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Agente secreto da CIA revela falhas de operações no Afeganistão e na Síria

T.J. Kirkpatrick/The New York Times
Imagem: T.J. Kirkpatrick/The New York Times

Mark Mazzetti

Em Washington (EUA)

02/04/2016 06h00

Nos últimos dias de Douglas Laux como agente da Agência Central de Inteligência (CIA), a futilidade de sua missão o levou a citar George Orwell a seu chefe.

Laux tinha passado meses em 2012 trabalhando com vários países do Oriente Médio que tentavam enviar armas para a Síria, para ajudar os diversos grupos rebeldes de lá. Mas ficou claro para ele que a CIA tinha pouca capacidade de controlar as brigas e punhaladas pelas costas entre sauditas, qatarianos e outros árabes.

Ele disse a um alto funcionário da CIA que se sentia como Winston Smith, o personagem de "1984" conhecido por seu fatalismo, porque realizava seu trabalho sem entender a política e agendas concorrentes que atrapalhavam o progresso na ajuda à rebelião. "Eu entendo como", disse Laux, parafraseando uma das famosas falas de Smith. "Eu não entendo o porquê".

É um sentimento que pode resumir grande parte da carreira de Laux na CIA, uma organização na qual serviu por oito anos como agente e soldado nos conflitos no exterior nos quais a agência se envolveu secretamente. Sua carreira na agência começou com uma visita a uma base secreta no sul do Afeganistão e terminou com um posto na Força-Tarefa para a Síria da agência, uma vida em zonas de guerra que é emblemática das vidas de um grande número de espiões americanos que se juntaram à CIA após os ataques terroristas do 11 de Setembro. Ele deixou a agência três anos atrás, mas está falando publicamente sobre suas experiências ali pela primeira vez, em conjunto com o lançamento de um livro de memórias.

O peso coletivo de todas as memórias da CIA escritas desde os ataques do 11 de Setembro poderia provocar o colapso de uma estante, mas Laux traz um novo ponto de vista. Seu livro não está repleto de lembranças de reuniões na Casa Branca ou de longas defesas do uso da simulação de afogamento. Laux estava a milhares de quilômetros de Washington, um soldado raso em uma guerra secreta.

"Temos funcionários que só atuaram em zonas de guerra desde que chegaram", disse Laux, um homem intenso de 33 anos com tipo físico atlético e uma barba bem aparada. "A grande pergunta para a CIA é se isso é sustentável, se é capaz de encontrar pessoal suficiente para investir tanto tempo psicológica e emocionalmente", falou Laux em uma recente entrevista em um bar tranquilo de Washington, de propriedade de um de seus amigos.

Ele chegou ao sul do Afeganistão como parte do aumento de agentes da CIA no país, no início de 2010, no mesmo momento em que o presidente Barack Obama ordenou o envio de dezenas de milhares de militares adicionais, na esperança de repelir o avanço do Taleban. Ele viveu em uma fortaleza de concreto, que antes era uma prisão construída pelos soviéticos durante a guerra deles no Afeganistão nos anos 80, parte de uma base decrépita cercada por arame farpado. Ele falava pashtu, que aprendeu durante seu treinamento na CIA.

Laux estava no Afeganistão quando as tropas americanas estavam morrendo em grande número, muitas delas por bombas à beira de estrada feitas em fábricas improvisadas do outro lado da fronteira, no Paquistão. Em seu livro, Laux narra como dirigia uma rede de informantes para tentar caçar pessoas que transformavam a fabricação de bombas em um negócio lucrativo. (O título do livro ainda não lançado no Brasil, "Left of Boom", é um jargão do Pentágono para os esforços por soldados e espiões para desmonte das redes de militantes antes de plantarem as bombas.)

O papel que o serviço de inteligência do Paquistão, o Diretório de Interserviços de Inteligência, exercia na fabricação de bombas provavelmentre é central na história de Laux, mas os censores da CIA removeram essas partes, juntamente com outros grandes pedaços da narrativa, como parte do processo obrigatório de revisão pela agência de todos os livros de seus ex-funcionários.

Laux disse ter ficado impressionado em quão pouco os militares pareciam saber sobre o Afeganistão após tantos anos no país, e que muitos agentes da CIA não tinham muito mais entendimento. Soldados e espiões serviam por curtos períodos, com grande parte do tempo dedicado à familiarização com os arredores, e então passavam suas funções para os recém-chegados, que eram forçados a cometer os mesmos erros que seus antecessores.

Em 2011, Laux disse que se tornou um refrão comum entre os americanos no Afeganistão que os Estados Unidos não estavam no país há 10 anos. "Eles estiveram no Afeganistão um ano, 10 vezes", ele disse.

Milhares de soldados americanos patrulhavam o leste do Afeganistão na caça aos combatentes do Taleban , enquanto os agentes da CIA se concentravam quase exclusivamente na Al Qaeda. Laux lembra da confusão que isso semeou e dos resultados ocasionalmente tragicômicos.

Um exemplo era a prática regular pelos militares de transmitir pelas emissoras de rádio de língua pashtu os nomes dos combatentes talibãs que estavam caçando, oferecendo dinheiro por informação sobre o possível paradeiro deles. Laux e outros agentes da CIA, sem saber das transmissões pelos militares, pagavam às pessoas que os procuravam com o que alegavam ser informações específicas sobre os mesmos nomes presentes nas transmissões militares. A informação com frequência era falsa.

Laux e seus colegas, que inicialmente achavam que se tratava de informação valiosa sobre importantes combatentes do Taleban, posteriormente perceberam que era um jogo em andamento há anos. Os americanos estavam desesperados por inteligência e alguns afegãos estavam explorando esse desespero para encher seus bolsos.

Ele voltou do Afeganistão se sentindo um estranho em seu próprio país, e sua vida entrou em um mergulho em parafuso de álcool e (do analgésico) OxyContin. Laux disse que tentou esconder seu abuso de substâncias de seus chefes na CIA, que exerciam pouca supervisão dos agentes exercendo funções no exterior.

No segundo trimestre de 2012, com a escalada da guerra civil na Síria, a CIA enviou Laux ao Oriente Médio como parte da nascente força-tarefa da agência encarregada de fazer contato com os rebeldes sírios.

Ele desenvolveu relacionamentos com os rebeldes, mas a frustração veio em seguida. O governo Obama estava profundamente dividido em como apoiar os rebeldes, e a Arábia Saudita, Qatar e outros países árabes decidiram armá-los por conta própria, geralmente sem informar seus esforços à CIA. Muitos dos detalhes do tempo de Laux trabalhando na operação na Síria foram censurados. Uma versão de um plano que ele elaborou para armar os rebeldes sírios acabou sendo adotado por David Petraeus, o diretor da CIA, que então o propôs à Casa Branca de Obama.

Ele deixou a agência em 2013, esgotado pelas missões no exterior e frustrado com as burocracias tanto estrangeiras quanto domésticas. Ele disse que começou a escrever o livro quase imediatamente após deixar a CIA, enquanto as lembranças e emoções ainda estavam frescas.

Laux insiste que o livro não deve ser lido em busca de conclusões cósmicas sobre o estado da inteligência americana, mas como o relato da carreira de uma pessoa na CIA. Mas ele espera que possa ser um retrato útil para o entendimento de como as guerras pós-11 de Setembro mudaram a CIA e as vidas das pessoas que as travaram.

Ou, ele brinca, talvez seja um livro de autoajuda.

"Deseja se livra do seu vício em drogas?" ele disse. "Vá para a Síria."