Topo

Droga que matou Prince está enriquecendo cartéis mexicanos, dizem EUA

Jim Mone/AP
Imagem: Jim Mone/AP

Azam Ahmed

Na Cidade do México

11/06/2016 06h01

A droga que matou o cantor Prince se tornou uma favorita dos cartéis mexicanos porque é extremamente potente, popular nos EUA e imensamente lucrativa, segundo autoridades americanas.

Autoridades da polícia de fronteiras dos EUA advertem que os cartéis mexicanos estão usando seus próprios laboratórios para produzir a droga fentanil, além de receber carregamentos da China.

Depois os cartéis distribuem a substância por suas vastas redes de contrabando para suprir a demanda dos americanos por opiáceos e produtos farmacêuticos.

"É realmente a próxima migração dos cartéis em termos de lucros", disse Jack Riley, vice-administrador em exercício do Departamento de Repressão a Drogas dos EUA (DEA na sigla em inglês). "Isto vai ao cerne do gênio de marketing dos cartéis. Eles sabiam que daria certo."

Ainda não está claro como Prince --que segundo as autoridades morreu de uma dose excessiva de fentanil em abril passado-- obteve a droga. Os médicos podem prescrever fentanil, um opioide sintético, para pacientes de câncer e em tratamentos paliativos, incluindo de doentes terminais.

Mas a presença de fentanil ilícito está crescendo a níveis que não eram vistos desde 2006, quando uma onda semelhante de mortes por overdose nos EUA foi relacionada a um laboratório no México.

As autoridades dizem que a popularidade do fentanil entre os cartéis segue um enredo conhecido: mudanças no mercado de drogas ilegais e oportunismo básico.

Quando a repressão aos medicamentos vendidos sob prescrição fez aumentar o preço de remédios como oxicodona, os cartéis começaram a investir nos usuários que optam por heroína. Era mais barata, mais facilmente encontrada e relativamente fácil de fornecer.

Agora o fentanil, que pode ser feito em laboratório sem a dificuldade de cultivar papoulas, é um substituto mais rentável --e mortal.

Centenas de americanos morreram de overdose relacionada a fentanil nos últimos anos. Mas ele oferece lucros enormes às redes criminosas em lugares como Massachusetts, onde a epidemia de fentanil possivelmente atingiu com mais força.

Um quilo de heroína, comprado na Colômbia por aproximadamente US$ 6.000 (R$ 20.500,00), pode ser vendido no atacado por US$ 80 mil (R$ 273 mil), segundo dados do DEA.

Mas um quilo de fentanil puro, comprado na China por menos de US$ 5.000 (R$ 17 mil), é tão potente que pode ser convertido em 16 a 24 kg quando misturado com substâncias como talco ou cafeína. Cada quilo então pode ser vendido no atacado por US$ 80 mil, com um lucro total próximo de US$ 1,6 milhão (cerca de R$ 5,5 milhões).

"Os cartéis e os traficantes de drogas não são idiotas", disse Jorge Javier Romero Vadillo, professor na universidade CIDE, na capital mexicana. "Eles são atores econômicos racionais, cujos atos e decisões são diretamente relacionados à demanda."

As autoridades mexicanas estão cientes dos avisos dos EUA de que os cartéis são responsáveis pela produção ou distribuição generalizada de fentanil, temendo que seus homólogos nos EUA estejam instintivamente culpando o México, embora os dados públicos sobre o tráfico de fentanil no México ainda sejam limitados.

Houve apreensões dignas de nota da droga ao sul da fronteira, porém. No último outono, agentes federais no México descobriram 27 kg de fentanil --dosagem equivalente a quase uma tonelada de heroína-- em uma pista de pouso remota no Estado de Sinaloa.

A batida também descobriu cerca de 19 mil tabletes de fentanil, marcados pelos traficantes para parecer oxicodona. Dois homens detidos na operação eram membros graduados do cartel de Sinaloa, liderado pelo barão da droga Joaquín Guzmán Loera, conhecido como El Chapo.

"Depois da apreensão de 2015, intensificamos os esforços entre todas as agências do governo", disse o general-brigadeiro Inocente Fermín Hernández, chefe do centro nacional para políticas, planejamento e informação contra o crime do México, uma divisão do Ministério da Justiça.

"Percebemos que precisamos tomar medidas adequadas para saber e investigar se estamos lidando com fentanil cada vez que encontramos um laboratório."

Há mais de um ano, a DEA tem advertido sobre uma epidemia interna de fentanil. Sua potência, de aproximadamente 40 vezes a da heroína, tornou o fentanil uma opção preferida pelos viciados e uma opção rentável para os traficantes. Diluída e vendida em formas menos puras, a droga pode ser 20 vezes mais rentável que a heroína, segundo especialistas.

Agentes de fronteira dos EUA apreenderam cerca de 90 kg de opioides sintéticos como fentanil no ano passado, a maior parte na fronteira sudoeste dos EUA com o México, disse R. Gil Kerlikowske, o comissário da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA.

Embora os números ainda sejam pequenos, disse ele, o aumento é alarmante. Em 2014, só 4 kg foram apreendidos.

Desde 2010, o fentanil recuperado pela polícia americana em todo o país aumentou 20 vezes, de 640 amostras testadas para 13 mil no ano passado, segundo dados do Sistema Nacional de Informação de Laboratórios Forenses.

As mortes por overdose acompanharam a crescente disponibilidade da droga: do final de 2013 ao final de 2014, os anos mais recentes com dados disponíveis, mais de 700 americanos morreram de overdoses ligadas a fentanil.

O fentanil é usado de muitas formas pelos cartéis, dizem as autoridades. É misturado com heroína para aumentar sua força, uma combinação conhecida localmente como "diablito".

Também pode ser diluído e ingerido diretamente. Dessa forma, a dose pode ser tão pequena quanto alguns grãos de sal.

Cada vez mais, porém, o fentanil está sendo oferecido como pílulas falsas de oxicodona, o que confirma que o recente aumento na dependência de heroína nos EUA deriva do abuso de analgésicos vendidos sob prescrição.

Alguns especialistas são mais contidos sobre o papel dos cartéis, dizendo que ainda faltam dados concretos que mostrem seu envolvimento extenso. A maioria das apreensões de drogas no México ainda consiste principalmente de heroína, cocaína e metanfetaminas.

Mas outros suspeitam de que o número é baixo porque as autoridades mexicanas ainda não fazem o teste para fentanil quando apreendem drogas, um problema que também afeta polícias locais nos EUA.

O professor Romero disse que a plena dimensão do problema no México ainda é desconhecida.

"Nosso problema é que não temos dados concretos para comparar", disse ele.

O DEA disse que a relativa novidade do abuso de fentanil significa que as autoridades policiais estão vendo os primeiros indícios da tendência. Estados como Califórnia, Massachusetts e New Hampshire tiveram aumentos alarmantes de mortes por overdose e da penetração do fentanil em seus mercados de drogas locais. As autoridades desses Estados também culpam os cartéis mexicanos.

Autoridades de repressão a drogas dizem que a distribuição do fentanil reflete os padrões de distribuição de outras drogas pelos cartéis, como heroína. Riley, do DEA, diz que uma gangue de rua de Chicago conhecida como Gangster Disciples, que trafica drogas para cartéis na cidade, hoje está bombeando fentanil no mercado, em Chicago e até em New Hampshire.

Hernández foi mais cético, dizendo que houve apenas quatro episódios envolvendo fentanil de conhecimento do governo na última década, começando pela produção em um laboratório clandestino em 2006 e, mais recentemente, na batida no final de 2015.

"O fentanil é muito difícil de detectar à primeira vista", disse ele. "Nem todo mundo consegue reconhecê-lo."