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Com recessão econômica, ideologia de Chávez enfraquece na Venezuela

Soldados passam por ilustração de Chávez em Sabaneta, onde o presidente nasceu - Miguel Gutierrez/The New York Times
Soldados passam por ilustração de Chávez em Sabaneta, onde o presidente nasceu Imagem: Miguel Gutierrez/The New York Times

William Neuman

Em Barinas (Venezuela)

20/12/2015 06h00

Quando presidente, Hugo Chávez esbanjou milhões do petróleo venezuelano em Barinas, seu Estado natal na Venezuela. Ele construiu um estádio de futebol, rodovias, prédios de apartamentos e um hospital. Ele cantava canções de Barinas, dançava as danças folclóricas locais na televisão e andava com os boiadeiros pelas planícies abertas do Estado.

Barinas devolveu o carinho. Chávez e seu partido venceram as eleições com folga em Barinas, e seu pai e depois seu irmão, Adán, foram eleitos governadores. Depois que Chávez morreu em 2013, o povo de Barinas deu seu voto para o sucessor dele, escolhido a dedo, Nicolás Maduro.

Mas as vacas gordas viraram vacas magras, a economia está em frangalhos e o caso de amor acabou.

Na semana passada, num duro golpe para o movimento conhecido como chavismo, Barinas se juntou ao resto do país e transformou a raiva causada pela situação econômica numa vitória esmagadora para a oposição política nas eleições legislativas.

Na votação direta, todos os candidatos chavistas do Estado perderam, inclusive um que leva o premiado sobrenome Chávez --outro irmão do ex-presidente, Argenis. E na votação proporcional para os partidos, a coalizão de oposição esmagou o PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela, fundado por Chávez).

“Esses caras arruinaram tudo o que Chávez deixou”, disse Pablo Rodríguez, 37, que vende camisas de times de futebol na rua em frente ao estádio que Chávez construíu, a poucos quarteirões de uma casa onde Chávez passou parte da infância.

Rodríguez disse que foi um chavista leal até 6 de dezembro, quando pela primeira votou em outro partido.

“Não é que eu tenha votado para a oposição”, disse ele. “Votei contra tudo isso que está acontecendo. Foi como o presidente disse: um tapa na cara. Ele entendeu isso.”

Um cliente que comprava uma camisa e um calção de futebol disse que ele, também, tinha votado contra o governo pela primeira vez. Mas o cliente, Ronald Rivero, 26, disse que os eleitores irritados querem ver resultados da Assembléia Nacional, controlada pela oposição.

“Agora esses caras têm que trabalhar, e se não fizerem nada, vamos expulsá-los também”, disse Rivero.

Sentimentos semelhantes são ouvidos por todo o continente, onde dinastias políticas estão caindo ou estão sob uma pressão intensa, e onde os protestos e a agitação social estão crescendo.

No Brasil, os deputados deram início a um processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, enquanto vários outros líderes políticos foram acusados de participar de um enorme escândalo de corrupção.

No Equador, manifestantes contra o presidente Rafael Correa tomaram as ruas para protestar contra os cortes no orçamento, necessários por causa da queda nas receitas do petróleo.

O aumento dos preços do petróleo, gás natural, carvão, cobre, ouro, prata, bauxita, soja e outros produtos levaram a um crescimento econômico constante, uma queda acentuada na pobreza e uma expansão da classe média em toda a região. Esse crescimento, por sua vez, trouxe a estabilidade política, e líderes e partidos foram reeleitos repetidamente. Muitos deles estavam mais à esquerda, e chegaram ao governo em meio a uma onda de descontentamento da população depois de um longo período de estagnação econômica.

A Venezuela teve 17 anos de chavismo. O Partido dos Trabalhadores no Brasil ocupa a presidência há quatro mandatos consecutivos. No Equador, Correa é presidente desde 2007. Na Bolívia, o presidente Evo Morales está no cargo desde 2006.

Mas a mudança está acontecendo em toda a região. O preço do petróleo --essencial para as economias da Venezuela, Colômbia e Equador-- caiu de mais de US$ 100 para menos de US$ 40 por barril. Os preços do cobre (um produto fundamental no Peru e no Chile) e da soja (importante no Brasil e na Argentina) caíram para menos da metade do pico que atingiram recentemente.

“Tem havido uma continuidade surpreendente em muitos países, em grande parte porque líderes e partidos estavam vivendo o boom das commodities”, disse Michael Shifter, presidente do Inter-American Dialogue, um grupo de análise política em Washington. “Quando isso acabou, os eleitores procuraram outros líderes, mas governar é extremamente difícil agora, porque eles não têm mais os recursos necessários para atender às altas expectativas que foram geradas durante o boom das commodities.”

Muitas das políticas às quais Maduro está preso foram herdadas de Chávez, que tinha se beneficiado com a bonança do dinheiro do petróleo.

Em Barinas, capital do Estado, Chávez teve, segundo muitos relatos, mais erros que sucessos. O estádio de futebol, embora em uso, permanece inacabado --algumas partes do telhado nunca foram concluídas. Um hospital de câncer também está inacabado; o trabalho foi suspenso há mais de um ano. Uma nova e cara usina de açúcar fracassou.

E ainda assim, o fluxo constante do dinheiro do petróleo ajudou a esconder muitos erros e excessos. Isso não é mais uma opção para Maduro, que governou durante um período de esgotamento das reservas que deixou os proprietários de títulos da dívida do país preocupados com a possibilidade de inadimplência.

“Chávez encobria os problemas com dinheiro”, disse Miguel Aguin, policial de Barinas que ficou desiludido com o chavismo anos atrás. “Ele não pensou no futuro. Só deu uma ajuda para as pessoas sobreviverem o dia de hoje.”

Seus defensores costumavam ignorar as falhas de Chávez durante as vacas gordas, mas as eleições na semana passada mostraram que, em tempos difíceis, eles não são tão benevolentes.

Em Barinas, Freddy Garcés, 50, um colono que cuida de um rebanho de gado magro numa aldeia antes fiel ao chavismo chamada El Corozo, espera que os legisladores vitoriosos da oposição possam melhorar rápido a economia.

“Se eles não fizerem nada, então as pessoas vão pagar com a mesma moeda que pagaram esses caras”, disse ele.


Simon Romero contribuiu com a reportagem no Rio de Janeiro; Patricia Torres em Barinas, Venezuela; María Eugenia Díaz em Caracas, Venezuela; e Jonathan Gilbert em Buenos Aires, Argentina