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Quem está sendo atingido pelos ataques aéreos contra o Estado Islâmico na Síria?

Anne Barnard

19/11/2015 06h00

Primeiro a França, e depois a Rússia, responderam aos ataques terroristas executados pelo grupo jihadista EI (Estado Islâmico) contra seus cidadãos com uma estratégia de represália direta: campanhas de ataques aéreos intensificados sobre Raqqa, a "capital" dos militantes dentro da Síria, com intuito de eliminar os líderes e os recursos do grupo.

Mas na terça-feira (17), nas primeiras horas dessas novas campanhas, parecia haver mais perguntas do que resultados decisivos, sendo a principal delas: se havia alvos confirmados do Estado Islâmico que poderiam ser atingidos sem matar civis, por que eles não foram atacados há mais tempo? E o quê, de fato, estava sendo atacado?

De uma forma mais ampla, os ataques aéreos a Raqqa estão reacendendo um debate sobre o quão eficazes esses ataques conseguem ser em derrotar ou em conter o Estado Islâmico, sem se comprometer mais com medidas como cortar seus apoios financeiros, combater sua ideologia ou conduzir um ataque terrestre, algo que as forças externas de todas as partes parecem ter descartado até o momento.

Várias pessoas no Líbano, na Síria e na Turquia que conseguiram entrar em contato com parentes em Raqqa dizem que os ataques aéreos recentes da França --uma série de aproximadamente 30 bombardeios na noite de domingo (15) e outros sete na segunda-feira (16)-- não mataram nenhum civil. Mas eles tampouco infligiram danos militares sérios, e, em vez disso, atingiram áreas ou prédios vazios, ou partes do território de complexos fabris e bases militares usadas pelo Estado Islâmico.

Abdullah, um zelador sírio residente em Beirute, que, na terça-feira (17), falou com a irmã, que está em Raqqa, disse que “todos esses ataques miraram em locais vazios abandonados”, em referência aos sete bombardeios franceses que ocorreram no dia anterior. No domingo, segundo ele, os 30 bombardeios franceses atingiram em sua maior parte a periferia da cidade. "Graças a Deus, nenhum civil morreu", disse.

O grupo ativista "Raqqa Está Sendo Massacrada Silenciosamente", que atua tanto contra o Estado Islâmico quanto contra o governo sírio, também afirmou que nenhum civil havia sido morto nos bombardeios franceses. A organização ainda não havia postado informações sobre os ataques aéreos russos que ocorreram na terça-feira, carecendo de atualizações mais recentes.

Outros 25 a 30 bombardeios franceses atingiram Raqqa no final da terça-feira, de acordo com o Observatório Sírio pelos Direitos Humanos, um grupo de monitoramento no Reino Unido que possui uma rede de contatos na Síria. Muitos dos ataques atingiram áreas desertas, mas houve relatos de baixas além de danos a propriedades, de acordo com o grupo.

O Ministério da Defesa da França disse, em comunicado, que os caças decolaram da Jordânia e dos Emirados Árabes Unidos, e que os ataques haviam destruído dois centros de comando do Estado Islâmico em Raqqa.

Embora os Estados Unidos tenham conduzido ataques direcionados dentro de Raqqa, como o que teria matado a figura midiática do Estado Islâmico conhecida como Jihadi John, oficiais americanos dizem que a preocupação com o grande número de civis remanescentes na cidade evitou que fossem feitos bombardeios mais pesados. E, mesmo seguindo as regras atuais de combate, os sírios relataram inúmeras instâncias de baixas civis resultantes de ataques americanos, inclusive um ocorrido na cidade de Bir Mahli, que matou pelo menos 60 pessoas em maio.

Muitos dos postos de comando do grupo em Raqqa foram identificados há muito tempo, mas eles ficam em lugares com grande circulação de civis ou onde o Estado Islâmico mantém prisioneiros civis, como o principal centro de segurança conhecido como Ponto 11, dentro de um estádio de futebol.

Um apoiador do governo sírio, que é de Raqqa e agora vive em Beirute, descreve-se como uma espécie de informante autônomo para forças governamentais. Ele disse que há muito tempo vêm ocorrendo ataques aéreos dentro ou nos arredores de Raqqa quase todos os dias. Às vezes, eles são executados por aviões de guerra sírios, outras pela coalizão liderada pelos EUA e mais recentemente pela Rússia, disse o informante, identificando-se somente por um apelido, Shadi, para proteger membros de sua família ainda em Raqqa. Mas acrescenta: "Eles não têm muito impacto sobre a situação militar do EI."

Apesar de sua lealdade para com o governo sírio, Shadi disse que na prática os ataques aéreos do governo tendiam a acertar com menos precisão, ao passo que os americanos às vezes eram precisos o suficiente para matar comandantes do Estado Islâmico dentro de seus carros. Ataques aéreos russos anteriores, incluindo alguns sobre Raqqa mas também em outros lugares, não se mostraram muito melhores do que os do governo, pois os russos não tinham "pessoal em terra".

Divergência entre EUA e Rússia

Outro fator que complica o esforço internacional é a divergência entre a Rússia e os Estados Unidos sobre quem e o quê alvejar. A Rússia insiste que há pouca diferença entre o Estado Islâmico e outros grupos insurgentes, como a Frente Al-Nusra, afiliada à Al-Qaeda, e algumas facções apoiadas pelos americanos. Os EUA insistem que o foco deveria ser no Estado Islâmico, e que alguns outros grupos são forças de oposição legítimas.

Essa prolongada disputa esteve em evidência na terça-feira quando mísseis russos atingiram as províncias de Idlib e Aleppo, em áreas onde o Estado Islâmico não possui nenhum território conhecido. Na cidade de Atareb, de acordo com rebeldes locais, um grupo que vinha combatendo o Estado Islâmico e recebendo apoio dos EUA foi atingido.

O Instituto para os Estudos da Guerra, um grupo de pesquisas de Washington que defendia uma intervenção mais robusta dos americanos na Síria, recentemente fez um apelo para que fossem afrouxadas as regras de uso de aviões de guerra dos EUA; em outras palavras, um relaxamento nos esforços para evitar que se matem civis.

Shadi e outros residentes de Raqqa disseram que um plano como esse, sem contar as objeções morais, não fazia muito sentido. Os combatentes do Estado Islâmico em Raqqa parecem mais preocupados com a ofensiva em terra que está sendo preparada pelas milícias curdas.

Shadi disse que os combatentes vinham pressionando até rapazes de 15 anos a se juntarem a eles para "combater os curdos" e, caso eles se recusassem, impunham-lhes um “imposto” que seria usado para comprar uma arma para um combatente.

"Eles estão enfrentando a morte todos os dias", disse Shadi sobre os residentes, acrescentando que muitas famílias haviam enviado um membro para se juntar ao Estado Islâmico porque elas precisavam de dinheiro ou de proteção contra o grupo.