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Série sobre Escobar requenta uma fase dolorosa de uma Medellín transformada

Tom Cruise posa com soldados do Exército colombiano - Exército da Colômbia/AFP
Tom Cruise posa com soldados do Exército colombiano Imagem: Exército da Colômbia/AFP

Em Medellín (Colômbia)

25/10/2015 06h00

Considerando a ostentação com que viveu, o lugar de descanso de Pablo Escobar é curiosamente modesto. Escobar, o chefão das drogas mais famoso do mundo, foi enterrado entre parentes perto de uma fileira de pinheiros esquálidos, sob uma lápide verde esmeralda que lista apenas seu nome e a data de nascimento e morte.

Depois que ele foi morto a tiros em dezembro de 1993, seu túmulo se tornou um local de peregrinação para os colombianos pobres que o reverenciavam como uma figura magnânima que tinha ajudado os necessitados do país, construindo casas e distribuindo dinheiro. Ao longo dos anos, à medida que a gratidão por sua generosidade se desvaneceu e Medellín fez muito para superar seu passado sangrento, o número de visitantes locais ao túmulo caiu para alguns gatos pingados.

Mas com a explosão recente de séries de TV e filmes sobre o homem, e sobre a era violenta que ele veio a personificar, as pessoas estão mais uma vez peregrinando até Montesacro Gardens, um cemitério montanhoso nos arredores de Medellín.

"Todos os dias, recebemos de 40 a 50 pessoas”, diz Federico Arroyave, segurança do túmulo de Escobar, numa tarde ensolarada. “Apenas turistas.”

A série "Narcos", do Netflix, um drama policial bilíngue, arrebatou um bom público nos Estados Unidos e em grande parte da América Latina desde sua estreia no final de agosto. Ela veio depois de uma série de televisão produzida em 2012 na Colômbia, chamada "Escobar, el Patrón del Mal", ou “Escobar, o Senhor do Mal”.

No mês passado, Tom Cruise passou duas semanas na Colômbia filmando cenas de "Mena", um filme sobre o piloto norte-americano Barry Seal, traficante de drogas que se tornou informante da Drug Enforcement Administration, ou DEA, a agência anti-drogas dos EUA. Enquanto isso, Penélope Cruz e Javier Bardem estrelarão um filme sobre o romance do chefão do tráfico com uma jornalista que se tornou um informante da DEA anos depois que ele morreu.

A história de Escobar, de esfarrapado a bilionário impiedoso, é fascinante, com certeza. Mas para muitos colombianos, eu inclusive, este interesse súbito e intenso por aquele período parece uma ressaca ruim numa época em que o governo colombiano e o maior grupo guerrilheiro do país, as (Farc) Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, de inspiração marxista, estão negociando um acordo de paz depois de cinco décadas de guerra.

A série Netflix tem sido particularmente irritante para os colombianos. Para começar, o ator que interpreta Escobar, o brasileiro Wagner Moura, tem um forte sotaque. A história é contada do ponto de vista de Steve Murphy, um agente valentão do DEA, cuja interpretação dos fatos é muito rasa e rica em clichês.

"Isso faz parte da nossa história, gostemos ou não", disse Francisco Pulgarín, diretor da Comissão de Cinema da prefeitura de Medellín, que tem a política de não assessorar as equipes que trabalham em filmes sobre o tráfico de drogas. "Nós não queremos apoiar projetos que tratam desse capítulo, que para nós está encerrado."

As autoridades de Medellín não encobrem seu passado brutal. Em 2012, a cidade inaugurou a Casa da Memória, um museu que convida os visitantes a refletirem sobre a história longa e complicada da brutalidade na Colômbia. O ponto baixo de Medellín aconteceu em 1991, quando grande parte da cidade era administrada por cartéis de drogas. Naquele ano, os necrotérios receberam 6,809 vítimas de homicídio.

"O Estado estava de joelhos na guerra contra os traficantes de drogas", disse Luis Fernando Suárez Vélez, vice-prefeito, que supervisiona as iniciativas de segurança. "A lição que aprendemos é que você tem de lutar de frente contra o tráfico de drogas."

Os funcionários da cidade ficaram orgulhosos de anunciar este ano que, pela primeira vez em décadas, Medellín já não está entre as 50 cidades com as maiores taxas de homicídio do mundo. Ela reduziu a pobreza, investindo na educação, habitação e infraestrutura.

Medellín, a segunda maior cidade da Colômbia, agora tem um setor de moda em expansão, uma cena gastronômica vibrante, hotéis descolados e uma vida noturna agitada. O clima de primavera durante o ano inteiro e a cultura de hospitalidade ajudou-a a divulgar-se como um destino turístico, e ela costuma atrair grandes conferências internacionais.

Isso não quer dizer que Medellín esteja totalmente segura, uniformemente próspera e livre de drogas. Crimes de rua violentos continuam sendo comuns. Os salários de muitos moradores permanecem baixos. E o tráfico de drogas continua desempenhando um papel insidioso, embora menos visível, na política e na economia da região. No entanto, os moradores dizem que há muito para se orgulhar.

A chegada de Tom Cruise foi abraçada com entusiasmo por autoridades municipais, que decidiram burlar a regra da Comissão de Cinema quanto a filmes sobre o tráfico. Ela ajudou os produtores a obter autorizações de filmagem, resolveu questões logísticas para a equipe e convidou Cruise para conhecer o prefeito.

"Ter um ator dessa escala aqui na cidade por 15 dias, andando na rua, indo a restaurantes, isso nos permitiu mostrar o quanto Medellín mudou”, disse Pulgarín.