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Opinião: Os EUA não estão nem mesmo tentando discutir a questão das armas

Doug Saunders/Los Angeles News Group/AP
Imagem: Doug Saunders/Los Angeles News Group/AP

Nicholas Kristof

04/12/2015 06h00

Outro dia, outro tiroteio medonho nos Estados Unidos.

Até o momento neste ano, o país conta em média com um tiroteio em massa por dia, segundo o site ShootingTracker, que conta os casos em que quatro pessoas ou mais são baleadas. E agora temos o ataque da quarta-feira em San Bernardino, Califórnia, onde morreram pelo menos 14 pessoas.

Ainda é cedo para saber exatamente o que aconteceu em San Bernardino, mas apenas nos últimos quatro anos, mais pessoas morreram nos Estados Unidos por armas de fogo (incluindo suicídios e acidentes) do que americanos morreram nas guerras das Coreias, Vietnã, Afeganistão e Iraque somadas. Quando uma pessoa morre nos Estados Unidos a cada 16 minutos por arma de fogo, nós precisamos falar urgentemente sobre soluções.

Os democratas, incluindo o presidente Barack Obama, enfatizam a necessidade de tratar dos problemas com armas nos Estados Unidos. Os republicanos falam sobre a necessidade de tratar da questão da saúde mental. Ambos estão certos.

Primeiro, armas, a questão central: precisamos de uma nova abordagem de saúde pública baseada não na eliminação das armas (isso simplesmente não acontecerá em uma terra repleta de 300 milhões de armas), mas em reduzir a carnificina que causam.

Nós rotineiramente elaboramos políticas para redução de vítimas dos produtos mortais à nossa volta. É o que fazemos com os carros (carteiras de motorista, cintos de segurança, guardrails). É o que fazemos com piscinas (cercas, portões à prova de crianças, coberturas). É o que fazemos com armas de brinquedo (pintadas de laranja).

É o que devemos fazer com as armas reais.

Nós podemos melhorar a segurança pública sem eliminar as armas. A Suíça tem armas por toda parte, porque quase todos os homens passam muitos anos como membros em tempo parcial das Forças Armadas (costuma-se dizer que a Suíça não tem um Exército; ela é um Exército). Mas apesar de armas militares serem ubíquas, a criminalidade é baixa.

O que devemos fazer é nos concentrarmos em coibir o acesso a armas pelas pessoas que apresentam o maior risco. Um primeiro passo imperativo é uma checagem universal de antecedentes para aquisição de uma arma. Nova pesquisa de Harvard sugere que cerca de 40% das armas nos Estados Unidos são adquiridas sem checagem de antecedentes –o que simplesmente é inadmissível.

Espantosamente, é perfeitamente legal até mesmo que pessoas em uma lista de vigilância de terrorismo comprem armas nos Estados Unidos. Mais de 2 mil suspeitos de terrorismo de fato compraram armas nos Estados Unidos entre 2004 e 2014, segundo o Escritório de Auditoria do Governo e o Wonkblog do "The Washington Post". Os democratas repetidamente propuseram fechar essa brecha, mas a Associação Nacional do Rifle (NRA, na sigla em inglês) e seus aliados republicanos bloquearam esses esforços, de forma que ainda é legal.

Enquanto os republicanos no Congresso resistem até mesmo a medidas básicas para coibir o acesso de criminosos violentos a armas, o público é muito mais razoável. Mesmo entre os donos de armas, 85% aprovam checagem universal de antecedentes, de acordo com uma pesquisa feita neste ano.

Igualmente, a maioria dos donos de armas apoia uma repressão aos vendedores de armas de fogo que são descuidados ou permitem que armas se extraviem. A maioria também é a favor de proibir menores de 21 anos de terem armas de fogo e da exigência de que as armas fiquem trancadas em casa.

Todas essas são medidas razoáveis que são, tragicamente, bloqueadas pela NRA e seus aliados. A NRA costumava ser uma organização razoável. Ela apoiou a primeira grande lei federal de armas em 1934 e acabou apoiando a Lei de Controle de Armas de 1968. Como um menino de fazenda que cresceu na zona rural do Oregon, eu ganhei um rifle calibre 22 no meu 12º aniversário e fiz um curso de segurança da NRA que, como me recordo, vinha com uma filiação por um ano. Mas a NRA se transformou em um lobby extremista que se opõe veementemente até mesmo a medidas apoiadas pela maioria dos donos de armas.

Quanto à saúde mental, os republicanos estão certos que ela às vezes está ligada à violência com armas. Mas também é verdade que, em alguns casos, os cortes promovidos por eles no orçamento reduziram os serviços de saúde mental. Para seu crédito, o deputado Tim Murphy, republicano da Pensilvânia, apresentou um projeto de lei que melhoraria nosso desastroso sistema de saúde mental, talvez reduzindo o número de pessoas que surtem e recorram a violência. Mas alguns democratas desconfiam do projeto de lei porque os republicanos gostam dele. Isso é absurdo: precisamos de melhores serviços de saúde mental tanto quanto precisamos de checagem universal de antecedentes.

Não está claro que política poderia ter impedido as mortes em San Bernardino. Nem todo tiroteio pode ser prevenido. Mas não estamos nem mesmo tentando.

Quando enfrentamos o problema de dirigir embriagado, nós adotamos medidas como só permitir que maiores de 21 anos bebam e a reprimir os infratores. Isso não eliminou o problema, mas salvou milhares de vidas.

Por razões semelhantes, Ronald Reagan, saudado pelos republicanos em todos os outros contextos, defendia a regulamentação de armas, incluindo períodos de espera obrigatórios para compras.

"Todo ano, em média 9.200 americanos são assassinados por armas de fogo", Reagan escreveu em um artigo de opinião no "New York Times" em 1991, apoiando as restrições a armas de fogo. "Precisamos acabar com esse nível de violência."

Ele acrescentou que se uma regulamentação mais rígida de armas "resultar em uma redução de apenas 10% ou 15% desses números (e poderia ser ainda maior), já valeria transformar isso em lei".

Republicanos, ouçam seu líder santificado.