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Obama visita a Arábia Saudita para tentar conter a desconfiança do antigo aliado

Visita de Barack Obama ao rei saudita Salman bin Abdulaziz Al Saud em 2015 - Stephen Crowley/The New York Times
Visita de Barack Obama ao rei saudita Salman bin Abdulaziz Al Saud em 2015 Imagem: Stephen Crowley/The New York Times

Michael D. Shear

Em Washington (EUA)

19/04/2016 06h00

Ao longo das últimas sete décadas, fotografias de presidentes americanos lado a lado com os reis da Arábia Saudita dão evidências visuais de uma aliança estratégica duradoura entre os Estados Unidos e o reino rico em petróleo do Oriente Médio.

Nesta quarta-feira (19), o presidente Barack Obama adicionará mais uma foto ao álbum quando chegar a Riad, a capital saudita, para uma reunião privada com o rei Salman, o monarca de 80 anos de Arábia Saudita.

Mas a imagem esperada dos dois líderes certamente não transmitirá a profunda tensão nas relações entre os dois países. Durante o mandato de Obama, houve desconfiança e desacordo sobre como conter o Irã, lutar contra o Estado Islâmico, a respeito do futuro da Síria e dos confrontos no Iêmen. Comentários contundentes sobre os sauditas feitos por Obama em uma recente entrevista aprofundaram o mal-estar.

"As relações passam por problemas. Estão turbulentas", disse Frederic Wehrey, um associado sênior do Programa para o Oriente Médio do Fundo Carnegie para a Paz Internacional. Mas, ele acrescentou, "não está caminhando para um colapso iminente".

Isso porque os dois países ainda precisam um do outro. Os Estados Unidos fornecem apoio militar e de inteligência ao reino para sua segurança regional, e a expectativa é de que anunciem apoio adicional nesta semana. A Arábia Saudita ajuda a combater grupos terroristas como a Al Qaeda e continua sendo a segunda maior fornecedora de petróleo para os Estados Unidos, vendendo cerca de 1 milhão de barris por dia.

Agora, ao final da presidência de Obama, os líderes sauditas já estão olhando além dele, para o vencedor da eleição presidencial de novembro.

"Para eles, o navio de Obama já zarpou há muito tempo", disse Danielle Pletka, vice-presidente sênior para estudos de políticas externas e de defesa do Instituto da Empresa Americana, um centro de estudos conservador. "Eles, como o restante de nós, não têm ideia do que virá a seguir."

O que os sauditas querem?

Nos 70 anos desde que o presidente Franklin D. Roosevelt iniciou a aliança no final da Segunda Guerra Mundial, os sauditas buscam principalmente dos Estados Unidos ajuda para garantir sua segurança em uma região frequentemente instável. Eles queriam contar com o apoio americano especialmente em caso de um conflito potencial contra o Irã, seu antigo rival regional.

Isso significava, em grande parte, equipamento militar: os Estados Unidos ajudaram a Arábia Saudita, um país dominado pelos sunitas, a obter armas para dissuadir o Irã, um país de maioria xiita. Mais recentemente, os sauditas passaram a buscar assistência de inteligência e treinamento, e os Estados Unidos deram aos sauditas apoio logístico e localização de alvos em sua guerra no Iêmen.

Nesta semana, é esperado que os Estados Unidos anunciem um reforço de suas defesas antimísseis na região e forneçam novo apoio aos esforços sauditas para combater ciberataques por parte do Irã e de outros.

A Arábia Saudita "se tornou mais e mais dependente das forças armadas americanas para qualquer contingência séria", disse Anthony H. Cordesman, que ocupa a cadeira Arleigh A. Burke para Estratégia no Centro para Estudos Estratégicos e Internacionais.

O que os Estados Unidos querem?

Os Estados Unidos querem que a Arábia Saudita seja uma fonte de estabilidade no Oriente Médio, uma aliada cujas reservas de petróleo apenas recentemente começaram a diminuir em importância para os interesses americanos.

"Os presidentes americanos querem ter um relacionamento decente com o país que exporta mais petróleo do que qualquer outro no restante do mundo", disse F. Gregory Gause 3º, um professor da Escola Bush de Governo e Serviços Públicos da Universidade Texas A&M.

A Arábia Saudita trabalha com os Estados Unidos na campanha contra a Al Qaeda e mais recentemente contra o Estado Islâmico, um grupo considerado um risco regional e uma ameaça direta à segurança americana. Os Estados Unidos buscam a ajuda do reino para colocar um fim à guerra civil na Síria.

O governo Obama também deseja mudanças dentro da Arábia Saudita, onde mulheres e minorias religiosas com frequência enfrentam marginalização. As autoridades dizem que Obama levantará a questão dos direitos humanos, mas poucos esperam que o assunto ofusque as preocupações de segurança.

Funcionários da Casa Branca dizem que a aliança permanece forte. Mesmo assim, Rob Malley, um conselheiro do presidente para o Oriente Médio, reconheceu na semana passada que "nossas posições e as de alguns de nossos parceiros na região, a Arábia Saudita em particular, nem sempre estão perfeitamente alinhadas".

Como as coisas deram errado?

Do ponto de vista saudita, a confiança no apoio americano foi minada em 2011, pelo que viram como um fracasso de Obama em apoiar Hosni Mubarak, o presidente derrubado do Egito, durante a Primavera Árabe. Ela foi abalada ainda mais quando Obama traçou uma "linha vermelha" contra o uso pelo governo sírio de armas químicas, mas não tomou medidas militares para garanti-la. Obama disse se orgulhar de sua restrição no último minuto, mas o episódio de 2013 fez os sauditas questionaram o compromisso dos Estados Unidos em defender seus aliados na região.

De lá para cá, essas questões se transformaram em uma preocupação profunda, notadamente após Obama se reaproximar do Irã, antes um pária diplomático, em um esforço para chegar a um acordo para acabar com o programa de armas nucleares do país. Autoridades americanas saudaram o acordo, fechado no ano passado, o considerando bem-sucedido em impedir o Irã de se tornar uma potência nuclear.

Mas dentro da Arábia Saudita, o degelo entre americanos e iranianos é visto como uma mudança perigosa no equilíbrio de poder na região. Os sauditas temem ataques convencionais e terroristas por parte do Irã, e temem que os Estados Unidos estejam recuando no compromisso de defesa que manteve por décadas.

"Para a Arábia Saudita, sempre tratou-se de uma questão existencial", disse Cordesman. "Para nós, é outro problema regional."

Outro problema é a antiga suspeita entre alguns nos Estados Unidos de que o governo saudita ou algumas de suas autoridades participaram do planejamento dos ataques de 11 de setembro de 2001. Nos últimos dias, as autoridades sauditas alertaram os legisladores americanos de que venderiam centenas de bilhões de dólares em ativos americanos caso o Congresso aprovasse uma lei que permitiria que o governo saudita fosse responsabilizado nos tribunais americanos por qualquer papel que possa ter tido nos ataques.

Mesmo assim, um alto funcionário do Departamento de Estado disse que as relações estão melhores agora, um dia antes da viagem de Obama, do que há dois anos, após o incidente da "linha vermelha" na Síria. Os esforços do secretário de Estado, John Kerry, e do diretor da CIA, John O. Brennan, para reparar as relações levaram à ajuda saudita na mediação do cessar-fogo na Síria e à cooperação dos Estados Unidos na luta dos sauditas contra as forças apoiadas pelo Irã no Iêmen.

O que virá depois de Obama?

Se os sauditas estão prontos para virar a página na presidência de Obama, eles também estão ansiosos a respeito do que virá a seguir, especialmente se o próximo presidente for Donald Trump ou o senador Ted Cruz do Texas.

Trump criticou a Arábia Saudita, dizendo no mês passado ao "The New York Times" que poderia suspender todas as compras de petróleo a menos que os sauditas demonstrem um maior esforço na luta contra o Estado Islâmico. "Se a Arábia Saudita não contasse com o manto de proteção americano", disse Trump, "não acho que ela ainda existiria".

Cruz disse durante um debate presidencial em fevereiro que os Estados Unidos deveriam "responsabilizar seus amigos, que amigos não financiam jihadistas que buscam nos assassinar. E quando se trata da Arábia Saudita, precisamos de verdadeiro escrutínio e pressão real".

Do ponto de vista saudita, Hillary Rodham Clinton pode representar um retorno ao tipo de política externa que recordam de quando seu marido foi presidente. Mas nada é certo neste período eleitoral, e o senador Bernie Sanders de Vermont, o outro candidato à indicação democrata, é desconhecido pelos sauditas.

"Como todo mundo, eles não têm ideia do que pensar a respeito de Trump", disse Gause.

"Quem sabe o que pensar do senador Cruz a respeito disso? Os sauditas não o conhecem", ele acrescentou. "Eu acho que eles se sentiram perfeitamente à vontade com Hillary."