiram que os cidadãos tivessem mais espaço para respirar.

De repente, há uma grande oferta de concertos e de iniciativas públicas, como campanhas para boicotar as montadoras iranianas e pressioná-las a elevar a qualidade de seus produtos ou para salvar gatos abandonados, que estão crescendo rapidamente por toda a cidade.

O único limite é a política, dizem muitos. Qualquer coisa com um tom político é reprimida.

Ainda assim, há uma série de oportunidades para aqueles que, como Ehsan Rasoulof, 32, conseguem vê-las. Filho de um banqueiro rico, ele parece um aspirante a artista iraniano típico, vestindo uma camisa xadrez e calça jeans rasgada e fumando cigarros iranianos sem parar, que são metade do tamanho dos ocidentais. Em vez de dirigir um Maserati, como outros filhos da elite em Teerã fazem, ele usa táxis.

“Eu não sou de esquerda nem de direita, eu não ligo para política”, disse ele. “Minha missão na vida é ter de volta o nosso espaço público.”

Ele disse que muitos iranianos tinham a intenção de recuperar as liberdades que tiveram após a eleição de Mohammad Khatami, um moderado que foi presidente de 1997 a 2005 - com exceção da liberdade política. Foi como o rompimento de uma barragem, inundando a sociedade fechada do Irã com ambições juvenis. Jornais foram abertos, meninos e meninas começaram a se misturar e, no auge do que alguns chamaram de a “primavera iraniana”, os estudantes entraram em confronto com as forças de segurança durante seis dias, depois que um jornal foi fechado.

A oposição conservadora, contudo, ganhou força, o que levou aos anos de governo de Ahmadinejad, dedicados a destruir a sociedade civil que havia emergido, inclusive aprisionando e exilando seus arquitetos.

Hoje em dia, os moderados também estão de volta, mas operam com cautela - como eles mesmos dizem, como um carro transitando à noite com faróis apagados.

Sentado em um escritório do partido reformista recém-inaugurado, Ali Shakorirad, presidente do Partido da União Nacional Islâmica Iraniana, disse que não tinha um programa claro: “Por enquanto, estamos simplesmente tentando sobreviver”.

A maioria dos iranianos atualmente não se importa muito com mudança política. Em vez disso, o foco é a responsabilidade social.

“Durante a era de Ahmadinejad, vimos que, se ficássemos de lado, saíamos perdendo”, disse Sohrab Mahdavi, que faz parte de um grupo que está pressionando o governo a limpar o ar notoriamente ruim de Teerã. “Se quisermos ser bons cidadãos, devemos primeiro assumir a responsabilidade”, disse ele.

Jalaeipour, o sociólogo, disse que não tinha certeza de qual direção o novo ativismo estava tomando ou o quão longe iria. É natural que esses movimentos migrem para a esfera política, disse ele: “É definitivamente um desafio para quem está no poder”.

As incursões no espaço público são evidentes em toda parte, disse, e podem não ser tão fáceis de suprimir. “Hoje em dia, você vê as mulheres tirando o lixo sem o lenço de cabeça”, disse ele. “Parece difícil mandar todas essas pessoas de volta para suas casas.”