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Fora de Fallujah por causa do EI, restaurante de kebab famoso renasce em Bagdá

Garçom serve fregueses no restaurante Haju Hussein, em Bagdá, famoso por seu kebab - Bryan Denton/The New York Times
Garçom serve fregueses no restaurante Haju Hussein, em Bagdá, famoso por seu kebab Imagem: Bryan Denton/The New York Times

Tim Arango

Em Bagdá (Iraque)

26/06/2016 06h00

Muito antes de Fallujah ser conhecida pelo mundo por seus mortíferos jihadistas, ela era conhecida por todo o Iraque por seu kebab (carne gorda de carneiro, moída e misturada com cebola, grelhada no espeto na brasa e servido com uma pitada de sumagre) em um restaurante chamado Haji Hussein. 

Ao que parece, todo mundo comia no Haji Hussein: a população local, soldados, turistas e empresários em viagem pela estrada Bagdá-Amã que cruza a cidade. A partir de 2003, os jornalistas que cobriam a guerra comiam lá, assim como os soldados americanos e os insurgentes que os combatiam, talvez até ao mesmo tempo. 

O restaurante foi danificado por bombas múltiplas vezes e totalmente destruído por um ataque aéreo americano. Ele foi reconstruído, abraçado como símbolo do próprio renascimento de Fallujah após anos de guerra, apenas para ser abandonado quando a cidade caiu para o Estado Islâmico há mais de dois anos. 

Agora, o amado restaurante de kebab renasceu de novo, desta vez em Bagdá, em um prédio moderno de três andares no bairro nobre de Mansour. 

Uma nova opção na próspera cena de restaurantes da capital, ele oferece um ótimo kebab e uma dose de nostalgia em uma época que os bagdalis nem pensam em dar um pulo em Fallujah para almoçar no Haji Hussein. 

16.jun.2016 - Fachada do restaurante Haji Hussein, em Bagdá (Iraque), que antes era localizado na cidade de Fallujah - Bryan Denton/The New York Times - Bryan Denton/The New York Times
Fachada do restaurante Haji Hussein, que antes ficava na cidade de Fallujah
Imagem: Bryan Denton/The New York Times

"Esse era o ofício do meu avô", diz Mohammed Hussein, que administra os negócios de sua família, iniciados nos anos 30, quando Fallujah era uma cidade de agricultura, contrabando e tradições tribais, não um santuário jihadista. 

O restaurante, reluzente e bem iluminado, fica lotado na maioria das noites e os clientes aguardam por mesas, cerca de 15 a 20 minutos, algo quase desconhecido no Iraque. Há dois televisores de tela plana no primeiro andar, sintonizados em canais de notícias que informam sobre a campanha militar para retomada de Fallujah do Estado Islâmico. 

"Eu não consigo assistir ao noticiário", disse Hussein. 

Mas recentemente uma notícia não escapou de sua atenção: a força aérea iraquiana, assim como os americanos há 12 anos, anunciou que atingiu o endereço de seu restaurante em Fallujah, porque os líderes do Estado Islâmico (EI) estavam se reunindo ali. 

Uma declaração do Comando de Operações Conjuntas do Iraque foi divulgada pela televisão: "Com base em informações de inteligência sobre a reunião dos líderes do EI no restaurante Haji Hussein, no centro de Fallujah, foi lançado um ataque aéreo contra o restaurante, resultando na morte de dezenas de terroristas do EI". 

Mas o restaurante, disse Hussein, está deserto há 2 anos e meio. 

Quando as forças iraquianas conseguiram avanços dentro de Fallujah, as pessoas quase imediatamente começaram a falar no Haji Hussein. A polícia federal divulgou um vídeo de combate mostrando a luta perto do restaurante, e um vislumbre da fachada de cor de ferrugem o mostrava danificado, mas não destruído. Na televisão estatal, comentaristas expressaram esperança de que o Haji Hussein pudesse reabrir em breve em Fallujah. 

Em 2004, os americanos bombardearam o restaurante com base em inteligência de que insurgentes leais a Abu Musab Zarqawi, o fundador da Al Qaeda no Iraque, a precursora do Estado Islâmico, estavam comendo ali. 

Como este é o mês sagrado do Ramadã, o restaurante em Bagdá ultimamente está ocupado servido a "iftar", a refeição da noite que quebra o jejum. O estacionamento também está movimentado: um segurança checa os carros à procura de bombas; um homem vende balões para famílias; crianças pedem esmola. 

Enquanto Hussein, 49 anos, se sentava para conversar em uma noite recente, ele estava cercado por garçons com gravata borboleta (a maioria dos funcionários de Fallujah agora trabalha no novo endereço) servindo as mesas com pratos de aperitivos, enquanto os clientes aguardavam para quebrar seu jejum. 

Além dos pratos quentes do famoso kebab, havia tâmaras cobertas com pasta de gergelim, melancia, homus, salada de pepino e tomate, picles e sopa. Há alguns novos itens no cardápio que não eram servidos em Fallujah: carpa grelhada, chamada "masgoof"; um prato de frango e arroz iemenita chamado "mandi"; e "maklouba", um prato de frango, berinjela e arroz de origem palestina.

Enquanto chegavam os clientes, Hussein tentou se lembrar de quantas vezes seu restaurante em Fallujah foi danificado ou destruído pela guerra. 

"Vezes demais para contar", ele disse. 

Ao menos dentro de seu restaurante, o Iraque não parece irremediavelmente dividido por seitas. Sunitas e xiitas quebram seu jejum de horários ligeiramente diferentes e à medida que o pôr do sol se aproximava, um televisor estava sintonizado em um canal sunita, o outro no "Iraqiya", o canal do governo liderado pelos xiitas. 

- Garçom carrega kebabs servidos no restaurante Haji Hussein, em Bagdá, no Iraque - Bryan Denton/The New York Times - Bryan Denton/The New York Times
Garçom carrega kebabs servidos no restaurante Haji Hussein, em Bagdá, no Iraque
Imagem: Bryan Denton/The New York Times

Quando o chamado à oração, o sinal de término do jejum do dia, foi dado em um, os sunitas começaram a comer. Cerca de 15 minutos depois, os clientes xiitas começaram a comer. 

Anas al-Sarraf, que talvez seja o único crítico de restaurantes de Bagdá, elogiou o Haji Hussein em seu altamente acompanhado Guia de Restaurantes de Bagdá, no Facebook, por seu kebab, limpeza e serviço. 

Um exilado iraquiano, com saudades de casa, postou um comentário no site de Al-Sarraf: "Estou longe do Iraque há 13 anos e não há comida iraquiana ou kebab iraquiano como o do Haji Hussein. 'Inshallah' eu volte algum dia a comer no Haji Hussein, seja em Fallujah ou Bagdá". 

Na cozinha, o sobrinho de Hussein, Marwan Mohammed, estava trabalhando na grelha. Atualmente com 26 anos, ele trabalha no negócio da família desde que tinha 8 anos, lavando os espetos. 

Mohammed disse que o segredo de seu kebab é carneiro fresco, diferente das carnes importadas de baixa qualidade, que ele disse que muitos restaurantes iraquianos usam. A família ainda cria seus próprios carneiros em um área controlada pelo governo perto de Fallujah, e geralmente serve o kebab no mesmo dia em que o carneiro é abatido, no máximo no dia seguinte. 

"Nós os alimentamos apenas com capim e alimentos especiais", ele disse. "Nunca deixamos que saiam e comam lixo." O único ingrediente misturado na carne de carneiro moída é cebola. O Sumagre e o sumo de limão à mesa apenas dão mais sabor. 

A sorte de Hussein pode agora estar em Bagdá, mas seu coração está em Fallujah. Sua cidade natal, ele disse, "é como um lugar sagrado para mim". Ele acrescentou: "Meu coração bate mais rápido quando penso em Fallujah".

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AFP