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Faculdades dos EUA correm para encorajar empreendedores

Estudantes participam de evento sobre empresas start-up na Universidade de Rice - Spike Johnson/The New York Times
Estudantes participam de evento sobre empresas start-up na Universidade de Rice Imagem: Spike Johnson/The New York Times

Natasha Singer

Em Houston (EUA)

02/01/2016 00h01

O estatuto original da Universidade Rice, elaborado em 1891, estabelecia uma escola dedicada ao avanço da literatura, ciências e artes. Atualmente, a Rice parece igualmente dedicada a promover o próximo Mark Zuckerberg.

A universidade oferece cursos acadêmicos em financiamento e estratégia de empreendedorismo, oficinas extracurriculares de criação de novas empresas e um programa de verão para estudantes interessados na abertura de empresas.

Em agosto, a Rice anunciou uma "iniciativa de empreendedorismo" multimilionária para desenvolvimento de novos cursos e programas sobre o assunto. E os administradores dizem que esperam construir um centro empresarial para fornecimento de aulas e serviços em apoio aos projetos dos estudantes.

"Queremos que a Rice seja uma das escolas no topo da lista das escolas que candidatos a estudantes com aspirações empresariais digam ser um bom lugar para concretizar suas ambições", disse David W. Leebron, o presidente da Rice. "Trata-se de um grupo de estudantes não trivial, alguns dos estudantes mais inteligentes, mais criativos."

Há 10 anos, bastaria a oferta de alguns poucos cursos, oficinas e clubes de empreendedorismo. Mas os alunos, motivados por um mercado de trabalho adverso e inspirados pelas narrativas de sucesso bilionárias do Vale do Silício, agora esperam que as universidades os ensinem a converter suas ideais em negócios ou empreendimentos sem fins lucrativos.

Consequentemente, as faculdades –e as instituições de elite em particular– deram início a uma corrida armamentista de inovação. Harvard abriu um Laboratório de Inovação em 2011 que ajudou a abrir mais de 75 empresas. No ano passado, a Universidade de Nova York fundou um laboratório de empreendedorismo no campus e, neste ano, a Universidade do Noroeste abriu um centro para novas empresas de estudantes, A Garagem.

"Hoje, os alunos estão ávidos por causar impacto e temos que responder", disse Gordon Jones, reitor da nova Faculdade de Inovação e Design da Universidade Estadual de Boise, em Idaho, e ex-diretor do Laboratório de Inovação de Harvard.

Mas a febre de empreendedorismo nos campi está encontrando ceticismo entre alguns acadêmicos, que dizem que os programas carecem de rigor e de um suporte moral.

Até mesmo alguns poucos educadores de empreendedorismo dizem que algumas faculdades e universidades estão apenas repetindo como papagaio a mentalidade de "inovação e disrupção" do Vale do Silício e promovendo conjuntos estreitos de conhecimentos –como entrevistar clientes potenciais ou apresentar propostas a possíveis investidores– sem encorajar os alunos a lidarem com problemas mais complexos.

"Muitas dessas universidades querem entrar no jogo e oferecer isso por estar na moda", disse Jones. "Aquelas que o fazem corretamente estão investindo em recursos que são de alto calibre e capacitando os estudantes a enfrentarem problemas importantes."

Na tentativa de desenvolver ricos ecossistemas de empreendedorismo, muitas instituições estão seguindo o manual estabelecido anos atrás pela Universidade de Stanford e pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que envolve cursos acadêmicos, experiência prática e uma rede estendida de orientação por ex-alunos.

Universidades redobram esforços

Princeton oferece uma variedade de cursos de empreendedorismo. Mas, em um relatório divulgado em maio, o comitê consultivo da universidade concluiu que a universidade está aquém de outras escolas concorrentes que promoveram "grandes atualizações" de seus programas.

Entre outras questões, disse o relatório, Princeton destinou "apenas 140 metros quadrados" para programas de incubadoras e aceleradoras de empresas de estudantes, "enquanto Cornell tem 34 mil metros quadrados; a Universidade da Pensilvânia tem 18.500; Berkeley, 10 mil; Harvard, 2.800; Stanford, 1.115; Yale, 715; Universidade de Nova York, 560; Columbia, 465".

Em novembro, Princeton celebrou a abertura de um Centro Empresarial de 930 metros quadrados  próximo do campus. A universidade também está iniciando um programa de estágio de verão em Nova York, para que os alunos possam passar algum tempo em novas empresas.

Mung Chiang, diretor do Centro Keller para Inovação em Educação de Engenharia de Princeton, disse que a universidade quer ajudar estudantes, o corpo docente e ex-alunos a se tornarem mais empreendedores nos negócios, no governo e em trabalhos sem fins lucrativos.

"Trata-se de ampliar a mentalidade e capacidade das pessoas", disse Chiang.

O crescimento do empreendedorismo nos campi é claro, dizem os administradores. Em 1985, os campi universitários nos Estados Unidos ofereciam apenas cerca de 250 cursos em empreendedorismo, segundo um relatório recente da Fundação Ewing Marion Kauffman, que financia o ensino e treinamento de empreendedorismo. Em 2013, mais de 400 mil alunos frequentaram esses cursos.

Risco e autoemprego

A perspectiva de lançar o próximo Snapchat ou Instagram é uma atração para os alunos. Mas em um mercado de trabalho difícil, onde a expectativa é de que os jovens adultos mudem de empregador em intervalos de poucos anos, alguns estudantes estão se inscrevendo no treinamento de empreendedorismo na esperança de adquirir capacidade de autoemprego.

"Para ser honesta, nossa geração não está mais interessada em fazer uma coisa pelo restante de nossas vidas", disse Mijin Han, uma veterana da Rice com especialização em inglês e administração como cadeira secundária, com foco em empreendedorismo. "Nossa geração está interessada em aprender coisas diferentes e, se o ambiente não for propício, queremos pular fora e assumir um risco."

Parte desse espírito estava em exibição na Rice em outubro. Em um laboratório de design do departamento de engenharia, equipes de estudantes do programa de tecnologias de saúde da universidade trabalhavam no desenvolvimento de produtos para clientes reais –muitos deles para hospitais em Maláui, no sudeste da África, à procura de dispositivos médicos de baixo custo.

Do outro lado do campus, um popular ponto de almoço estava realizando um evento de visita a novas empresas –financiado por Mark Cuban, proprietário do time de basquete Dallas Mavericks e um convidado frequente do reality show de empreendedorismo "Shark Tank"– visando formar uma rede de contatos de executivos de novas empresas e estudantes. Em uma mesa próxima, membros do corpo docente distribuíam cartões para os estudantes com links para os recursos de empreendedorismo da Rice e estampados com slogans: "Seja um disruptor", "Encontre seu cofundador", "Qual é seu projeto ambicioso?"

Em apoio aos programas, as faculdades e universidades estão levantando dinheiro e buscando mentores entre ex-alunos bem-sucedidos e líderes empresariais locais. Algumas fornecem ajuda de custo aos estudantes que participam de programas aceleradores ou oferecem capital de arranque para suas empresas; outras podem negociar arranjos de partilha de receita caso seus formandos queiram comercializar ideias desenvolvidas nos laboratórios da universidade.

O laboratório de 560 metros quadrados da Universidade de Nova York é financiado por uma doação multimilionária de Mark Leslie, um dos membros do conselho diretor da universidade que foi fundador e presidente-executivo da Veritas Software, e sua esposa, Debra. Com janelas de vidro laminado dando vista para a Washington Place em Manhattan, o eLab Leslie fornece espaço para novos empreendedores se reunirem, participarem de eventos e produzir protótipos de seus produtos.

"Eu conheço alguns poucos estudantes que visitaram o eLab e viram a empolgação e os recursos que dispomos, e disseram que isso foi um fator crítico na decisão deles de cursar a Universidade de Nova York", disse Frank Rimalovski, diretor executivo do Instituto Empresarial da universidade, que supervisiona o laboratório.

Pensamento crítico

Mas as rápidas oficinas de empreendedorismo oferecidas por alguns campi podem parecer em atrito com a premissa tradicional das escolas de artes liberais de educar pensadores críticos e deliberativos.

"Inovação real está enraizada no conhecimento e em interesse e preocupação duráveis, não apenas em 'pensei em algo que ninguém tinha pensado antes'", disse Jonathan Jacobs, que escreve com frequência sobre a educação liberal e é diretor do departamento de filosofia da Faculdade John Jay de Justiça Criminal da Universidade Municipal de Nova York. "Francamente, isso não é educar as pessoas."

E pelo menos alguns poucos professores de empreendedorismo dizem que algumas universidades não estão assegurando que os estudantes aprendam os fundamentos de lançar, administrar e sustentar um negócio.

"O simples fato de contar com um belo espaço e uma lista de atividades de empreendedorismo não significa que há uma história eficaz em torno daquele programa, ou que os estudantes saibam como fazer uso desses recursos", disse Heidi Neck, uma professora de estudos empresariais da Faculdade Babson, uma escola de administração e negócios em Wellesley, Massachusetts.

Esse é um motivo para os administradores da Rice dizerem que estão consolidando e analisando os atuais programas antes de darem início a esforços adicionais. Como parte desse processo, a universidade lançou um fórum interdisciplinar no mês passado para promover pesquisa, discussão e cursos mais amplos de empreendedorismo no campus.

Leebron, o presidente da Rice, descreveu a iniciativa como parte de um esforço para melhorar o aprendizado baseado em projetos, com muita atividade prática, que os estudantes estão exigindo.

"Não há dúvida de que mais pessoas com idade de 18 anos estão chegando às universidades dizendo: 'Eu tenho uma ideia; acho que posso ter um impacto'", ele disse. "O que vamos fazer com essas pessoas? Como podemos dar apoio a elas?"

Tradução: George El Khouri Andolfato