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Objeto de amor e de ódio, fuzil AR-15 é um elemento comum em chacinas nos EUA

Fuzis AR-15 Smith & Wesson à venda em exposição de armas em Loveland, Colorado (EUA) - Luke Sharrett/The New York Times
Fuzis AR-15 Smith & Wesson à venda em exposição de armas em Loveland, Colorado (EUA) Imagem: Luke Sharrett/The New York Times

Alan Feuer

15/06/2016 06h01

Nos últimos anos, o AR-15 se tornou, ao mesmo tempo, um dos mais amados e mais odiados rifles, ou fuzis, dos EUA.

Não é surpresa por que a arma é tão criticada pelos defensores do controle de armas. Omar Mateen, o atirador no ataque do último fim de semana a uma boate gay em Orlando, na Flórida, usou uma versão do fuzil produzida pela SIG Sauer para matar quase 50 pessoas.

A arma de estilo militar também foi a preferida em vários outros assassinatos em massa: em uma escola elementar em Newtown, Connecticut; em um cinema em Aurora, Colorado; em uma festa para funcionários municipais da saúde em San Bernardino, Califórnia; e no campus da Faculdade Comunitária Umpqua, no Oregon.

Mas a Associação Nacional do Rifle (NRA na sigla em inglês) decidiu chamar o AR-15 de "o rifle da América". Embora o governo federal não tenha registro de exatamente quantos AR-15 estão em circulação, especialistas estimam que haja facilmente vários milhões espalhados pelo país --um número enorme, já que ele, juntamente com outras armas de assalto, foi proibido por uma lei federal entre 1994 e 2004.

A extraordinária popularidade do fuzil pode ser atribuída a diversos fatores, incluindo a facilidade de utilização, a personificação de um certo glamour militar e o marketing agressivo da indústria de armas.

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A arma foi fabricada pela primeira vez no final dos anos 1950 por Eugene M. Stoner, um ex-fuzileiro naval e desenhista-chefe de armas na divisão ArmaLite da companhia de aviões Fairchild Engine and Airplane Corp.

Ele era incomum para a época, feito de plásticos leves e alumínio, em vez dos materiais tradicionais como madeira e metais mais pesados. Também disparava uma bala calibre .223, que era menor e mais rápida que a munição típica da época.

Em parte por esses motivos, o Pentágono, sob o secretário da Defesa Robert S. McNamara, comprou o AR-15 na década de 1960 e, depois de rebatizá-lo de M-16, o transformou no padrão para as tropas de terra americanas no Vietnã. Mais ou menos nessa época, uma versão civil do fuzil, que, diferentemente da militar, não disparava automaticamente, também foi posta à venda. Hoje dezenas de empresas produzem sua própria versão da arma.

"Naquela época, as pessoas o chamavam de 'fuzil de plástico' porque parecia um brinquedo", disse Sam Andrews, dono da Tier One Weapons Systems, uma firma de engenharia de armamentos em Eureka, no Missouri. "Mas ele evoluiu. Hoje as pessoas percebem que leve pode ser bom."

Devido a seu sistema operado a gás, disse Andrews, o AR-15 tem um recuo, o "coice", bastante suave. A arma também é rápida e precisa, acrescentou ele, capaz de disparar, em mãos experientes, oito tiros por segundo.

"A razão por que é tão popular é que se você levar uma pistola a uma briga onde haja um AR-15 você vai perder", disse Andrews. "E não importa que você seja um homem de 110 kg como eu ou uma garota de 50 kg."

Donos de armas dizem que o AR-15 é usado para caça, tiro esportivo e autodefesa. O fuzil também é facilmente incrementado com acessórios personalizados, como lanterna, mira infravermelha e diversas culatras, e é chamado de o Lego do mundo das armas. Seus donos trocam resenhas do produto ou truques pessoais em diversos blogs e painéis online.

Segundo uma pesquisa de 2010 da Fundação Nacional de Tiro Esportivo dos EUA, os donos de AR-15 tendem a possuir três versões do fuzil em média e a gastar mais de US$ 400 (R$ 1.384,00) por arma em acessórios e modificações.

Embora o AR-15 possa ser comprado por apenas US$ 600 (R$ 2.080,00), o preço médio no varejo é de pouco mais de US$ 1.000 (R$ 3.460,00), segundo a pesquisa.

Essa demanda foi acompanhada --alguns diriam causada-- por vigorosas campanhas de marketing dos fabricantes de armas, que com frequência mencionam o AR-15 não como um fuzil de assalto, mas como um fuzil esportivo moderno.

Grupos como o Civilian Marksmanship Program [Programa de Atiradores Civis] organizam competições anuais de tiro ao alvo muito frequentadas, que atraem centenas de veteranos militares, um dos principais grupos de compradores da arma.

"Temos muitos soldados que estão retornando e conhecem muito bem o M-16 --como atirar, limpá-lo, desmontá-lo", disse Jim Scoutten, produtor-executivo do canal de tiro esportivo Shooting USA. "E quando eles voltam em muitos casos adquirem uma versão civil."

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O AR-15 também é fortemente comercializado para jovens entusiastas de armas que são atraídos pela cultura altamente militarizada das Operações Especiais que se tornou cada vez mais predominante em filmes de ação e videogames de tiro como "Call of Duty".

 

Em 2014, o Violence Policy Center [Centro de Políticas contra a Violência], que defende o controle das armas, fez um estudo das iniciativas de marketing do Freedom Group, um dos maiores fabricantes de armas do mundo.

Descobriu-se que muitas publicidades da empresa usavam imagens marciais de homens em roupas táticas e slogans como "Fabricado para enfrentar trabalho duro" e "Coragem no serviço".

O estudo cita um artigo da revista setorial "Shooting Sports Retailer" que adverte os vendedores para tomar cuidado com certos compradores novatos. "Muitos dos novos atiradores atraídos por armas táticas para sua primeira compra de arma de fogo pensam que conhecem armas porque jogaram muito videogames de tiro", diz o artigo.

"Jogadores inspirados por 'Call of Duty' a comprar sua primeira arma acabarão descobrindo que têm muito a aprender."

Apesar dessas advertências, a indústria de armas usou a popularidade desses jogos para vender seus produtos para uma "geração jovem, agressiva, informada em tecnologia", disse Josh Koskoff, um advogado que representa as famílias de Newtown em um processo contra a indústria.

Ao pesquisar seu caso, Koskoff disse que encontrou imagens de "Call of Duty" com fuzis AR-15 que levam o nome de fabricantes conhecidos.

Para Josh Sugarman, fundador do Centro de Políticas contra a Violência, as tentativas dos fabricantes de empurrar o AR-15 para os jovens deriva de uma dura percepção sobre o futuro da indústria.

"O grupo que tradicionalmente compra armas --homens brancos-- está envelhecendo e lentamente se extinguindo", disse Sugarman. "Por isso eles comercializam o AR-15 para a próxima geração como um produto novo e atraente."